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A igualdade de tratamento no âmbito da UE

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Academic year: 2021

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MESTRADO EM DIREITO

CIÊNCIAS JURÍDICO-ADMINISTRATIVAS

A Igualdade de tratamento no Âmbito da UE

Thiago Toncovitch

M

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direito administrativo dos Estados-membros. Por conta disso, buscar-se-á, neste feito, um melhor entendimento do que se tem denominado Direito Administrativo Europeu, no ímpeto de consubstanciar o mote referente à igualdade de tratamento, como princípio basilar. Diante deste cenário, é importante analisar o surgimento do bloco, seu contexto, além de outros direitos fundamentais que embasam sua existência, os quais se traduzem como alicerces estruturantes da razão da existência do próprio bloco. Nesse ínterim, será esmiuçado o Princípio da Igualdade de Tratamento, apresentando o seu conceito e as variáveis que comportam sua aplicação na praxis administrativista. Nesta oportunidade, verificaremos possíveis exceções e situações-limite. Posteriormente, será feita uma breve exposição do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, sobre o tema em epígrafe, através de apontamentos acerca de jurisprudências. Para tanto, o presente estudo, será desenvolvido através de uma revisão da bibliografia existente, leis, tratados, além de consulta jurisprudencial do egrégio tribunal em Europeu. Assim ter-se-á um arcabouço teórico consistente que permitirá uma crítica sobre as implicações do referido princípio nas relações tanto no âmbito do bloco como também no cenário interno português.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo Europeu. Direitos fundamentais da EU. Princípio da igualdade de tratamento. Tribunal de Justiça da União Europeia.

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European Administrative Law is the result of adding together the principles and rules common to the administrative law of the Member States. As a result, a better understanding of what has been called European Administrative Law will be sought in this effort, in order to consolidate the motto concerning equal treatment as a basic principle. Given this scenario, it is important to analyze the emergence of the bloc, its context, as well as other fundamental rights that underpin its existence, which are translated as structural foundations of the reason for the existence of the bloc itself. In the meantime, the Equality of Treatment Principle will be discussed, presenting its concept and the variables that imply its application in the administrativist praxis. In this opportunity, we will check possible exceptions and limit situations. Subsequently, a brief statement will be made of the understanding of the Court of Justice of the European Union, on the above subject, through notes on jurisprudence. To this end, the present study will be developed through a review of the existing bibliography, laws, treaties, and jurisprudential consultation of the high court in European. This will be a consistent theoretical framework that will allow a critique of the implications of this principle in relations both within the bloc as well as in the Portuguese internal scenario. KEYWORDS: Administrative Law. Fundamental Rights of the EU. Principle of Iqual Treatment. Court of Justice of the European Union.

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1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO ... 02

2 FORMAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA ... 05

2.1 Composição atual da estrutura jurídica da União Europeia. ... 08

2.1.1 Parlamento Europeu. ... 08

2.1.2 Conselho da União Europeia. ... 09

2.1.3 Comissão Europeia ... 09

2.1.4 Tribunal de Justiça ... 10

2.1.5 Tribunal de Contas ... 10

2.1.6 Banco Central ... 11

3 DIREITO COMUNITÁRIO, CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 12

4 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO INTERNO. ... 16

5 CONSTRUINDO A IGUALDADE DE TRATAMENTO ... 19

5.1 A noção do Princípio da Igualdade. ... 19

5.2 Diferenças e paralelos entre liberdade e igualdade ... 26

5.3 A discriminação direta, indireta e oculta ... 27

5.4 A importancia da Declaração Universal dos Direitos Humanos na perspectiva da igualdade de tratamento ... 29

5.5 Igualdade de tratamento ... 30

5.6 A igualdade de tratamento no âmbito da União Europeia ... 32

5.7 Do direito comparado. ... 40

6 IGUALDADE DE TRATAMENTO E O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ... 43

7 ANÁLISE PRÁTICA ... 45

7.1 Acórdão no processo C-366/99. ... 45

CONCLUSÃO. ... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ... 49

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INTRODUÇÃO

Para um correto entendimento nesse tema de primordial importância, imperioso que se clarifique os conceitos do denominado Direito Administrativo Europeu, especialmente seus princípios norteadores. Diante deste cenário, é importante analisar o surgimento dos direitos fundamentais da União Europeia, que se revestem de base de sustentação da própria existência do bloco.

As consequências que as duas grandes guerras mundiais trouxeram para o mundo, em especial para o continente europeu, impulsionaram a importância de se refletir sobre conceitos e direitos inalienáveis, que devem subsistir haja o que houver. Nesse ínterim, ocorreram o surgimento da Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sempre no sentido de evitar a qualquer custo, que as futuras gerações experimentassem o gosto amargo do verdadeiro ergástulo que a guerra impõe aos que nela sucumbem.

Assim o presente estudo permeou o processo histórico-formador da União Europeia, além de conceituar os organismos que a compõem, apresentando os pontos mais relevantes. O processo de integração da comunidade europeia se caracteriza como uma experiência única no mundo, no estágio em que se encontra na contemporaneidade.

A livre circulação de mercadorias e de pessoas, são um impulso econômico para a alavancagem de todos os países do bloco. Nesse sentido apresenta-se de forma resumida os tratados que embalaram a paulatina e gradual formação e ensejaram hoje o que se conhece como direito comunitário, de caráter supranacional, decorrente da soma de parcela da soberania de cada país, que para adentrar ao bloco abriu mal de tal parcela, em prol de um bem maior.

Imperioso nesse sentido, que se observe os anseios e os medos que decorrem diretamente desse processo integrador. Os processos discriminatórios são uma realidade, quando da miscigenação de tantas culturas, que mesclam seus costumes, e que se faz necessário um respeito à subjetividade alheia, entender o outro como diferente, mas também como detentor de direitos e obrigações, demostrando claramente que a igualdade é o mote referencial do tratamento governamental para com todos os administrados.

Neste ínterim, busca-se evidenciar o Princípio da Igualdade de Tratamento, apresentando o seu conceito, remontando às dogmáticas históricas que permearam nossa

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existência enquanto sociedade, desde a Grécia antiga, passando pelos ideários iluministas e advindos da revolução francesa, e adentrando nos conceitos modernos do Estado de bem-estar social. Todas essas temáticas são importantes para que se tenha a real dimensão de como a igualdade está intimamente ligada ao conceito de liberdade, ambas consubstanciam o alicerce da busca pela paz e harmonia na convivência do homem em sociedade.

Destarte essas alusões, adentra-se no íntimo do cenário europeu e visualiza-se como se dá as tratativas para efetivação da igualdade de tratamento. Ademais, almeja-se explanar breves comentários acerca do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, através de uma análise prática de jurisprudências e os direcionamentos assumidos por esta corte.

Em suma, é preciso relacionar as variáveis que cercam o tema, já que é cabal o entendimento da universalidade dos Direitos Humanos, seja qual for a procedência do indivíduo. Contudo os interesses que culminaram na formação da União Europeia enveredam-se substancialmente para o viés económico da vida em sociedade, e com o instinto de proteger-se das intempéries macroeconómicas que sazonalmente aparecem, pondo em risco a hegemonia do bloco hodiernamente consolidada, algumas barreiras para os não partícipes foram impostas, portanto podendo nesta seara haver uma necessidade de sopesar direitos e interesses em vetores colidentes, objetivando a maximização do bem estar de milhões de europeus que vivem sob a égide comunitária.

