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A igualdade de tratamento no âmbito da União Europeia

No documento A igualdade de tratamento no âmbito da UE (páginas 36-44)

A igualdade e a não discriminação devem ser observadas, levando em consideração vários aspectos, já que existe a possibilidade de ocorrerem situações de diferenciações sem o intuido de denegrir, mas apenas com o fito protetor dos menos favorecidos, no ímpeto de se estabelecer um tratamento mais equânime entre todos os conviventes dentro de uma sociedade. Ao analisar-se um caso concreto, considerando um período histórico determinado, tem-se algumas particularidades que necessitam de uma refinada análise para que se estabaleça regras não somente na órbita teórica, mas na prática, através da implementação de políticas públicas redistributivas95. Necessário que se pondere as mudanças nos relacionamentos interpessoais, decorrentes de uma evolução natural da sociedade, no âmago da busca constante da paz, além o desenvolvimento de uma cultura mais humana, de fato.

Conceitualmente, é possível afirmar que o Princípio da Igualdade de Tratamento, consagrado no Tratado da União Europeia, em seu artigo 2°, é definido como o princípio de

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igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições, órgãos e organismos96. Ademais, é objetivo da União Europeia promover em todo o mundo o respeito pelo princípio da igualdade, conforme alude o artigo 21, do referido tratado.

Com efeito, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, elenca como garantia do princípio da igualdade, a proibição de discriminação, conforme expõe o artigo 20 e seguintes. Com efeito, a referida CDF, dispõe em todo o seu Título II à igualdade. Além de garantir a igualdade como um todo, o dispositivo legal mencionado garante, também, especificamente:

A) Reconhecimento da diversidade cultural, religiosa e linguística (art. 22); B) Igualdade entre homens e mulheres, no emprego, trabalho e remuneração (art. 23); C) Igualdade nos direitos das crianças, quanto à sua proteção e bem-estar (art. 24); D) Igualdade nos direitos dos idosos (art. 25); E) Igualdade nos direitos dos portadores de deficiência (art. 26)97.

Ademais, é importante destacar que são muitas as disposições acerca do princípio da igualdade, através do intuito de assegurar uma efetiva igualdade entre os cidadãos, e empresas, da União.

Sobre isso, comenta o autor Paul Craig:

The principle of equality and the prohibition of discrimination are found expressly within a number of Treaty articles, but the European Court of Justice (ECJ) held at na early stage that these were nearly specific enunciations of the general principle of equality as one of the fundamental principles of Community law, wich must be observed by any court.98

Paul Craig ensina que o princípio da igualdade de tratamento deve ser entendido por tratar os iguais de forma igual, e os diferentes de maneiras diferente, respeitando cada

96 EUROPA, Tratado da União Europeia, 1992. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=

cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_2&format=PDF. Acesso em 24 maio de 2019.

97 EUROPA. Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia, 2012. Disponível em: https://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012P/TXT&from=PT. Acesso em 23 de maio de 2019.

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especificidade99. Em suas palavras, o autor faz uma ressalva: It does not, however, dictate any particular substantive result, and can be met whether people are treated equally badly or equally well.100

Por oportuno, devemos ainda considerar que Habermas salientou oportunamente as tragédias que um nacionalismo exacerbado pode causar, vide os desmandos engendrados em Alemanha no passado. Esse nacionalismo incute no pensamento popular que, por compartilharem uma história em comum, além da língua e da cultura, são homogêneos, devendo assim permanecer. Configura-se como uma clara discriminação decorrente do excesso de nacionalismo e da refutação do que não é padrão, como pode ser facilmente notado em ambientes de trabalho, por exemplo.101

Desta feita, não se pode olvidar dos princípios universais, quais sejam, democracia e do respeito pelos direitos humanos, os quais se alinham plenamente com a igualdade de tratamento. Habermas pretendeu separar a noção de Estado e nação com o objetivo de definir uma identidade.102

Essa teoria do patriotismo constitucional não é uma abstração. Ela se consubstancia em fruto de intensos debates, cujos quais, lhe conferem validade. O que deve ser questionado nessa corrente, é qual a importância desse debate, sendo elencado os princípios universalmente aceitos, e assim possa o interlocutor ressignificar suas próprias opiniões. O filósofo entende que a integração dos cidadãos pertencentes a diferentes nações europeias, implica a construção um patriotismo supranacional e no Parecer do Conselho de Europa, consistindo em promover a integração dos migrantes no país de acolhimento103.

