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2 AGRICULTURA BRASILEIRA NO CONTEXTO DA ACUMULAÇÃO

2.1 Origem e evolução da agricultura brasileira

Na história da agricultura brasileira, muito se discutiu e ainda se discute,sendo possível encontrar pontos de vista distintos a respeito de sua importância no contexto socioeconômico brasileiro. Hoje existem inúmeras teorias que procuram explicar ou justificar suas origens, organização e processos assumidos ao longo da evolução do agrário nacional.

Não é desconhecida a existência de populações nativas anteriores à chegada dos portugueses no território brasileiro como também não é desconhecido que aqui existiam e se desenvolviam modelos primitivos de agricultura. Eram, portanto, sociedades primitivas que sobreviviam da caça/pesca, coleta e de uma rudimentar

agricultura itinerante constituída de pequenas roças. No entanto, foram os europeus que desenvolveram a agricultura de escala, após um período dedicado à exploração de recursos naturais e dos produtos dos nativos.

Esta colonização de caráter exploratório provocou inúmeros estudos levando diversos pensadores a procurar explicação sobre a estrutura e funcionamento agrário, resultando em duas correntes de pensamento centralizados: uma defendendo o sistema feudalista e a outra o sistema capitalista.

Oliveira Vianna (1923), um dos principais defensores da tese feudalista, entende que os portugueses, ao desembarcarem no Brasil, precisaram se tornar agricultores em um primeiro momento, porque não encontraram riqueza previamente acumulada. Na concepção do autor, a grande propriedade justificava-se devido às origens dos colonizadores, antigos fidalgos e membros da aristocracia portuguesa. Assim, a produção em grande escala seria uma conseqüência deste processo.

Desta forma, reproduzir-se-ia “uma sociedade feudal, à imagem da sociedade portuguesa” a qual “se fundamenta sobre o clã fazendeiro (...), que reúne em torno do senhor do engenho a peble colonial – os rendeiros – ligados a este pelo laço feudal do contrato de locação (aforamento)” (TOPALOV, 1978, p. 13).

Malheiro Dias (1923-1924, apud, TOPALOV, 1978, p. 14) apresenta outro argumento em prol da tese feudalista, fundamentando-se em argumentos jurídicos da concessão das capitanias aos donatários. Estas seriam concedidas como províncias a serem governadas, e não especificamente, como plantação a ser explorada. Desta forma, “a sociedade assim criada é agrícola, dominada por nobres de espírito guerreiro, independente de qualquer poder estatal; trata-se de fato feudalismo”.

De maneira geral, até 1937, a concepção de que o feudalismo apresenta-se como o modelo político e econômico instituído pelos portugueses permaneceu sem atrair grandes discussões ou dúvidas. Neste ano, Roberto Simonsen passou a questionar tal concepção, baseando-se em historiadores alemães como Schmoller e Sombart, que possibilitavam uma revisão teórica sobre a temática.

Sua argumentação baseava-se na tese de que Portugal já não vivia mais um regime feudal na época do descobrimento do Brasil, uma vez que, em suas palavras, o “rei é um „autêntico capitalista‟ e seus vassalos chegam ao Novo Mundo com o desejo de enriquecer”. (SIMONSEN, 1937, apud, TOPALOV, 1978, p.14). Assim, os poderes que são dados aos donatários “têm apenas o objetivo de

assegurar-lhes os lucros: apenas a forma jurídica desta concessão assemelha-se às instituições feudais”.

Duarte (1997)8, que publicava na mesma época que Simonsen, compreende que o desenvolvimento do Estado no país apresenta um obstáculo de “‟ordem privada‟, isto é, poderes particulares ligados a dois elementos da sociedade brasileira: o feudalismo – a fusão do poder e da propriedade da terra – e o patriarcado – fusão do poder e da família”. Ainda, conforme Topalov, (1978, p.13), aquele autor destacava que “essas instituições poderosas levam a criação de uma verdadeira organização política nacional que possa triunfar sobre as várias particularidades locais”.

Duarte (1997, p.50) compreende que, até a atualidade da sua obra, o Brasil enfrentava entraves ligados a sua origem sob o regime de donatários, concluindo que, mantendo o caráter feudal do sistema, seria um entrave para qualquer desenvolvimento do “sentido de coisa pública” e o país estaria em um estado de “decomposição política”. Assim, o diferencial da discussão proposta pelo autor é a compreensão de que o problema das instituições feudais não representava mais apenas um debate unicamente de fundo histórico, mas sim uma realidade política da atualidade. Com isso, diferentemente de outros autores da época, compreendia o problema do feudalismo não apenas como um problema do Brasil colônia, mas também do Brasil contemporâneo.