1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Preliminarmente para um correto entendimento do tema, que se reveste de profundidade jurídica interessantíssima, é preciso realizar uma breve análise acerca dos princípios fundamentais de Direito Administrativo, bem como, posteriormente, propor reflexões sobre como os princípios da União Europeia são essenciais para o estudo e prática administrativista e, introduzindo cá os direitos de igualdade de tratamento.

Inicialmente, é sabido que os princípios gerais de direito possuem uma relevância primordial e um papel de orientação na interpretação, além da aplicação das normas jurídicas, e, também, no preenchimento de lacunas existentes.1

1

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Nas palavras de Maria Luísa Duarte2, o Direito Administrativo Europeu designa o tronco comum da árvore europeia de regulação jus administrativa, e, também, é formado pela soma dos princípios e regras comuns ao direito administrativo dos Estados-membros.

De especial interesse para o Direito é a distinção da igualdade perante a norma e na norma. No primeiro caso, tem-se tratamento igual, se o paradigma é respeitado imparcialmente, pelo aplicador (quer dizer, a própria norma é o parâmetro de igualdade, efetivamente atuado).

O segundo é mais problemático: será possível determinar se uma norma é, em si, igualitária? O tema é exemplo do influxo omnipresente de ARISTÓTELES3, que concebeu os seguintes significados; (a) igualdade numérica ou absoluta (tudo igual para todos): seria a distribuição de benefícios e ônus, em partes idênticas, a todos, criticável do ponto de vista da impossibilidade de verificação.

Não há notícia de Sociedade que não tenha efetuado alguma espécie de discriminação (nem de normas que assim não procedam: portanto, toda regra de distribuição seria desigual). Mas esta concepção tem alguma relação com a promessa feita nas declarações de direitos fundamentais, que, pelo menos em aparência, os distribuiriam equanimemente a todos;

(b) igualdade proporcional (ou proporcional-quantitativa: a cada qual e de cada qual segundo certas características de grau variável)4: é a atribuição de benefícios maiores aos mais necessitados e ônus progressivos aos mais aquinhoados. A aplicação deste princípio depende da existência de uma regra de distribuição, cujo critério de materialização mais ou menos intensa a determine. Mas, neste caso, toda norma geral seria igualitária, por conter na hipótese elemento descritivo que serve de pauta à intensidade da distribuição.

2 DUARTE, Maria Luísa; Direito Administrativo da União Europeia; Ed. Coimbra; 2008; p.14

3 No primeiro caso, tem-se tratamento igual se o paradigma é respeitado, imparcialmente, pelo aplicador (quer

dizer, a própria norma é o parâmetro de igualdade, efetivamente atuado). O segundo é mais problemático: será possível determinar se uma norma é, em si, igualitária? O tema é exemplo do influxo omnipresente de ARISTÓTELES, que concebeu os seguintes significados.

4 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, p. 324: “Da justiça particular e do que é justo no sentido correspondente,

(a) uma espécie é a que se manifesta nas distribuições de honras, de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição (pois aí é possível receber um quinhão igual ou desigual ao de um outro); e (b) outra espécie é aquela que desempenha um papel corretivo nas transações entre indivíduos.”

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Com isso, entende-se que os princípios fundamentais de direito devem ser aplicados, uma vez que possuem caráter de normatividade principialista5. É possível afirmar a existência de uma longa lista, não taxativa, dos princípios gerais de direito administrativo europeu, dos quais, a título de exemplo, e destaca-se: princípio da proporcionalidade, princípio da igualdade, princípio da imparcialidade, princípio da equidade, dentre outros.

Ademais, nas palavras da autora Maria Luísa Duarte:

O Direito Administrativo da União Europeia corresponde ao conjunto de princípios e regras que regulam o exercício da função específica de execução administrativa das normas previstas nos tratados institutivos ou adoptadas em sua aplicação.6

Com efeito, é interessante acrescentar uma pequena alusão ao direito brasileiro, que, nas palavras da autora Maria Sylvia Di Pietro, o Direito Administrativo, como ramo autônomo, nasceu por volta dos séculos XVIII e XIX, mas, sem significar que não existiam anteriormente normas administrativas. Ou seja, havia normas relativas ao funcionamento da Administração Pública, e, não um ramo do direito baseado em princípios.7

A autora supramencionada ensina, que, o Direito Administrativo surgiu juntamente com o Direito Constitucional, na fase do Estado Moderno, com o desenvolvimento do conceito de Estado de Direito, estruturado a partir do princípio da legalidade e da separação dos poderes. E, comenta, também, que o surgimento do direito administrativo foi fruto das Revoluções, as quais deram fim ao regime da Idade Média.8

A respeito deste assunto, comenta J. M. Sérvulo Correia, que após desencadeada a Revolução Francesa, criou-se condições para um paulatino aparecimento de um sistema administrativo.9

Nesta mesma seara, o ilustre autor Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

Se, na conformidade do exposto, o Direito Administrativo coincide com o conjunto de normas (princípios e regras) que têm o sobredito objeto, ter-se-ia de concluir, logicamente, que a "Ciência do Direito

5

DE SOUSA, António Francisco; Direito Administrativo Europeu; Ed. Vida Económica; 2016; p. 165, ref.95.

6 DUARTE, Maria Luísa; Direito Administrativo da União Europeia; Ed. Coimbra; 2008; p.17. 7 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. Atlas l 2012. p. 19.

8 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. Atlas l 2012. p. 20. 9

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Administrativo" consideraria como pertinente à sua esfera temática a integralidade de tudo o que estivesse compreendido na função administrativa. Sem embargo, não é isto que ocorre.10

Além disso, o ilustre autor Hely Lopes Meireles comenta que o impulso para a formação do Direito Administrativo, foi a teoria da separação dos poderes, e, seu comentário merece a cópia na íntegra:

O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela teoria da separação dos Poderes desenvolvida por Montesquieu, L'Esprit des Lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito. Até então, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mãos do Soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem a reconhecer direitos aos súditos, em oposição às ordens do Príncipe. Dominava a vontade onipotente do Monarca, cristalizada na máxima romana "quod principi placuit legis habet vigorem", e subsequentemente na expressão egocentrista de Luís XIV: "L'État c' est moi”.11

Os princípios gerais de direito administrativos não podem ser compreendidos como fontes de aplicação voluntárias, ou seja, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, esses princípios são uma emanação do direito positivo, cuja unidade demonstram e racionalizam.12

2 FORMAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA

Com efeito, a União Europeia é entendida como o mais bem acabado modelo de integração regional da atualidade. Aqui temos o único bloco a ter avançado no sentido de estabelecer uma união económica e monetária e de firmar as bases de uma integração ainda mais profunda, evidenciadas pelo arcabouço institucional construído, que inclui órgãos supranacionais, pela existência de um direito comunitário.