No tocante à síntese desses princípios basilares que sustentam tais premissas, Amy Gutmann, defende que o reconhecimento da intersubjetividade não pode levar em consideração sexo, raça ou procedência étnica. Assim aduz que todas são formas de ações,

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CRAIG, Paul. EU Administrative Law. Oxford. 2009. P. 545.

100 CRAIG, Paul. EU Administrative Law. Oxford. 2009. P. 545.

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GUTMANN, A. (Ed. ). Examining the Politics of Recognition. In: HABERMAS, Jürgen. A inclusão do

outro: estudos de teoria política.Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2004.

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HABERMAS Jürgen. (1992): Citizenship and national identity: some reflexions on the future of

Europe. Praxis International, n.12, 1992.

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HABERMAS Jürgen. (1992): Citizenship and national identity: some reflexions on the future of Europe.

práticas e visões peculiares do mundo que gozam de prestígio junto aos integrantes dos grupos desprivilegiados, ou que estão intimamente ligados a essas pessoas104.

Tais preceitos se aplicam aos estrangeiros residentes em outro país, que não somente aqueles que fixam residência, mas sobretudo os que vem em busca de novas oportunidades de trabalho. Ao se aplicar os conceitos apresentados por Gutmann e Habermas para a realidade da União Europeia, depreende-se que não está a se tratar apenas de uma exigência de igualdade de tratamento, mas da legítima defesa da integridade das formas de vida e tradições com as quais os membros de grupos discriminados possam identificar-se. 105

Ao se considerar a realidade europeia, pode-se inferir que o migrante pode, por vezes, não ser reconhecido como um cidadão europeu e assim ser tratado como não detentor de direitos isonômicos aos dos viventes originais de tal país, ocorrendo assim invariavelmente, processos discriminatórios. É evidente que essa concepção, preceitua a prática de se colocar os nacionais da União Europeia em coexistência de forma ordeira de pacífica, formando nessa comunidade supranacional, um ideário pautado nas liberdades individuais, na dignidade da pessoa humana, e em permanente cooperação106.

Os variados grupos étnicos e as culturas devem ser respeitados, no ímpeto de se dar eficácia à pluralidade que se consubstancia o bloco europeu. É bom lembrar que Habermas defende que isto não deve pautar-se na normatividade, mas através da,

[...] defesa dos contextos vitais e experiências partilhados intersubjetivamente, ‘nos quais a pessoa foi socializada [...] a identidade do indivíduo está entretecida com identidades coletivas e só pode estabilizar-se em uma rede cultural que está longe de poder ser adquirida como propriedade quanto a própria língua materna107. Nesse ínterim o referido autor nos remete à ideia de que é possível a coexistência pacífica de diferentes grupos, desde que se assegure direitos que extrapolam o individualismo,

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GUTMANN, 1994 apud HABERMAS, 2004, p. 240.

105 HABERMAS, 2004, p. 240.

106 GUTMANN, A. (Ed. ). Examining the Politics of Recognition. In: HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2004. 107

para se assegurar uma verdadeira integração e efetivação dos direitos, no caso, estabelecidos na União Europeia.

Apesar da existência de direitos positivados visando a não discriminação de estrangeiros na Europa, ela ainda persiste. Impossível existir verdadeira e completa integração que não tenha o seu mote de validade calçado na implementação de uma política que unifique, num ideário de verdadeira comunidade europeia, as diferenças entre as comunidades étnico-culturais locais, onde cada uma em seu espaço detém um ideário de postura considerada como padrão.108

Necessário considerar os efeitos causados na visão ético-política de uma nação, que ao se deparar com os processos migratórios, precisa sopesar o princípio da autodeterminação dos povos, que invariavelmente se contrapõe à noção de ampla liberdade migratória. O que vem ser questionado, é caso um cidadão de outro país membro se mude para outro, precisa, esquecer-se dos costumes de sua terra natal? Do mesmo modo, o país que o recebe, pode discrimina-lo em nome da mantença da pureza da cultura de tal lugar?109

Precisa-se avaliar e ponderar o anseio por processos de migração em contraponto à disponibilidade de acolhimento e aceitação. A integração dos povos de Europa precisa validar-se na postura moral de cada indivíduo, elevando o pensamento no sentido de colocar o direito à integração como inerente a todo cidadão europeu. Ao aprimorar o entendimento da questão, chegamos percepção de que o indivíduo acaba por se ajustar a essas nuances, e isso se perfaz totalmente coerente com a perspectiva orgânica da sociedade indivíduos são soberanos, mas como um todo orgânico, dividido em classes e funções regidas pelo princípio da universalidade.110

108 HABERMAS, 2004, p. 265

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GUTMANN, A. (Ed. ). Examining the Politics of Recognition. In: HABERMAS, Jürgen. A inclusão do

outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2004.