Prado Junior (1985)9, por sua vez, apresenta-se como um autor que defende a concepção de capitalismo colonial. Isto porque compreende que a formação econômica do Brasil está diretamente ligada à expansão comercial dos países capitalistas europeus. Assim, o autor se permite dar maior ênfase ao problema do imperialismo, ou seja, domínio e exploração dos países colonizados pelas metrópoles.

O autor compreende e apresenta “a natureza da economia colonial como empresa mercantil exploradora dos trópicos e inteiramente voltada para o comércio internacional em que, embora peça essencial, não figura senão como simples fornecedor de produtos de sua especialidade”. Desta forma, “na organização

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Nestor Duarte, em sua obra publicada originalmente em 1939.

9 Caio Prado Junior, em sua obra publicada originalmente em 1939, no auge das discussões a respeito da origem feudalista ou capitalista da agricultura brasileira.

propriamente econômica, na sua estrutura, organização da propriedade e do trabalho, encontramos ainda, dominante, aquela influência” (Ibid., p.118).

Em 1955, Jacques Lambert (apud, TOPALOV, 1978) insere um conceito de “dualismo estrutural” e as estruturas sócio-políticas brasileiras, concomitantemente, adquirem natureza econômica e política.

Furtado (2008)10 também abordou este conceito, compreendendo que a principal explicação para o entrave ao desenvolvimento no Brasil se deu pelo caráter pré-capitalista de suas estruturas agrárias. No mesmo sentido, também compreende que “a ocupação econômica da terra americana constitui um episódio da expansão comercial da Europa” (Ibid., p.1). Apesar de compreender que o sistema colonial, envolvendo os países europeus, possui uma origem capitalista, as estruturas agrárias constituídas dele “regrediram a um estado semi-feudal depois de um longo processo de involução” (FURTADO, 1959, p.1, apud, TOPALOV, 1978, p.19).

Singer (1961)11 apresenta um entendimento diferenciado, que compreende a estrutura agrária brasileira como sendo formalmente capitalista com a presença marcante de elementos que se apresentam como “resíduos feudais”. Ou seja, apesar da presença de trabalhadores assalariados ou arrendatários, estes podem ser reduzidos a condição de servo através da exploração. A partir desta concepção, Topalov (1978, p.19) argumenta que a obra de Singer apresenta-se como um marco para a utilização correta das expressões “„resíduos feudais‟, „setor semi-feudal‟ ou „agricultura pré-capitalista‟”.

Laranjeira (1983)12 traz a argumentação de que as primeiras atividades econômicas não se deram pelo uso da mão-de-obra familiar, ou seja, os detentores do direito de exploração da terra utilizavam mão-de-obra alheia para produzir e desenvolver. Também argumenta que, através da apropriação da terra por sesmarias e sua exploração pelo trabalho escravo, a Metrópole objetivava suprir o mercado europeu. Seu intuito era “eminentemente comercial”.

O autor ainda descreve o Brasil colonial como sendo “1) colonialismo, como sistema político; 2) sesmarialismo, como sistema agro-jurídico; 3) escravismo, como sistema de trabalho; e 4) capitalismo, como sistema de produção” (LARANJEIRA, 1983, p.8).

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Celso Furtado, em sua obra publicada originalmente em 1959. 11 Paul Singer, em sua obra publicada originalmente em 1961.

Este posicionamento teórico - critico permite reconhecer a diversidade de opiniões sobre a compreensão da realidade colonial brasileira. Admitem-se, na presente investigação, os resquícios de características oriundas de diferentes fases do sistema feudal. No entanto, defende-se que não foi este o sistema que dominou a estrutura agrária brasileira. Isto se argumenta a partir da compreensão de que a colonização empregada no Brasil, bem como seu caráter exploratório, possuía como objetivo final a obtenção de lucratividade em prol da metrópole Portugal.

Desta forma, apesar da predominância de grandes latifúndios, originário das concessões entregue aos donatários, sua exploração estava voltada para o mercado europeu. Assim, a função destinada a estas terras era a produção para o atendimento das demandas do mercado metropolitano e demais países europeus e , conseqüentemente, gerar lucros para os exploradores e para a Coroa portuguesa.

Com isso, retomam-se aqui as palavras de Topalov (1978), concordando quando argumenta que “toda a história brasileira, desde o ciclo do açúcar até o ciclo do café, passando pelo ouro, borracha e algodão, é apenas um prolongamento da história mundial do capitalismo”.

Independente das discussões que permearam por décadas a origem da estrutura agrária brasileira, atualmente, é fundamental procurar entender e explicar como se deu a expansão do sistema capitalista de mercado no campo brasileiro, assim como compreender como se dá hoje a influência deste capital na estrutura produtiva atual.