A história dos direitos fundamentais em alcance mundial surge enfaticamente após o fim da II Guerra Mundial, período no qual ficou evidenciada a necessidade de uma legislação que compilasse, além do alcance territorial restrito de cada Estado, em nível internacional, direitos a fim coibir atrocidades ante cometidas nos conflitos mundiais. Incorporado seus ditamos pela Convenção Europeia dos Direitos dos Humanos, em 04 de novembro de 1950, instituiu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. E foi justamente entre a I e a II Guerra

10 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros l 2011. p. 36. 11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros l 1998. p. 45.

12

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Mundial que se registrou as primeiras propostas efetivas de integração europeia, que culminaram com o BENELUX, bloco formado por Bélgica, Holanda e Luxemburgo em 1944, que estabeleceu uma zona de livre comércio e uma união aduaneira entre os três Estados.13

Em 1949, foi criado o Conselho da Europa, organismo internacional que reunia os Estados europeus com auspícios de fomentar a cooperação no continente e evitar novos conflitos armados e que hodiernamente busca a promoção da democracia e a proteção dos direitos humanos e do Estado de Direito.14

O Tratado de Paris celebrado em 1951 foi o responsáel pela criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) que, com o intuito de administrar a produção de carvão e de aço a fim de evitar danos à então combalida economia europeia, criou assim uma autoridade supranacional para controlar as atividades económicas que envolviam os dois produtos. Cumpre salientar que a referida autoridade tinha competência para obrigar os Estados a seguirem as decisões tomadas pela maioria dos membros da Comunidade. Assim a CECA foi, para Carlos Roberto Husek:

O passo mais significativo para a Comunidade Europeia, porque os Estados iriam abdicando de uma parte de sua soberania para a instituição comunitária e criando bases comuns de desenvolvimento para diversos setores económicos.15

Faziam parte da CECA a Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo. Posteriormente foi assinado o Tratado de Roma em 1957, cuja denominação oficial foi modificada para "Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia". Assim criou-se a Comunidade Económica Europeia (CEE), com o objetivo de formar um mercado comum europeu, tendo como membros iniciais apenas a Alemanha, a Bélgica, a França, a Holanda, a Itália e Luxemburgo. Importante também nessa esteira da cooperação entre os paises europeus, o surgimento da Comunidade Europeia de Energia Atômica (CEEA ou EURATOM), ampliando a cooperação para a área nuclear, visando seu emprego para fins pacíficos.16

13 KRIEGER, César Amorin. Direito Internacional Humanitário. p. 74. 14 KRIEGER, César Amorin. Direito Internacional Humanitário. p. 75.

15 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público, 14a Ed. 2017, p. 136. 16

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A partir dos anos 60, as instituições europeias começaram a unificar-se sobre a bandeira da CEE, e foi criada a Comissão Europeia, mais alta autoridade do bloco europeu. Em 1986, um importante ato promoveu a primeira mudança importante dos tratados do bloco integracionista europeu e lançou as bases para a futura união económica e monetária. Essa série de procedimentos culminou com a criação da União Europeia (UE), por meio do Tratado de Maastricht17, firmado em 1992 e que entrou em vigor a partir de 1993, tendo sido alterado pelo Tratado de Amesterdão18, em 1997, e pelo Tratado de Nice19, de 2001. Em Lisboa no dia 01 de dezembro de 2009, entrou em vigor um tratado, que apareceu como alternativa à rejeição do projeto de Constituição Europeia e que veio a atualizar os principais tratados do bloco, sem substituí-los, razão pela qual é também chamado de "Tratado Reformador". O Tratado de Lisboa20 abarca, portanto, o Tratado da União Europeia (originariamente Tratado de Maastricht, de 1992) e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A União Europeia possui vinte e oito Estados membros nos dias atuais, que são os seguintes: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Romênia e Suécia.21

São candidatos a entrar como membros da EU os seguintes países: Croácia, Islândia, Macedonia, Montenegro, Turquia, Albania, Bosnia e Herzegovina, Sérvia e Kosovo. Não olvidando-se da Associação Europeia de Livre Comércio, abrangendo a Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Acrescente-se que tais Estados mantêm relações económicas e jurídicas com a UE, o que também ocorre com os chamados microestados: Andorra, Mónaco, San Marino e o Vaticano, incluindo o uso do Euro.22

17 EUROPA. Tratado de Maastricht, 1992. Disponível em:

https://europa.eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/treaty_on_european_union_pt.pdf. Acesso em 20 de abril 2019.

18 EUROPA. Tratado de Amesterdão, 1997. Disponível em:

https://europa.eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/treaty_of_amsterdam_pt.pdf. Acesso em 20 de abril 2019.

19 EUROPA. Tratado de Nice, 2001. Disponível em:

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:12001C/TXT. Acesso em 20 de abril 2019.

20 EUROPA. Tratado de Lisboa, 2009. Disponível em:

https://www.parlamento.pt/europa/Documents/Tratado_Versao_Consolidada.pdf. Acesso em 19 de abril 2019.

21 DE MUNTER, André. O alargamento da União. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/167/o-alargamento-da-uniao. Acesso em: 21 abr. 2019.

22 DE MUNTER, André. O alargamento da União. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

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2.1 Composição Atual da Estrutura Jurídica da União Europeia

Diversos são os órgãos componentes da estrutura jurídica da União Europeia e que juntas materializam a própria noção de comunidade. Importante conhecê-las e o papel que desempenham para a efetivação dos objetivos do bloco.

Entre os vários organismos criados ou resultantes dos Tratados, cinco podem ser designados de instituições: Comissão, Conselho, Parlamento, Tribunal de Justiça da União Europeia e Tribunal de Contas.23

2.1.1 Parlamento Europeu

A sede do Parlamento Europeu pode ser encontrada em França, Bélgica ou Luxemburgo. O parlamento Europeu compõe-se de representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade, exercendo os poderes (competências) a ales atribuídos.24

Ele possui três papéis principais, a saber: Compartilhar com o Conselho, o poder legislativo; exercitar o controle democrático de todas as instituições da União Europeia, e em especial da Comissão. Possui autonomia para aprovar ou rejeitar as indicações comissários e direito a censurar a Comissão no conjunto.25

Assim, juntamente com o Conselho, a Autoridade orçamentária da UE influir no gasto da União26. Importante salientar que apesar do nome da instituição, ela não possui as prerrogativas comuns conferidas às Assembleias Nacionais e, ainda que represente os povos dos Estados-Membros, também não lhe é conferida função legislativa enquanto expressão dos sentimentos dos cidadãos europeus, embora seu funcionamento seja bastante parecido a esses órgãos.

23 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/5/o-tratado-de-lisboa. Acesso em: 14 abr. 2019.

24

BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 593.

25 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/5/o-tratado-de-lisboa. Acesso em: 14 abr. 2019.