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GUTMANN, A. (Ed. ). Examining the Politics of Recognition. In: HABERMAS, Jürgen. A inclusão do

Na esfera dos estudos sociológicos, depreende-se a vida em sociedade como sendo algo orgânico, nas diversas interpelações entre si, e não como conjunto de indivíduos convivendo entre si nas sua subjetividade sensível e racional.111

Na análise de Rios, Algumas etnias estariam em desvantagem nesse processo migratório europeu, fato que ocorre, segundo ele, explicado por duas teorias: teoria do estigma e teoria da desvantagem dos grupos discriminados, onde as minorias geralmente ficam expostas a privações decorrentes das desigualdades sociais provocadas por esses fatos sociais discriminatórios.112

Na obra Crítica ao Direito do Trabalho, Supiot destaca a fraternidade como sendo não só legitimadora da igualdade, mas também da hierarquia, uma como fonte de inclusão e outra como exclusão. Desta feita, tem-se a fraternidade como vertedor de duas possibilidades: nobre sentimento de acolhimento, ou como fator excludente daqueles que não são descendentes da mesma origem, ou seja, os estrangeiros.113

A Fraternidade se consubstancia em um sentimento de pertencimento a determinada sociedade. Mesmo que aquele indivíduo isoladamente considerado, seja proveniente de outro país. Contudo ao mudar-se para nova localidade, com ânimo de permanência, ele acaba por integrar-se aos costumes do novo local. Assim ainda que fora de sua terra natal, ele é considerado sujeito de direitos e deveres, ao trabalhar, ao recolher ali seus impostos, etc.114

Nesse contexto, o processo de migração não pode ser simplesmente definido em termos de mobilidade, pois apesar de inicialmente parecer ser algo simples, a Europa se perfaz em palco atrativo de pessoas, que buscam outros Estados para trabalharem, e galgarem melhores condições de vida. As estatísticas confirmam essa explosão migratória não somente a nível do bloco europeu, mas como fenômeno mundial. Primordial portanto, políticas

111 RIDOLA, Paola. A dignidade humana e o “princípio liberdade” na cultura constitucional europeia.

Tradução Carlos Luiz Strapazzon e Tula Wesendonck. Coord. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2014.

112 RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta,indireta e ações afirmativas. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

113 SUPIOT, Alain. Crítica del derecho del trabajo. Tradução José Luis Gil y Gil. Espanha: Ministerio de

Trabajo y Asuntos Sociales, Subdirección General de Publicaciones, 1996.

114 SUPIOT, Alain. Crítica del derecho del trabajo. Tradução José Luis Gil y Gil. Espanha: Ministerio de

públicas sociais para o reconhecimento desse fenômeno e avanços para essas categoria de indivíduos.115

Esse movimento é contínuo e cada vez mais expressivo, notadamente de países menos abastados, para aqueles que concentram grande parte da riqueza mundial. Esse contingente de trabalhadores que chegam a esses Estados, obviamente criam uma certa hostilidade nos nacionais que lá residem desde o nascimento, pois invariavelmente acabam por se sentirem ameaçados. Assim busca-se, inconscientemente, mecanismos para se defender daquilo que é diferente de seu quotidiano. Percebe-se o não acolhimento pela sociedade local, olhares desconfiados pela vizinhança, e estigmas que adentram inclusive para o ambiente de trabalho, acadêmico, etc. Supiot, assevera que essas práticas se mostram retrógradas e não deveriam persistir em tempos hodiernos, haja vista a velocidade das transformações sociais na contemporaneidade, as quais o direito precisa acompanha-las na mesma velocidade.116

