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2 AGRICULTURA BRASILEIRA NO CONTEXTO DA ACUMULAÇÃO

3.2 A imigração alemã no Brasil e no Rio Grande do Sul

Ainda que o processo de ocupação e de formação do território do Rio Grande do Sul tenha ocorrido antes da chegada dos imigrantes alemães, são estes que interessam no contexto do presente estudo.

Segundo Lazzarotto (1978), o processo da promoção da imigração no contexto histórico brasileiro teria ocorrido em dois períodos: de 1822 a 1830 e após 1845. De acordo com o autor, os projetos de colonização eram suspensos em determinados períodos conforme a política e a economia, não somente interna dos países contratantes como internacional.

Roche (1969), por sua vez, entende que a vinda de imigrantes alemães no início do século XIX fez parte de uma política estatal imigratória e que seria inconcebível pensar em um movimento migratório espontâneo da Alemanha para o Brasil, seja pela distância ou pelas diferenças de meio e gênero de vida. Segundo o autor, o Governo brasileiro ofereceu diversas vantagens no intuito de atrair emigrantes europeus, como a cobertura do custo da viagem, a concessão de terras e a instalação dos colonos, além de auxílios na manutenção dos estabelecimentos durante certo tempo.

Desse modo, o primeiro período imigratório alemão ocorreu em um momento político delicado, 1822, data do “Fico”16

, em que Dom Pedro praticamente rompeu com a Coroa Portuguesa. Na possibilidade de ocorrência de guerra com Portugal, o Imperador teria enviado para a Alemanha Jorge Von Schaeffer sob a idéia de buscar novos colonizadores, porém o objetivo maior era o de poder contar com o apoio de europeus como possíveis soldados (ROCHE, 1969).

As relações com Portugal foram retomadas após a superação dos problemas diplomáticos em 1824, momento da chegada dos primeiros imigrantes. Eles foram enviados para o sul do Brasil, motivando e intensificando a imigração que se multiplicou no tempo.

Acredita-se que a constituição de uma força militar própria tenha sido mais importante no conjunto da motivação da presença de um povoamento europeu em terras de um Império (Brasileiro) em construção, até mesmo da motivação do

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O Fico ocorreu no dia 9 de janeiro de 1822 e representa o momento em que o então príncipe regente D. Pedro de Alcântara decidiu premanecer no Brasil, indo contra as ordens das Cortes Portuguesas que exigiam sua volta a Lisboa. Tal decisão teria causado significativo mal-estar nas relações entre Portugal e Brasil.

branqueamento da população. Alguns defendem usando o argumento de que o interesse por populações européias seria a exploração e ocupação de novas áreas do Brasil por brancos não-portugueses.

Outra justificativa para a imigração teria sido a necessidade do aumento da população em um Império tão vasto com áreas a serem exploradas e fronteiras a serem protegidas. Igualmente, a idéia corrente era a de que trabalhadores livres pudessem servir como exemplo de trabalho em uma sociedade na qual predominava a mentalidade de que o trabalho era somente para escravos.

Também há quem determine como justificativa para a imigração a pressão realizada pela Inglaterra contra o tráfico negreiro e o aumento do preço do escravo no mercado. Estes elementos teriam estimulado a vinda de imigrantes para a formação de uma mão-de-obra livre, principalmente nas fazendas de café localizadas em áreas correspondentes as da Região Sudeste do Brasil.

Por outro lado, sabe-se que o Império desejava povoar as terras cuja posse era discutida através de tratados. Os colonos instalados em terras ao sul do Império (hoje, estas terras correspondem aos estados da Região Sul do Brasil), desenvolvendo uma produção agrícola diversificada e transformando o uso da terra ocupado por inúmeros rebanhos de gado bovino. Com o passar do tempo, este povoamento também serviu para outros propósitos como a criação de uma classe média e, conseqüentemente, mercado produtor e consumidor, além de favorecer a ocorrência de um processo de intercâmbio de produtos e mão-de-obra entre as grandes fazendas de criatório e as colônias germânicas que se instalavam a cada chegada de uma nova colônia de imigrantes. Com referência a esta época, Lazzarotto (1978, p.63) escreve como sendo o encontro entre “...os grandes latifundiários e os que não tinham nada”.