26 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

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2.1.2 Conselho da União Europeia

Esse conselho se consubstancia como sendo a principal instância decisória da UE. Como o Parlamento, foi criado pelos Tratados fundamentais nos anos iniciais do bloco. Representa os Estados Membros em suas reuniões, participa um ministro de cada um dos governos nacionais da EU.27

Verifica-se nesse ínterim, o que depreende-se como órgão intergovernamental. Nesse âmbito, ocorre a conciliação entre os interesses individuais dos Estados Membros e o interesse da organização supranacional. Não se trata, porém, de mero centro de debates com o confronto de políticas ou de interesses nacionais, mas se apresenta como legítimo órgão comunitário animado na busca dos anseios integrativos. Por tal razão, muitos conferem ao Conselho a natureza de órgão governamental e órgão comunitário.28

2.1.3 Comissão Europeia

A Comissão Europeia é uma instituição politicamente independente que representa e defende os interesses da UE. Propõe a legislação, as políticas e os programas de ação e é responsável de aplicar as decisões do Parlamento e do Conselho.29

Nas palavras de Stelzer:

O principal objetivo a Comissão está em garantir o respeito absoluto de todas as normas das Comunidades e dos princípios que lhe são concernentes. Funciona, portanto, como verdadeira guardiã da ordem jurídica comunitária.30

27 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/5/o-tratado-de-lisboa. Acesso em: 14 abr. 2019.

28 STELZER, Joana. União Europeia e Supranacionalidade: Desafio ou Realidade? p. 49 29PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/5/o-tratado-de-lisboa. Acesso em: 14 abr. 2019.

30

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Depreende-se com essa explanação em epígrafe, a independência desse orgão, para salvaguardar a ordem institucional, consubstanciado no fato que a comissão responde politicamente apenas perante o Parlamento, e deve submeter um relatório anual.

2.1.4 Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça apresenta-se no ímpeto de resolver os conflitos legais entre os Estados membros, instituições da união, empresas e particulares, pois,

[...] com a criação das Comunidades, nasceu um novo direito, autônomo, destinado a regular as relações não somente entre os Estados-Membros, como ainda, entre suas instituições, empresas e os próprios cidadãos.31

Sua composição se perfaz por um juiz de cada Estado Membro e oito advogados gerais, onde devem agir com imparcialidade sobre os casos a serem analisados pelo egrégio Tribunal.32 Não existe hierarquia entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e a justiça doméstica de cada país, não tendo a pecha de mera esfera recursal dos tribunais nacionais, nem tampouco pode anular as decisões dos referidos tribunais locais.

Esses juízes e advogados geralmente são antigos membros dos mais altos Tribunais Nacionais ou advogados altamente competentes com todas as garantias de imparcialidade. São nomeados por seis anos, e podem ser reeleitos durante um ou dois períodos de três anos.

2.1.5 Tribunal de Contas

Sua principal atribuição é a de comprovar que o orçamento comunitário se executa corretamente, e dizer, que os gastos da UE são legais e claros e assegurar uma gestão financeira sadia. Para fazer cumprir suas incumbências, o Tribunal pode investigar a documentação de qualquer organização que administre receita ou execute gastos da União.33

31 STELZER, Joana. União Europeia e Supranacionalidade: Desafio ou Realidade? p. 63. 32 Comissão Europeia. El funcionamiento de la Uniõn Europea. p. 25.

33 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

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2.1.6 Banco Central

Em face da existência de uma moeda única, o Euro, desde janeiro de 2002, foi imprescindível a criação de um Banco Central Europeu, o qual tem a precípua função de introduzir e administrar a nova moeda, efetuar operações com moedas estrangeiras e garantir o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos, bem como fixar as grandes linhas de políticas cambiais e creditícias, executando a política econômica e monetária da união.

Ainda existem outras atribuições ao Banco Central Europeu, nas palavras e Dario Paternoster:

[...] O Tratado sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) (em vigor desde setembro de 2012) instituiu o MEE enquanto instituição financeira internacional e atribuiu ao BCE funções — fundamentalmente de avaliação e análise — relativamente à concessão de assistência financeira. Nos termos dos regulamentos de base do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), que é responsável pela supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia, o BCE assegura o Secretariado do CERS, que presta apoio analítico, estatístico, logístico e administrativo. O Presidente do BCE é também o Presidente do CERS. O BCE tem um papel consultivo na avaliação dos planos de resolução de instituições de crédito, nos termos da Diretiva «Recuperação e Resolução Bancárias» (DRRB) e do Regulamento «Mecanismo Único de Resolução» (RMUR). No âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), o BCE avalia se uma instituição de crédito está, ou é suscetível de vir a estar em situação de colapso e informa desse facto a Comissão Europeia e o Conselho Único de Resolução. As autoridades de resolução serão responsáveis por decidir sobre as medidas de resolução adequadas. O Conselho Único de Resolução é o órgão central de decisão do Mecanismo Único de Resolução. A sua missão é assegurar que as instituições de crédito e outras entidades abrangidas no âmbito das suas competências que estejam confrontadas com dificuldades graves sejam resolvidas eficazmente e com custos

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mínimos para os contribuintes e para a economia. Está plenamente operacional desde janeiro de 2016.34

Evidente que esse órgão trabalha como total independência e as instituições da UE e os governos dos Estados membros devem respeitar este princípio e não devem tentar influenciar no Banco Central Europeu.35

3 DIREITO COMUNITÁRIO E CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os mecanismos de integração regional encontram-se em diversos estágios de desenvolvimento, variando de meras zonas de livre comércio a arranjos que configuram uma integração política mais aprofunda, dentro da qual são formuladas e executadas políticas econômicas, de defesa e de relações exteriores comuns a seus membros. Um ponto relevante que o tema apresenta consiste no florescimento do Direito Comunitário, ramo do Direito criado pelos Estados que integram o bloco regional e, portanto, elaborado no âmbito internacional, mas com peculiaridades que impõem sua imediata aplicabilidade dentro dos Estados e sua primazia sobre o Direito interno.

Para que um País possa adentrar à União Europeia precisará observar os regramentos contidos no artigo 49 do Tratado de Lisboa36 que é franqueada a qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no artigo 2º do referido tratado e que esteja de fato disposto a promovê-los.

ARTIGO 2.º A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a

34 PATERNOSTER, Dario. Banco Central Europeu (BCE). [S. l.], 05 2019. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/13/banco-central-europeu-bce-. Acesso em: 14 abr. 2019.

35 PANIZZA, Roberta. O Tratado de Lisboa. [S. l.], 10 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/5/o-tratado-de-lisboa. Acesso em: 14 abr. 2019.

36 Tratado de Lisboa, 13 dez. 2007. p.53 Disponível em:

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não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.

Husek aduz que o regionalismo consiste em uma forma de união entre os Estados para defender seus interesses e para abrir novas oportunidades a seus nacionais em diversas áreas. O autor acrescenta, citando Octávio Lanni, que a integração regional proporciona a criação de espaços econômicos mais amplos, criando condições mais propícias para o desenvolvimento das atividades produtivas.37

Por fim, Bregalda afirma que num mundo globalizado, os Estados tendem a se unir em blocos regionais para a defesa de seus interesses, propiciando novas oportunidades para seus nacionais.38

O Direito Comunitário surge no contexto europeu caracterizando-se por estar associado a supranacionalidade, ou seja, condicionado à existência de entidades que se encontram em posição de primazia frente aos Estados soberanos, pelo menos em certos aspectos, e de normas que prevalecem frente aos ordenamentos internos dos estados associados.

