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3. MINERAÇÃO E SUAS CONTRADIÇÕES

3.1 A atividade minerária no Brasil

3.1.1 A ilusão do meio ambiente livre de pessoas

São previstas em diversas leis brasileiras diferentes medidas compensatórias aos intensos impactos ambientais de empreendimentos de mineração. As medidas compensatórias se relacionam com os impactos negativos e irreversíveis da instalação e operação de um empreendimento e podem ser de diferentes tipos: compensação ambiental; medidas compensatórias por intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APP); medidas compensatórias por supressão de vegetação no Bioma Mata Atlântica e reposição florestal (CAVALCANTI, 2011). A compensação ambiental

6 A construção de hidrelétricas para projetos industriais é um exemplo do modelo de desenvolvimento adotado, pois grandes projetos, como a mineração, necessitam de grandes projetos para seu funcionamento, como a construção de hidrelétricas. As hidrelétricas também expropriam as comunidades rurais de seus territórios de vida e trabalho (PEREIRA, 2012, p. 63).

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é a principal medida compensatória por significativo impacto ambiental causado pela atividade minerária e é prevista no Artigo 36 da Lei nº 9.985/2000, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC):

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.

§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.

§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.

§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.

Em outras palavras, a compensação ambiental é exigida em licenciamentos ambientais de empreendimentos com significativo impacto ambiental, de modo que o empreendedor é obrigado a apoiar financeiramente a implantação e manutenção, ou apenas a manutenção, de uma Unidade de Conservação (UC) do tipo Proteção Integral. Foi instituído o Comitê de Compensação Ambiental Federal (CCAF), responsável pela divisão e decisão sobre a finalidade dos recursos e por acompanhar sua aplicação (IBAMA, 2013; FARIA, 2008). Os recursos disponibilizados pelo empreendedor não podem ser inferiores à 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento e devem ser aplicados na UC beneficiada seguindo uma ordem de prioridade de investimento, de acordo com o Artigo 33 do Decreto Federal nº 4340/2002, sendo:

I – regularização fundiária e demarcação das terras; II – elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo; III – aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amortecimento; IV – desenvolvimento de

48 estudos necessários à criação de nova unidade de conservação; e V – desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e área de amortecimento.

Em relação às outras medidas compensatórias, é preciso realizar a reposição florestal com espécies nativas em área equivalente à área desmatada, de modo a priorizar o local impactado e realizar a reposição no mesmo município ou na mesma bacia hidrográfica. No caso de intervenção em APP, deverá ser feita a regeneração ou recomposição de outras APPs, prioritariamente, na área de influência do empreendimento ou nas cabeceiras dos rios. Em alguns casos, o órgão ambiental licenciador pode determinar que o empreendedor se responsabilize por mais de uma dessas formas de compensação (CAVALCANTI, 2011).

Contudo, de que forma todos esses impactos alcançam a população? Como as mineradoras lidam com tudo isso? Em primeiro lugar, é preciso saber que a vida humana, a natureza e o meio ambiente são partes de um mesmo todo. É necessário romper com a dicotomia existente entre homem e natureza, e com “a concepção de meio ambiente como uma realidade externa às relações sociais” (ZHOURI, 2008, p. 100), como se fosse possível atribuir ações voltadas apenas para a natureza e apenas para os humanos, sem que houvesse relações entre si. As medidas compensatórias, instituídas por lei, são bons exemplos da polarização entre meio ambiente e pessoas, uma vez que a partir delas, a natureza é objetificada e qualquer atividade pode ser legitimada, basta que a vegetação desmatada seja compensada e reposta em outro local. Esta concepção é denominada natureza substituível por Laschefski (2011), por sempre ser possível a apresentação de um plano ambiental de reconstituição de vegetação em outra localidade e de uma técnica de aceleração de sucessão natural, por parte dos empreendedores, para viabilizar qualquer projeto industrial.

Coelho (2015), mostra que a ideia polarizada entre humano e natureza é uma das estratégias embutidas no DDM, uma vez que as mineradoras fazem circular a crença de que os prejuízos da atividade minerária estão associados somente ao meio ambiente, mas que as vantagens estão associadas à vida humana, de modo que uma balança, “aos olhos da população, tende a pesar a favor do lado hipoteticamente benéfico ao ser humano e prejudicial ao meio ambiente, que seria melhor do que o oposto” (COELHO, 2015, p. 105).

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Nesse sentido, os argumentos que sustentam o DDM se concentram em dois principais aspectos: a arrecadação financeira e a geração de empregos. Porém, existem alguns detalhes que envolvem esses aspectos que precisam ser discutidos. Em primeiro lugar, no Brasil, as mineradoras são isentas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para exportação, o que demonstra a existência de incentivos fiscais do Estado para a atividade minerária. Os conhecidos royalties da mineração no Brasil, são equivalentes à Compensação Financeira por Exploração Mineral (CFEM), ou seja, à arrecadação compensatória pela exploração de minério. A porcentagem da CFEM depende do mineral a ser explorado, podendo chegar no máximo a 3% do faturamento líquido da mineradora. No caso do minério de ferro, a CFEM corresponde apenas à 2% do faturamento líquido da mineradora, sendo que somente 65% deste valor são repassados ao município que recebe a mineradora, pois o restante é destinado ao estado e ao Distrito Federal (23%), ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (2%) e ao Ministério de Minas e Energia (10%) que repassa ao IBAMA (0,2%). A CFEM no Brasil é bastante limitada quando comparada a outros países, como por exemplo, o Canadá, onde o royalty da mineração é de 15% do lucro bruto da mineradora (COELHO, 2015). Além disso, as mineradoras transnacionais têm a maior parte de seu lucro destinado à empresa – mãe, ou seja, a arrecadação retorna ao país de origem da mineradora, resultando em poucos benefícios à economia do local e do país onde a mineração é realizada (COSTA E FERNANDES, 2016).

Em segundo lugar, a mineração é considerada uma indústria de capital intensivo, ou seja, a maior parte de seus investimentos é destinada à aquisição de maquinário e equipamentos, enquanto a menor parte destina-se à outros fatores de produção, como o trabalho vivo por exemplo, que afeta a criação de empregos. Isto significa que a mineração gera menos emprego do que outras atividades, pois sua fase de operação é bastante automatizada. No Brasil a cadeia produtiva do minério de ferro é primária, por não ocorrer a transformação do minério em produtos industrializados, o que torna a geração de emprego menor quando comparada a atividades com cadeias produtivas mais extensas e complexas. Além disso, os postos de trabalho não exigem alta qualificação, sendo muitas vezes precários, de modo a não contribuir para a qualificação profissional dos trabalhadores na região onde a mineração se instala. A precariedade dos empregos na mineração configura, muitas vezes, condições de trabalho escravo, além de

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caracterizar a atividade minerária como o segmento com a maior taxa de mortalidade por acidentes de trabalho (MILANEZ et al, 2013; BOSSI et al, 2010; COELHO, 2015).

3.2 Da promessa de desenvolvimento ao conflito