Conforme Honneth117 existem três formas básicas de ruptura nas relações de reconhecimento, mostrando que experiências de desrespeito, podem ensejar o engajamento dos indivíduos para a luta pela expansão de relações de reconhecimento, enfatizando as mazelas existentes nos arranjos sociais dessas comunidades. Os principais motivos ensejadores desse sentimento de não pertencimento de forma igualitária se materializam: a) pela convicção, preconceito ou estereótipo que acusam a nacionalidade divergente; b) a subjetividade muitas vezes preconceituosa que nega a si mesmo, o fato de ver o outro diferente, como um objeto indesejado. Assim essas atitudes negam o reconhecimento do outro como sujeito de direitos, gerando o que conhecemos como xenofobia, a discriminação do migrante, dentro do âmbito da União Europeia.118

Exemplo prático, pode ser reconhecido conforme Bragato, que discorre sobre o processo discriminatório que ocorre em França, para com as mulheres muçulmanas. Naquele país, entrou em vigor, legislação no sentido de proibir o uso das vestimentas típicas que tal

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GUTMANN, A. (Ed. ). Examining the Politics of Recognition. In:HABERMAS, Jürgen. A inclusão do

outro: estudos de teoria política. Tradução George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2004. 116 SUPIOT, Alain. Crítica del derecho del trabajo. Tradução José Luis Gil y Gil. Espanha: Ministerio de

Trabajo y Asuntos Sociales, Subdirección General de Publicaciones, 1996.

117 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora

34, 2003.

118 HONNETH, Axel. Reificación: un estudio en la teoria del reconocimiento. Buenos Aires: Katz Editores,

etnia faz uso, em locais públicos, a fim de não terem os rostos cobertos. Importante salientar o caráter da não generalidade de tal dispositivo legal, focando em nicho específico, em grande maioria, pessoas de origem de outros países, que ali residem. Assim, a mulher migrante de país da União Europeia, que professe o Islamismo, quando ingressar em França, seja para morar, trabalhar ou estudar, não poderá usar véu em locais públicos, sendo, flagrante exemplo de tratamento desigual, parcamente justificado pelo combate ao terrorismo.119

Outrossim, dentro da temática discriminatória, esse processo de afastamento do migrante, dos demais partícipes da sociedade do país de destino, dentro da União Europeia, enseja um enfoque diferenciado. Assim vislumbra-se a importância do reconhecimento do indivíduo, na comunidade a qual ele está inserido, defendida por Hegel e amplamente esmiuçada por Axel Honneth. Imperioso frisar a importância de que nacionais e migrantes estabeleçam reconhecimento recíproco, onde todos os integrantes da comunidade são, além de titulares de direitos, também merecedores de todo o respeito, porque os sujeitos só podem chegar a uma autorrelação prática quando aprendem a conceber, da perspectiva normativa de seus parceiros de interação, como seus destinatários sociais.120

Nesse ínterim, aparecem as disposições normativas da União Europeia quanto a não discriminação, no ímpeto de se estabelecer, mediante a coercibilidade estatal, que os sujeitos se reconheçam como merecedores de respeito, reciprocamente, assim possibilitando uma estabilização da subjetividade de toda a coletividade, e em última análise, a obtenção de um estágio mais avançado de convivência comunitária.121

Conforme Morin:

Em nosso mundo de homens [...] mais do que sonhar com a harmonia geral ou com o paraíso, devemos reconhecer a necessidade vital, social e ética de amizade, de afeição e de amor pelos seres humanos, os quais, sem isso, viveriam de hostilidade e de agressividade, tornando-se amargos ou perecendo.122

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BRAGATO, Fernanda Frizzo. Direitos humanos além da lógica formal do princípio da igualdade: uma leitura a partir do princípio da nãodiscriminação. In: Constituição, sistemas sociais e

hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 77-91.

120 HONNETH, 2003, p. 155. 121 HONNETH, 2003, p. 155-156. 122

Não obstante, haver uma eficiente rede de regramentos positivados, no âmbito da União Europeia, no sentido de minimizar as desigualdades de tratamento, é preciso reconhecer que o poder coercitivo dos dispositivos mandamentais, se consubstanciam apenas como parte da solução. A busca pela efetividade da igualdade de tratamento, necessita de um sólido engajamento de todo o sistema social. E nesse contexto, há atritos, divergências, diferenças e problemas à espera de uma mudança coletiva de atitude. O ser humano só pode dar o máximo de sua capacidade intelectual e produtiva, se tiver a base dos direitos fundamentais resguardada. Portanto, o respeito, o tratamento equânime, dentre outros, compõem a mola mestra e propulsora, na construção de uma comunidade supranacional realmente unificada, como a que se pretende galgar em Europa.

No documento A igualdade de tratamento no âmbito da UE (páginas 36-44)

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