Aqui temos a pujança de um modelo avançado de flexibilização da soberania estatal, por meio do qual os Estados delegam certas competências soberanas a órgãos e instituições supranacionais, que contam com poderes para aplicar suas decisões sobre os entes estatais, os quais, por sua vez, obrigam-se a respeitar as determinações impostas.39

O Direito Comunitário não é um mero Aglomerado de tratativas entre Estados nacionais, nem um simples apêndice das ordens jurídicas nacionais.40 Por óbvio que parte do cerne da existência comunitária advém da celebração de tratados pelos entes estatais. Entretanto, esse novo ordenamento supranacional, também abrange as deliberações de outros órgãos, criados pelos Estados, porém autônomos em relação aos Estados individualmente considerados. Com isso, podemos afirmar que o Direito Comunitário é um sistema criado pelos Estados, mas que se torna independente destes, respaldados sempre no princípio da

37

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público, p. 128.

38 BREGALDA, Gustavo. Direito internacional público e direito internacional privado, p. 120.

39 Para um exame detido do conceito de supranacionalidade: MACHADO, Diego Pereira; DEL'OLMO, Florisbal

de Souza. Direito da integração, direito comunitário, Mercosul e União Europeia, p. 149-152.

40

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integração, que para Fernando Herren Aguillar, consiste no fato que em matérias específicas, os Estados se curvam à competência decisória do órgão comunitário41.

Assim, para se entender a profundidade da aplicação dos direitos fundamentais no âmbito União Europeia , deve-se caracterizá-los como parte do pilar alicerçante do patamar civilizatório, que o atual estágio de desenvolvimento europeu econtra-se, com aplicação supraestatal de tais institutos, ou seja, constituem a base de toda a aplicação do direito na União Europeia. Os valores elencados no artigo 2º do Tratado de Lisboa são os valores fundamentais da União, que compreendem o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes às minorias. O artigo 2º do Tratado de Lisboa ressalta que:

Estes valores são comuns aos Estados Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.42

Importante destacar que junto destes princípios fundamentais temos o papel dos princípios comunitários como sendo também de alta relevância para entendimento completo, já que são eles que vitalizam o bloco. Identificados na doutrina uma forma bastante segura para explaná-los, assim sob a ótica de José Souto Maior Borges temos:

A. Princípio da Subsidiariedade.

Concede autonomia aos Estados membros, já que tem-se a concretização da união dos Estados, mas não há o sacrifício de suas identidades, devendo a comunidade atuar subsidiariamente ao Direito intraestadual43;

B. Princípio da Competência por Atribuição

Por este principio depreende-se que o bloco apenas deve exercer suas funções nos limites de suas atribuições, conforme instituídas pelos tratados estatuídos44;

41 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional ao direito supranacional, p. 384. 42Tratado de Lisboa, 13 dez. 2007. p.18 Disponível em: <https://www.parlamento.pt/europa/Documents

/Tratado_Versao_Consolidada.pdf >. Acesso em 23 de maio de 2019.

43

(19)

C. Princípio da Proporcionalidade

Aqui já se preceitua que as tividades da comunidade não devem ultrapassar os meios estritamente necessários para alcançar o seu objetivo45;

D. Princípio da Coesão

Princípio pelo qual busca-se continuamente a coesão económica e social no bloco, sempre no intento de minimizar possíveis impactos negativos de crises46;

E. Princípio da Lealdade

Aqui os Estados-membros da comunidade devem observar a boa-fé diante dos compromissos legalmente assumidos47;

F. Princípio da Igualdade

Por esta vertente entende-se que as relações entre as pessoas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado e entre umas e outras devem pactuar-se pela igualdade. A premissa é da integração cada vez maior, e não da dicotomia entre o Direito comunitário e os Direitos nacionais, embora os Estados-membros conservem sua personalidade jurídica internacional48;

G. Princípio da Democracia

Este princípio vem reforçar o caráter democrático das instituições. Decisões tomadas com abertura e ampla divulgação, para que todos os cidadãos europeus possam delas ter consciência49;

H. Princípio da Supranacionalidade

44 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 45

BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379.

46 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 47 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 48 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 49

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Aqui vemos nitidamente a primazia do direito comunitário sobre o direito interno50;

I. Princípio da Preservação do Acervo Comunitário

De acordo com o disposto no art. 2º-B do Tratado, a União buscará continuamente o progresso económico e social e além de sempre tomar medidas que visem o pleno emprego de forma a garantir um desenvolvimento equilibrado e sustentável, cimentando sua força perante a comunidade internacional. Nesse ínterim, deve reforçar a proteção dos direitos fundamentais dos habitantes de todos os Estados que a compõem, mantendo a União como sendo um espaço de liberdade, segurança e justiça, de forma a conservar integralmente o acervo comunitário e desenvolvê-lo.

As conquistas de todos os tratados em vigor, valerão e integrarão o conjunto de direitos e obrigações incluisve para os novos Estados que ingressarem na comunidade51;

4 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO INTERNO

Importante aqui destacar que para além dos meios supranacionais de proteção a direitos fundamentais, vislumbramos a íntima ligação com o sistema interno que visa manter por meio da carta magna total alinhamento com esses preceitos.

Bonavides salienta que são duas as premissas formais utilizadas por Carl Schmitt a fim de se conceituar direitos fundamentais, quais sejam, primeiramente o fato de tais direitos estarem positivados no corpo constitucional, e ainda aqueles que dentro do texto da lei maior, ainda detém um status mais elevado, com por exemplo, cláusulas que vedam sua alteração, mitigando a possiblidade de retrocessos.52

Desta feita, verificamos a estruturação dos Direitos Fundamentais no plano fático, quando eles são devidamente inseridos no ordenamento jurídico, especificamente na constituição de um Estado. Miranda oportunamente aduz que não existe Direitos Fundamentais caso não seja reconhecido que as pessoas vêm à frente dos interesses do

50 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 51 BORGES, José Jorge Souto Maior. Curso de direito comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 347-379. 52 BONAVIDES, Paulo. A nova universalidade dos Direitos Fundamentais. Nomos – Revista

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governo. Portanto incompatível a existência de Estados Totalitários com Direitos Fundamentais. Impossível que existam e sejam efetivamente aplicados, quando a população fica apartada do poder decisório regedor de uma nação, ou ainda segregadas em discriminações raciais, étnicas ou económicas. E na mesma esteira de raciocínio, não tem como imaginar Direitos Fundamentais sem um Estado constituído, ou no mínimo com uma comunidade política devidamente organizada. Necessário olhar para os acontecimentos históricos para que não se cometa os mesmos erros no futuro.53

Assim dentro do conceito de Estado de Direito (art. 2º da Constituição da República Portuguesa), entende-se que a gestão e execução das atividades estatais desenvolvem-se com poderes limitados, em contraposição à retrógrada noção de Estados absolutistas de outrora. Tal caracterização do Estado de Direito resulta em três posições: a submissão dos governantes e dos cidadãos ao império da lei; a separação de poderes; e a garantia dos direitos fundamentais.54

Direitos fundamentais (assim como os direitos humanos) são tradicionalmente atribuídos à humanidade em geral, já consubstanciados em cartas e tratados internacionais, tendo como seu expoente principal a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de 1948, a qual será vista com maior afinco, em tópico posterior.

