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4. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA E A CHEGADA AO CAMPO

4.5. A imersão em campo: a chegada e a travessia

Se a ação de comer é algo tão íntimo ao ser humano, conforme reflete Mintz (2001), analisar os hábitos e as práticas alimentares de pessoas e grupos se torna uma atividade de grande responsabilidade. Trabalhar os dados de forma analítica e crítica, à luz das abordagens teóricas e, portanto, longe do julgamento do senso comum é o papel do pesquisador. Foi com essa percepção que enveredei no campo, pensando a pesquisa empírica como descobertas a serem feitas pelo caminho, naquele sentido absorvido quando li Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, pela primeira vez:

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia (...) Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que em primeiro se pensou... (ROSA, 2001, p. 51 e 80).

Fazer pesquisa de campo é algo semelhante. Faz-se um planejamento, mas durante o percurso é preciso lidar, por um lado, com os “imponderáveis da pesquisa”29 e por outro, com a expectativa das descobertas a serem feitas na

travessia. A prática empírica é também trabalho analítico e reflexivo, mas é sobretudo – concordando com a ideia de Peirano (1995, p. 57) – “trabalho artesanal, microscópico, detalhista e que traduz, como poucas outras, o reconhecimento do aspecto temporal das explicações”. Ela argumenta ainda que a condução de uma pesquisa de campo “depende, entre outras coisas, da biografia do pesquisador, das opções teóricas, do contexto sociohistórico e das imprevisíveis situações que se configuram, no dia-a-dia, no próprio local de pesquisa entre pesquisador e pesquisados” (p. 22).

Para esta pesquisa, as questões em torno dos hábitos, práticas alimentares e sociabilidades das famílias rurais foram importantes para a investigação científica pretendida. Assim, foi necessária a compreensão por parte dos interlocutores sobre a importância de sua participação. Coube a eles, após o entendimento da pesquisa, abrir a sua intimidade alimentar cotidiana. Fui convidada pelos entrevistados – mulheres, na maior parte – a “adentrar e puxar assento” na cozinha. Também me convidaram para conhecer o quintal, colher verdura na horta e, inclusive, a participar das refeições em todas as casas visitadas, fosse almoço, fosse “merenda” ou mesmo apanhar frutas diretamente do pé durante conversas ocorridas no pomar.

Assim, percorri regiões rurais de Piranga, Porto Firme e Presidente Bernardes entre os meses de fevereiro a junho de 2015 fazendo descobertas, aprendendo, apreendendo, dialogando, analisando, questionando e refletindo sobre os sentidos da comida e do comer no espaço rural contemporâneo das famílias pesquisadas.

Naquelas famílias em que fui apresentada diretamente pelos técnicos da Emater e a quem acompanhei em algumas de suas visitas às comunidades atendidas no mês de janeiro de 2015 e, mesmo naquelas onde minha prévia apresentação foi feita via telefone, a chegada para a pesquisa foi mais simples. Entretanto, naquelas em que houve indicação por parte dos próprios entrevistados o processo foi mais lento, mas não difícil ou impeditivo. Apenas levei mais tempo para organizar a visita. Em um dia ia ao local, me apresentava, explicava sobre a pesquisa que havia sido realizada com seus conhecidos na mesma comunidade, respondia às perguntas e curiosidades e, por fim, agendava um retorno. Considero, como mais provável, é que tenham aceitado participar da pesquisa em função de eu ter citado o mesmo trabalho feito com pessoas conhecidas. Não sei dizer se foram buscar confirmação sobre isso. A técnica da Emater de Piranga, que estava se aposentando, se propôs a percorrer comigo algumas comunidades em alguns dias da segunda quinzena de janeiro de 2015, me mostrando os caminhos e apresentando a algumas pessoas.

Em geral, as pessoas foram atenciosas. Algumas se mostraram mais interessadas do que outras e, por isso, o envolvimento foi maior. Porém, todas deram contribuições muito importantes. Houve dois casos em que precisei retornar em outro dia. Em um dos casos porque houve falecimento de um parente na manhã do dia da entrevista e não tiveram como me avisar antes. Na outra situação, o casal de aposentados precisou ir à cidade resolver problemas pessoais e pediu para marcarmos um outro dia. Foi necessário também o adiamento da pesquisa em dias de chuva, devido às condições ruins das estradas.

Optei por dividir o horário das entrevistas em manhã e tarde para conviver com dois momentos do cotidiano das famílias, respeitando os horários delas. Assim, consegui realizar 15 entrevistas na parte da manhã e as outras 25 na parte da tarde. O horário de chegada pela manhã era entre 8:00 e 8:30, também em acordo com as famílias. Na parte da tarde o horário era entre 13:30 e 14:00. Almocei, porque era convidada, nas casas onde iniciava o trabalho na parte da manhã, o que me permitia acompanhar o processo de elaboração do almoço; as conversas, no geral, aconteciam na cozinha, mas parte delas ocorria também nas hortas e nos quintais.

A partir do próximo item passo a apresentar os dados obtidos em campo, baseados em informações fornecidas pelos interlocutores da pesquisa e também nas observações que fiz. Os itens e subitens estão relacionados às variáveis elencadas no projeto de pesquisa que compuseram o roteiro de entrevista.

No item 4.6, apresento dados de caráter descritivo-analítico sobre a cultura e os modos de vida do grupo pesquisado, as atividades cotidianas de trabalho, as impressões empíricas e sua relativização à luz dos dados do IBGE (2010) sobre uma região que, aos olhos dos entrevistados, parece estar envelhecendo. Apresento e discuto também outras percepções culturais do cotidiano. Em todo o item, algumas reflexões sobre as práticas alimentares são sinalizadas ou apontadas. No entanto, as discussões mais específicas sobre as práticas alimentares são feitas no capítulo 5.