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“Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios”! Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

A partir do trabalho desenvolvido é possível tecer algumas considerações. É preciso retomar ao projeto Minas-Rio e suas características, sendo que este se configura num grande empreendimento de exploração mineral, conduzido por uma multinacional, com intensos impactos socioambientais, de modo que reflete a forma como é conduzida a mineração em todo o país. Portanto, mostrar o atingimento do Minas-Rio na região em estudo é, ao mesmo tempo, apresentar a situação de injustiça ambiental que diversas famílias agricultoras, ribeirinhas, indígenas e periféricas estão enfrentando devido ao incentivo e à instalação de grandes empreendimentos nomeados como “de desenvolvimento” em todo o território nacional.

A experiência da pesquisa nos mostra que a chegada da mineradora na região em estudo, ou ainda, de uma multinacional responsável por um grande empreendimento que carrega a promessa do desenvolvimento e do progresso num determinado lugar, não necessariamente será responsável pelo desenvolvimento do local, ou sequer será capaz de manter a qualidade de vida dos sujeitos locais. O que se observa é que o rumo que os projetos “de desenvolvimento” impõem sobre a localidade que os recebe vai na contramão do desenvolvimento, sendo este entendido como a promoção do bem-estar da população e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. É preciso romper com o discurso do desenvolvimento pautado no crescimento econômico, mesmo que este incorpore os princípios da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável em seu bordão.

Apesar da atividade minerária ser um importante segmento econômico no Brasil, e o uso dos minérios ser essencial para a manutenção da vida moderna, a forma como a atividade é desenvolvida - por meio de grandes empreendimentos a céu aberto - é geradora de conflitos socioambientais, de modo que as mineradoras permanecem com maior poder político devido ao forte apoio dos governos local, estadual e nacional e conseguem tudo que precisam para desempenhar a atividade extrativa.

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Consequentemente, outras atividades econômicas locais passam a ser interrompidas como a agricultura, a pesca e o turismo, devido aos intensos impactos da mineração, principalmente em relação ao uso da água (mineração e mineroduto). Sobretudo, os atingidos e atingidas não possuem formas institucionais para serem ouvidos e para participarem efetivamente das tomadas de decisão em relação à execução da atividade minerária na localidade.

A mineração na região em estudo nos ensina que não existe concordância entre o progresso econômico, a conservação da natureza e a dignidade da vida humana para todos os grupos sociais. O empreendimento minerário solapa as lógicas de uso dos recursos naturais dos agricultores familiares da região. Os usos e manejos, as necessidades, as ideias e os sentimentos dos agricultores com relação aos recursos não são levados em consideração. A mineradora não compreende este modo de viver e caminha na contramão da perspectiva da lógica e da dinâmica interna dos agricultores, viola seus direitos e força as famílias agricultoras à reconfigurarem suas vidas para sobreviverem diante de uma ordem que as ameaça de extinção. Há um gigantesco descompasso de lógicas. A mineração apropria-se de recursos coletivos, nega o acesso, privatiza, ignora a gestão e os usos comunitários e transforma a natureza em bem econômico.

Em relação à execução da mineração, o caminho que se propõe segue na direção das proposições de Milanez e Losekann (2016). Não se trata de acabar com a extração de minérios e interromper a exploração mineral, mas sim de regular a forma como a atividade minerária vem sendo desenvolvida e de construir a soberania popular na mineração para que o desenvolvimento seja, de fato, alcançado. É preciso que a população atingida esteja à frente das tomadas de decisões em relação a mineração nas localidades exploradas. As comunidades atingidas precisam poder exercer o direito ao veto e participar da construção do modelo de extração que será desenvolvido em determinado lugar, a fim de propor suas condições e terem seus modos de ser e de viver respeitados, além de seus direitos garantidos. Em outras palavras, as comunidades atingidas precisam ter poder para decidir sobre a implantação de empreendimentos minerários e sobre a forma como esses empreendimentos serão conduzidos.

Outro ponto que se evidencia é o fato da legislação ambiental brasileira favorecer às mineradoras e multinacionais, para que estas possam realizar suas

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atividades sem grandes entraves e restrições legais. As exigências ambientais legais não só dão liberdade à mineradora como influenciam e desestruturam a vida de muitas pessoas, pois realizam ações superficiais para tentar equilibrar os dois lados da balança, uma vez que se inserem na dimensão de natureza substituível (LASCHEFSKI, 2011) e da adequação ambiental (ZHOURI, 2008). A reposição florestal deveria ser uma forma de compensar os impactos, mas o que se observa é que ela intensifica o atingimento das comunidades ao seu redor pois leva à privatização da terra, da água e dos recursos da mata. As medidas compensatórias ambientais agravam a concentração de terras pela mineradora e levam à expropriação das comunidades rurais.

Sobre a agricultura familiar da região, fica evidente que o empreendimento minerário a orienta para a subordinação e dependência tecnológica, ao invés de promover o seu empoderamento e autonomia para gerar oportunidades de aumentar sua capacidade produtiva. As terras são cada vez mais concentradas pela mineradora, agravando a estrutura fundiária do Brasil, e ao campesinato é oferecida a exclusão e expropriação. É importante lembrar que em nenhum momento em nossa história tivemos a agricultura camponesa sob os holofotes das políticas públicas e dos cuidados do Estado. Se os camponeses conseguem produzir alimentos a partir de práticas tradicionais e agroecológicas, sem venenos e fertilizantes químicos; em áreas muito menores do que a agricultura capitalista; conseguem atingir a autossuficiência e ainda mantém a preservação ambiental do local que se encontram, por que não se tenta um modelo de desenvolvimento que permita o protagonismo desses sujeitos? É hora de pensarmos em outras políticas e em novas formas de se desenvolver. A proposta de Prebisch (1961) de realização da reforma agrária como uma das formas de alcançar o desenvolvimento da América Latina nunca foi aceita e implementada no Brasil. Se a não reforma agrária não tem dado certo, por que ainda não se opta pela reforma agrária?

É preciso repensar e recriar o modelo de desenvolvimento do nosso país, assim como o modelo de extração mineral no Brasil. A balança atual, tão inclinada a favor das mineradoras, precisa ser equilibrada entre os diferentes atores sociais envolvidos no processo de mineração, de modo a dar voz aos atingidos e atingidas. Se após 517 anos de exploração, ainda temos milhares de brasileiros que passam fome e não tem acesso à serviços básicos como moradia, saúde, educação e saneamento adequado, temos evidências suficientes de que este modelo de desenvolvimento capitalista adotado não

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nos levará a lugar algum, a não ser à perpetuação das desigualdades sociais e ambientais, bem como da exploração do trabalhador brasileiro. É urgente a emancipação dos grupos sociais menos favorecidos e o olhar para o local como lugar de promoção do desenvolvimento pautado na melhoria da qualidade de vida e garantia de direitos, além da conscientização da sociedade em geral sobre a problemática entorno da mineração e de outros grandes empreendimentos.

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