Portugal por sua vez, traz junto ao início de sua magna carta na Parte I, a disposição acerca dos Direitos e Garantias Fundamentais. Com relação ao princípio da igualdade, temos a descrição constitucional in verbis:

Artigo 13.º 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.55

53 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. 35 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2006.

55 PORTUGAL; Constituição da República Portuguesa, 1974. Disponível em

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Evidente que tal matéria apresenta positivação específica dentro do sistema normativo de cada país, respeitadas as suas idiossincrasias culturais e sociais.

Em outras palavras, em um primeiro momento, diversos tribunais – sobretudo Itália e Alemanha, confrontavam os atos jurídicos da União Europeia, pelos seus direitos fundamentais internos. Após, em um segundo momento, levando em consideração o cenário exposto, desenvolveu-se, assim, uma cooperação de proteção jurídico-fundamental entre a jurisprudência dos tribunais dos Estados-Membros, com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.56

Apenas à título de ilustração, a Carta de Direitos Fundamentais57 (CDF) foi a responsável por positivar, com clareza e objetividade, a aplicação e interpretação uniforme dos Direitos Fundamentais, no espaço da União Europeia. Além da CDF, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), ratifica por toda a União Europeia, admitindo os direitos fundamentais, como princípios

gerais de aplicação obrigatória, conforme afirma o art. 6°, n° 3, do TUE: Do direito da

União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros.

Neste contexto, deparamo-nos com a latente uniformização dos princípios fundamentais, a serem regidos pela jurisprudências do TJUE, bem como, em cada Estado-Membro, em suas decisões internas.

Em função disso, o ilustre Professor Doutor António Francisco de Sousa, comenta que existe uma diferença entre os direitos fundamentais e as liberdades fundamentais, uma vez que, as liberdades possuem um significado especificado nos artigos 28 a 66 do TFUE. Basicamente, as liberdades buscam assegurar a prática de uma igualdade de tratamento.58

56

DE SOUSA, António Francisco; Direito Administrativo Europeu; Ed. Vida Económica; 2016; p. 133.

57 EUROPA. Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia, 2012. Disponível em:

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012P/TXT&from=PT. Acesso em 23 de maio de 2019.

58

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Além disso, é imprescindível apontar a existência da primazia da aplicação do direito da União, ou seja, sem a primazia de aplicação do direito superior da União, não seria alcançável a uniformização efetiva do mesmo.59

5 CONSTRUINDO A IGUALDADE DE TRATAMENTO

A noção de igualdade de tratamento deve ser aplicada uniformemente em todos os Estados que estejam sob a égide de um Direito Comunitário, e os ordenamentos internos dos entes estatais devem se moldar às suas diretrizes, deixando toda sistemática jurídica do bloco operando de forma harmônica. Depreende-se que esse preceito pode se referir também ao princípio da harmonização, mencionado por Bruno Pereira, pelo qual se admite a coexistência do Direito interno com o Direito Comunitário, desde que compatível com este.60

5.1 A Noção do Princípio da Igualdade.

Igualdade é a inexistência de desvios ou incongruências sob determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos comparados, sejam objetos, indivíduos, ideias, conceitos ou quaisquer coisas que permitam que seja feita uma comparação. Especificamente em Política, o conceito de Igualdade descreve a ausência de diferenças de direitos e deveres entre os membros de uma sociedade. Em sua concepção clássica, a ideia de sociedade igualitária começou a ser criada durante o Iluminismo, para idealizar uma realidade em que não houvesse distinção jurídica entre nobreza, burguesia, clero e escravos. Mais recentemente, o conceito foi ampliado para incluir também a igualdade de direitos entre gêneros, classes, etnias, orientações sexuais e etc.61

Durante a Revolução Francesa, o termo igualdade compunha a palavra-de-ordem dos revolucionários; Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Com a noção de liberalismo advinda do Século XVIII, consolidou-se que o governo deveria apenas organizar o funcionamento da vida em sociedade. Acreditava-se que a maximização do bem comum se efetivaria com o mínimo de intervenção estatal na vida dos particulares. A noção de igualdade estava

59 DE SOUSA, António Francisco; Direito Administrativo Europeu; Ed. Vida Económica; 2016; p. 146 60 PEREIRA, Bruno Yepes. Curso de direito internacional público, p. 161.

61

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positivada nas cartas políticas, no entanto, acreditava-se que possíveis distorções no campo real das desigualdades, eram advindas do próprio caráter heterogêneo do corpo social. O seu pressuposto fundamental é que o máximo de bem-estar comum é atingido em todos os campos com a menor presença possível do Estado.62

Essa noção de intervenção mínima do Estado ficou mais evidente:

[...] no campo econômico em que se procurou suprimir toda a interferência do Estado na regulação da economia. A lei da oferta e da procura (lei econômica e não jurídica) se encarregaria de colocar os preços em níveis justos e sem deixar de estimular o empresário a produzir cada vez mais e por menores preções. Mas o Estado Liberal é neutro em outros pontos também: no religioso, no moral, etc... O fundamental é que o indivíduo seja livre para agir e realiza as suas opções fundamentais. Do Estado se espera muito pouco: basicamente que ele organize um exército. Que ele assegure a boa convivência internamente mediante a polícia e o judiciário incumbidos de aplicar as leis civis e as leis penais. Tudo o mais, saúde, educação, previdência, seguro social, será atingido pela própria atividade civil. Prega-se, portanto, o Estado absenteísta. Quanto menos estado melhor, ou, se preferir, o Estado é um mal necessário. A experiência histórica não confirmou todas as previsões do ideário liberal. Pelo livre jogo das forças econômicas não foi possível atingir o bem-estar da classe trabalhadora. Logo se constatou que a liberdade para contratar reinante entre empregado e empregador era uma mera aparência, já que o desnível de forças socioeconômicas era muito acentuado. Em muitos outros aspectos a presença do Estado se faz necessária para suprir omissões, para coibir abusos e para empreender objetivos não atingíveis pela livre iniciativa. Tudo isso vai dar lugar ao nascimento do Estado social.63

Nesse ínterim que quedaram-se os Estados absolutistas monárquicos, dando lugar ao que ficou conhecido como estados constitucionais. Nesse ideário liberal, importante destacar a formação dos Estados Unidos da América. Depreende-se grande lição quando da verificação dos termos da declaração de direitos da Virgínia, de 12 de junho 1776, que cristalizou o princípio da igualdade no seio daquele ordenamento jurídico incipiente.