Segundo as análises de Roche (1969), a primeira fase da imigração alemã ultrapassa o tempo considerado por Lazzarotto, pois se estende ao longo do século XIX (1824 – 1889). Destaca-se a referência de que eles foram os primeiros imigrantes a chegarem sem que no Brasil houvesse, inicialmente, uma lei específica para gerir o funcionamento do processo de colonização. Mais tarde, medidas administrativas foram tomadas para a criação de uma lei de colonização, determinando seus caracteres fundamentais.

Para o autor (op.cit.), o processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul teria iniciado (1824) com a chegada dos primeiros imigrantes na região de São

Leopoldo e os Vales dos rios Cai (1846), Taquari (1853) e Jacui foram ocupados mais tarde. O autor considera que, para atrair os imigrantes para a área, o Governo brasileiro ofereceu, além das vantagens já referidas, o direito de que “seriam logo naturalizados, gozariam da liberdade de culto, receberiam como livre propriedade 160.000 braças quadradas de terra (77 hectares) por família, cavalos, vacas, bois, etc.” As ofertas governamentais ainda se estendiam onde durante um ano, receberiam “uma ajuda, em moeda corrente, de um franco por cabeça, e de cinqüenta cêntimos durante o segundo ano; enfim, seriam isentos de todo imposto e de toda prestação de serviço pelo espaço de dez anos” (ROCHE, 1969, p.95), tendo como única condição a inalienabilidade de suas terras por dez anos.

Neste contexto, efetivou-se a ocupação da região Centro-nordeste do Rio Grande do Sul, quando os imigrantes passaram a ocupar áreas de prevalência de matas, formando as primeiras regiões de colonização ainda no século XIX. Conforme Marchesan (2003, p. 32), “a esses núcleos originais, que absorveram os imigrantes, denominou-se de „colônias velhas‟ e os seus habitantes, por extensão, foram denominados de „colonos‟”.

O segundo período apontado por Lazzarotto (1978) teria ocorrido após 15 anos da última leva de imigrantes em 1845. Entende-se que o autor teria considerado o estabelecimento de leis esclarecedoras a respeito do trato do imigrante alemão no que concernem as suas condições, como um segundo período. A imigração chegada a partir de 1845 era definida por regras específicas segundo leis de responsabilidades assumidas pelos governos e principalmente do país receptor, no caso o Brasil, no que se referia à chegada desta mão-de-obra não escrava.

Para Roche (1969), uma segunda fase teria ocorrido após 1890, quando o Governo teve a iniciativa de desenvolver colônias antigas e criar novas colônias em parte por desdobramento das antigas, pois a partir de 1914 (final da Primeira Guerra Mundial) não houve mais imigração oficial. Neste caso, os esforços se voltaram para a resolução de problemas advindos da emancipação dos núcleos coloniais e da legitimação das propriedades das terras. O autor calcula que, aproximadamente, 48.037 alemães emigraram para o Rio Grande do Sul entre 1824 e 1914.

Nesse segundo período, considerando o ano de 1915, a ocupação colonizadora era mista, isto é, a principal característica diferenciadora delas com relação às “colônias velhas” era a de que as colônias não se formavam apenas por

novos imigrantes recém-chegados, mas também por descendentes de colonos das colônias velhas. Esta modalidade de colônia se dirigiu para o centro-norte do Estado, Regiões Norte e Alto Uruguai Gaúcho, formando as chamadas “colônias novas”. Assim, a área Noroeste do Rio Grande do Sul se apresentava como a última zona pioneira, sendo ocupada a partir de 1915 e concluída durante a Segunda Guerra Mundial (ROCHE, 1969).

Marchesan (2003, p.35) completa a análise argumentando que “a região „metade norte‟ (acima da Coxilha Grande) do Estado do Rio Grande do Sul foi destinada à ocupação por imigrantes ou seus descendentes, que, como agricultores, assentaram-se na pequena propriedade rural sustentada na força do trabalho familiar e na exploração dos recursos naturais”. No entanto, “com o passar de poucos anos, as „colônias novas‟ também passaram a experimentar as mesmas dificuldades do processo anterior, ou seja, esgotamento das terras e excesso populacional”. Isto fez com que os descendentes das populações destas colônias posteriormente migrassem para outras áreas do Rio Grande do Sul ou mesmo para outros estados vizinhos, como Santa Catarina e Paraná.