62 BASTOS, 1995, p. 68. 63

(25)

Logo no primeiro artigo, conseguimos extrair o cerne da relevância do documento para a consolidação do princípio da igualdade, traduzido abaixo:

Art. 1º. Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entrar em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.64

Seguindo a mesma linha da Declaração de Direitos do Bom povo de Virginia, outros dois estados norte-americanos fizeram constar em suas Cartas Políticas, regras que garantissem, a seus habitantes, esse mesmo ideário de igualdade formal. Foram os Estados da Carolina do Norte e Massachussetts. Como o processo da federação norte-americana se deu pelo processo de agregação (ou centrípeta), em 1787 os Estados Unidos, quando da independência de Inglaterra, também absorveu o princípio da igualdade em sua carta magna.65

Já quando se busca as primeiras evidências sobre o princípio da igualdade –também chamado de princípio da Isonomia – encontra-se aproximadamente o ano de 508 a.C, na Grécia antiga, o filósofo Clístenes, conhecido como o pai da democracia ateniense. Clístenes, na época, acabou por criar um sistema mais heterogêneo dentro do sistema político vigente; ampliou a diversificação de cidadãos, trazendo não somente pessoas de classes sociais distintas, como também de diferentes regiões territoriais e não classificadas por qualquer tipo necessariamente de diferenciação.66

A ideia dele era utilizar dessa junção para fazer perder a força de influência e decisória que um grupo de conhecidos poderia ter. Não somente isso, Clístenes atribuiu períodos dentro do ano administrativo onde todos acabavam por ter uma igualdade nas participações, de maneira que além de não serem discriminados ou segregados por questões culturais, raciais ou geográficas, também tinham a mesma oportunidade de auxiliar na legislação e participar

64

UNITED STATES. The Virginia Declaration of Rights, 1776. Disponível em:

https://www.archives.gov/founding-docs/virginia-declaration-of-rights. Acesso em 20 de abril de 2019.

65 BASTOS, 1995, p. 70.

66 LIMA, Bruno; As Origens da Democracia. Disponível em: http://obviousmag.org/filosofia_tecnologia_arte_e

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diretamente na direção dos conselhos. Por tais ideais é que ficou conhecido como o instaurador definitivo da igualdade política e do ideal democrático em Atenas.

Por óbvio, não se deve depreender que a democracia Grega remota é a democracia que conhecemos hoje; suas falhas ainda existem, e a democracia sempre vai seguir num caminho de tentativa e erro. Diferentemente daquela época, podemos dar o exemplo de que hoje a democracia tem por base do conhecimento a ideia popular de que é o governo do povo, enquanto na Grécia a ideia era de governo da comunidade; enquanto cá temos governantes eleitos pela população para zelar pelos interesses do povo, na Grécia antiga era o povo quem tinha o direito a palavra, à participação prática na política e consequentemente ao voto.67

Não é necessário pormenorizar, por exemplo, o que os gregos consideravam como cidadão, e o que hoje a sociedade moderna entende como tal; os tempos são outros, e a humanidade evoluiu como um todo, dando de forma geral mais garantias, direitos e deveres a toda a população e, por norma, sem discriminação.

Apesar de Clístenes ser conhecido como pai da democracia, a concepção mais próxima que temos do modelo atual é a conhecida Magna Carta68, onde o Rei João da Inglaterra à assina e ali é considerado o princípio da monarquia constitucional, escorado pelas constituições de diversos países e que conhecidamente diz que todos são iguais perante a lei. Tal frase, ressalte-se, deve ser interpretada de duas maneiras diferentes, assim como seu princípio; a igualdade na lei é destinada a quem legisla, onde não pode haver discriminação durante a elaboração de leis, medidas provisórias ou atos normativos, sendo assim o mais imparcial possível na aplicação e criação; enquanto a igualdade perante a lei é a ideia de que, na aplicação dessas leis não haja qualquer discriminação perante o julgado.69

Advinda a idade moderna, a ideia da igualdade natural entre os homens passou a latejar com mais ênfase no âmago popular. Entendia-se o conceito de igualdade natural, mas a

67 LIMA, Bruno; As Origens da Democracia. Disponível em: http://obviousmag.org/filosofia_tecnologia_arte_e

_pensamento/2017/as-origens-da-democracia.html. Acesso em 18 de abril 2019.

68 REI DE INGLATERRA, João Sem Terra. Magna Carta - 1215 (Magna Charta Libertatum). [S. l.], 15 jun.

1215. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0- cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/magna-carta-1215-magna-charta-libertatum.html. Acesso em: 27 abr. 2019.

69 LIMA, Bruno; As Origens da Democracia. Disponível em: http://obviousmag.org/filosofia_tecnologia_arte_e

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noção de desigualdade advinda da lei também era compreendida. Para Hobbes, a desigualdade proveniente do contrato social, era legitimada por ele. O homem abriria mão de parcela de sua liberdade e da igualdade natural, em troca da convivência harmoniosa em sociedade organizada.70

Quando se tornou amplamente difundida a noção cativante de que todos os homens são iguais, e assim todos teriam as mesmas condições de galgar melhores condições de vida para si e sua família, estava naquele momento, cristalizado o conceito da igualdade formal.

Jean-Jacques Rousseau, anos à frente de Hobbes, também admoesta o problema da falta de equilíbrio, que amofinava os homens em sociedade em sua época. Em suas obras “Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens” e “O Contrato Social” cuidou para tecer a distinção entre o homem natural e o homem em sociedade. E foi justamente em O Contrato Social, que Rousseau materializou a noção da igualdade jurídica entre os homens, sem destruir o conceito de igualdade natural. Segundo sua obra, portanto, tem-se a igualdade moral e legítima, decorrente de convenção e aparada pelo direito, mesmo que em aparente desigualdades físicas, portanto da natureza. Segundo Rousseau, a noção de igualdade está intimamente ligada a liberdade do homem, decorrente das sociedades escravocratas. Uma sociedade sem escravos, compostas de homens livres, portanto, os mesmos interesses, seriam a base primordial para a extirpação da desigualdade.71

Não é impossível que uma vontade particular concorde em algum ponto com a vontade geral, é impossível ao menos que essa concordância seja durável e constante, pois a vontade particular tende por sua natureza às preferências, e a vontade geral tende à igualdade.72

No entanto, mantém-se apenas no âmbito formal essa igualdade civil, depreendida, já que, leva em consideração as características do ser humano, avaliado individualmente, contudo imperioso se faz, ao analisar as diversas relações decorrentes da aplicação da igualdade, que se leve em conta o contexto social no qual está inserido esse indivíduo.

70 BITTAR; ALMEIDA, 2010, p. 287-289. 71 ROUSSEAU, 2009, p. 30-41

72

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Ao avançar na linha do tempo, depara-se com os processos de majoração das desigualdades decorrentes da Revolução Industrial. Assim, as teses de Rousseau não mais se adequam a essa nova realidade que se apresenta. A sociedade se reformula, reorganizando-se com novas características. Terra, trabalho e capital, são as três pilastras que sustentam a engrenagem desse novo modelo. Nessa esteira surge novas concepções filosóficas e sociais, na tentativa de compreender o fenômeno, formulando possivelmente novas teses para se efetivar a busca pela igualdade.73

Nesse contexto, surge Karl Marx, que salienta haver uma complexa e brutal desigualdade económica e social em seu tempo. Assim, engendra uma teoria, fórmulas para se conseguir a harmonia social, objetivando a igualdade material entre todos. Foi um dos primeiros filósofos a propor a erradicação completa da desigualdade. Ele enfatizava que o fato de haver diferentes classes sociais é resultado da própria desigualdade material, que fora alavancada com a apropriação da mais valia, decorrente da exploração do trabalho braçal dos proletariados. Desta feita, fica latente que a exploração entre as classes, potencializa o crescimento das desigualdades, e ainda enfatiza que para a concretude dos objetivos capitalistas e acúmulo de capital, se faz mediante amplo processo de opressão.74

Nessa esteira, o ideário marxista aduz que a classe dominante exerce influência direta nas ações do governo e, por conseguinte na própria criação de leis, de forma a favorece-los. Ele enfatiza que apenas o comunismo poderia efetivamente erradicar a desigualdade, primando pela implantação de uma igualdade absoluta. Nesse ínterim, a classe operária precisaria quebrar essa engrenagem social, rompendo o círculo da opressão imposta pela burguesia. Salienta ainda que deverá ser eliminado paulatinamente o direito e o Estado, já que em última análise, eles são subservientes aos interesses da burguesia, portanto prescindíveis para a ascensão do proletariado.75 Nesse sentido Bittar e Almeida aduzem que:

O Direito não é nem instrumento para a realização da justiça, nem a emancipação da vontade do povo (volkgeist) nem a mera vontade do legislador, mas uma superestrutura ideológica a serviço das classes

73 BITTAR; ALMEIDA, 2009. 74 BITTAR; ALMEIDA, 2009. 75

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dominantes. A ordem instaurada pela regra jurídica é causa de manutenção das distorções político-econômicas, que estão na base das desigualdades sociais e da exploração do proletariado. Ainda, há Estado e ainda há Direito enquanto uma classe mantiver-se no poder. Durante a instalação da ditadura do proletariado, ainda que transitória, ainda há Direito. Após a ditadura do proletariado, e o gradativo desmantelamento das estruturas jurídicas e burocráticas, passará a viger uma situação comunista em que o Direito é algo dispensável, em face da própria igualdade de todos e da própria comunhão de tudo. Abolida a divisão de classes sociais, o Estado desaparece, porque é mera expressão da dominação de uma classe sobre a outra.76

Assim, para Marx, a igualdade absoluta só seria conquistada com a completa instauração do comunismo, quebrando abruptamente toda a engrenagem vigente do sistema capitalista. Essa igualdade absoluta, seria fruto de uma revolução. Esse pensamento influenciou inúmeros pensadores no século XX. Porém, ficou evidente com as experiências socialistas que a humanidade observou, foram incapazes de extirpar esse desequilíbrio social, que permanece até a contemporaneidade. A luta de classes proposta por ele continua sendo um jogo de forças que ainda opera de forma opressora, embora menos degradante que outrora. Já no contexto da pós-modernidade, a ideia de igualdade tem sido gradualmente abandonada e preterida pela ideia de diversidade. Para a construção da democracia, para alguns, se faz necessário dar ênfase nas questões relativas à igualdade e, portanto, eliminar ou relativizar as diferenças. Outros, defendem um multiculturalismo radical, com ênfase na diferença, ficando a igualdade em segundo plano. No entanto, o problema não é afirmar um polo e negar o outro, mas sim ter uma visão dialética da relação entre igualdade e diferença. Não se pode falar em igualdade sem incluir a questão da diversidade, nem se pode abordar a questão da diferença dissociada da afirmação da igualdade.77

Sabe-se, porém, que não há como haver garantias de que esses princípios sejam aplicados, pois levando-se em conta cada caso pode haver uma relativização ou não da

76 BITTAR; ALMEIDA, 2009, p. 376-377. 77

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mesma, utilizando da máxima de tratar os iguais com igualdade e os desiguais na medida em que eles se desigualam.78

Quando dizemos igualdade perante a lei, subentende-se também a igualdade na aplicação do direito, ou seja; enquanto obrigatoriamente as leis acabam por determinar consequências jurídicas, o princípio da igualdade fica absorvido na vinculação à lei.79

Porém, não se pode entender que a igualdade perante a lei é também equivalente à igualdade na injustiça; não há um direito à igualdade de tratamento em caso de violações da lei. Um bom conceito que podemos ter sobre a Igualdade de tratamento, é o proferido por Alfredo Ruprecht:

Quanto ao conteúdo, o princípio da igualdade de tratamento não significa uma completa igualação. Não atenta contra nenhuma proibição o fato de uma pessoa ser tratada especialmente, mas o empregador, enquanto procede de acordo com pontos de vista gerais e atua segundo regulamentações estabelecidas por ele mesmo, não deve excetuar arbitrariamente, de tais regras, um trabalhador individual. É arbitrário o tratamento desigual em casos semelhantes por causas não objetivas.80

Portanto imperioso que se observe sempre, critérios objetivos para eventual tratamento diferenciado, nunca pelo viés subjetivo.

5.2 Diferenças e paralelos entre liberdade e igualdade.

Os direitos de liberdade e igualdade distinguem-se na sua essência. A questão de uma violação da liberdade jurídico-fundamental decide-se em última análise pelo grau em que o estado pode limitar coercitivamente a liberdade dos indivíduos. Deve-se controlar a dimensão desta liberdade como proibição do excesso ou proibição do ficar aquém no quadro da proporcionalidade.81

Diferente disso, a violação da igualdade jurídico-fundamental diz respeito à comparação de diferentes situações de fato, sendo assim, da dimensão da desigualdade,

78 CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, p.225. 79 MORLOK, Martin e LOTHAR Michael. Direitos Fundamentais, 1° Edição; Editora Saraiva. Pg.588. 80 RUPRECHT apud CARVALHO, 2011, p. 24.

81

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verificando dessa forma a violação da liberdade quando coletivamente e onde todos os titulares dos direitos fundamentais tenham sido afetados, ficando assim sem liberdade.

Inclusive as violações, sejam elas de igualdade ou liberdade acabam por ser coincidentes em muitos casos, pois uma violação individual de liberdade enquanto haja um caso comparável onde a liberdade é garantida, também é simultaneamente uma violação da igualdade jurídico-fundamental, criando de certa forma um paralelo entre elas. Além de que, os direitos de igualdade têm também dimensões de direito de liberdade, o que é de importância sobretudo para a dogmática do princípio geral da igualdade.82

5.3 Discriminação direta e indireta e oculta.

Infelizmente é muito comum presenciar cenas de discriminação em diversos segmentos da nossa sociedade, sendo a igualdade de tratamento crucial para repelir e extinguir esse mal. Nesse âmbito, tem-se três formas de discriminação; a direta, a indireta e a oculta.

Com relação a discriminação direta, diz Barros:

É conceituada como o ato por meio do qual se atribui ao empregado um tratamento desigual, com efeitos prejudiciais, fundado em razões proibidas (raça, sexo, estado civil, idade ou outra característica enumerada na lei).83

Já com relação a discriminação indireta:

Traduz um tratamento formalmente igual, mas que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos. [...] no tocante ao acesso ao trabalho são consideradas como discriminação indireta medidas ou práticas que excluem maior número de homens ou mulheres como exigência de requisitos de altura, peso, idade, provas físicas, quando a

82 MORLOK, Martin e LOTHAR Michael. Direitos Fundamentais, 1° Edição; Editora Saraiva. Pg.596. 83

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