Independente da localização da colônia ou do núcleo de imigrantes ou de descendentes de alemães, a principal atividade destas populações era comandada pelas características de suas ligações com a agricultura que, mais tarde, veio a possibilitar acúmulos de divisas favorecendo o comércio, principalmente, na região de Porto Alegre e São Leopoldo. Roche (1969, p.243) afirma que, entre 1824 e 1875, “a agricultura foi atividade característica e exclusiva dos colonos alemães e que, ainda às vésperas da Segunda Guerra Mundial, forneciam dois terços, pelo menos, da produção agrícola do Rio Grande do Sul”.

Entre os produtos cultivados, combinam-se aqueles inseridos pelos alemães com os já existentes antes da sua chegada. Entre produtos principais e secundários, podem ser listados: fumo, batata, cana, feijão, trigo, centeio, cevado e arroz.

Quanto ao criatório, a pecuária se apresentou por muito tempo como acessória, principalmente para o consumo da família ou mesmo na criação de animais utilizados para o trabalho na propriedade. No entanto, não se pode falar de ocorrência de larga criação para venda. Apenas os excedentes do consumo familiar se destinavam a venda externa.

Para Roche (1969), praticava-se a policultura nas colônias alemãs, sendo que o rendimento da produção variava de uma para outra colônia, principalmente se

comparadas em termos do momento de sua criação. Em geral, as colônias mais recentes apresentaram sempre rendimentos superiores às mais antigas. Em comparação ao conjunto do estado do Rio Grande do Sul, as colônias alemãs exibiam maior rendimento que as demais.

A policultura se apresenta diretamente ligada às estruturas e formação das colônias e das propriedades rurais dos antigos lotes coloniais que cada família de imigrante ou seus descendentes recebia. As propriedades constituíam-se de grandes áreas florestais a serem desbravadas ou mesmo de terrenos com grandes declividades, deixando poucas áreas a serem utilizadas para as atividades agrícolas. Deste modo, para garantir a subsistência das famílias, fazia-se necessário a presença de uma produção diversificada.

A distribuição dos lotes coloniais em áreas de colonização alemã antigas, utilizando um modelo hipotético, pode ser aplicada a maioria das áreas. Isto porque permite perceber a ocorrência de áreas cobertas por vegetação arbórea, caracterizando as matas, bem como a presença de áreas com declividade íngreme em alguns lotes. Ressalta-se ainda a preocupação em tentar distribuir os lotes de forma a possibilitar o acesso das propriedades aos recursos hídricos disponíveis, (Figura 3).

A distribuição dos lotes não pode ser considerada espontânea por parte dos colonos, pois, conforme Roche (1969), as terras que formariam os lotes de uma colônia eram definidas, recortadas e distribuídas pela administração brasileira. Isto explica o fato de não haver espaço para construção de povoamentos (aglomerados, vilas e cidades), pelo menos nas colônias mais antigas. Assim, a forma que os colonos encontravam para se agruparem e para manter maior proximidade era a de construir suas casas ao longo das picadas, pequenas estradas que faziam a ligação entre os lotes ou destes com o povoamento mais próximo.

Era também ao longo das picadas que surgiam as capelas, escolas, lojas ou armazéns e, mais tarde, os salões de festas que serviam como pontos de encontro e manifestação das raízes culturais das populações. Em modelos semelhantes, colonizaram-se outras áreas do Rio Grande do Sul que receberam imigrantes alemães, como é o caso da conhecida Região do Alto Uruguai, na porção norte - noroeste do Rio Grande do Sul (MIORIN, 1982).

Figura 3 - Modelo de distribuição de lotes em área de colônia alemã. Fonte: Roche (1969, p.210).

Essa breve retomada histórica a respeito da formação das colônias de imigração alemã no território Nacional e no Rio Grande do Sul em particular abre caminho para se compreender a formação da espacialidade do município de Três Passos, bem como da organização de suas atividades rurais e do seu desenvolvimento.