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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

2.4 A implantação do modelo na área cultural

Poucos foram os governos que investiram esforços na área cultural e adotaram o modelo de Organizações Sociais. O Estado de São Paulo apostou nessa alternativa. Atualmente, a visão obtida sobre o modelo para a área é, amplamente, a melhor possível, conforme o depoimento: “O sistema de OS é a maior revolução na cultura, do ponto de vista da gestão, da história da cultura [...] não tem só ganhos porque ele é um modelo novo, tem oito anos e tem algumas coisas que devem ser azeitadas” (Coordenador da SEC 1).

Apesar de a lei estadual que autorizou a qualificação de entidades como Organização Social ter sido aprovada em 1998, e no mesmo ano já se assinar o primeiro contrato de gestão de Organização Social na área da saúde, o mesmo só aconteceu na área cultural em novembro de 2004; é preciso reconhecer que essa demora da cultura se deve em grande parte às discussões ainda incipientes no próprio setor, iniciadas efetivamente só após a aprovação da

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Decreto nº 43.393, de 29 de setembro de 1998; Decreto nº 50.6011, de 30 de março de 2006; Decreto nº 53.330, de 18 de agosto de 2008.

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Decreto nº 43.493, de 29 de setembro de 1998; Decreto nº 50.941, de 5 de julho de 2006 e Decreto nº 51.916, de 20 de junho de 2007.

lei, tanto dentro do governo, quanto fora dele, junto à opinião pública.

A partir da implantação desse modelo, tornou-se competência da Secretaria de Cultura definir, formular e fiscalizar as políticas; e da sociedade civil, executar os serviços com maior autonomia do que a eventualmente existente na administração direta.

[As OS] permitem você aliar a definição das políticas culturais por parte da SEC, claro, e contratar entidades que tem um quadro especializado na gestão de equipamentos culturais, seguindo regramentos no uso dos recursos (Coordenador da SEC 1).

Até o processo de implantação do modelo, todos os espaços, projetos culturais e corpos estáveis da SEC eram parte exclusiva da administração direta, contratados por meio de vínculos precários de trabalho; faltava mão-de-obra especializada; havia carência de concursos públicos para o devido preenchimento de vagas; o orçamento para a maioria dos equipamentos culturais e projetos era baixo; e praticamente não havia um planejamento amplo, nem tampouco mecanismos de monitoramento e avaliação das políticas executadas, tampouco amplo planejamento. Nesse cenário desfavorável da administração direta, alguns espaços e projetos até avançaram ao longo dos anos, graças ao empenho de seus gestores, e de uma eventual decisão estratégica de investimento por parte do governo, mas foi o subsequente desenho de uma política pública com bases sólidas, a promoção da melhoria da infraestrutura, e o aumento do orçamento os fatores decisivos para propiciar esses avanços pontuais.

Ao que tudo indica, o modelo tradicional da administração direta traz rigidez à área cultural, em suas especificidades, distintas dos demais setores da administração pública. A produção cultural e artística não apenas lida com o que há de único em cada proposta ou forma de expressão, mas está por definição em estado de permanente renovação, o que não ocorre com frequência em outras áreas do setor público. A inadequação das formas de seleção (concurso público) e de vínculo (estabilidade/plano de carreira) para selecionar músicos ou bailarinas, a falta de agilidade e flexibilidade para efetuar contratos temporários com profissionais especializados sempre foi parte dos obstáculos encontrados na área cultural dentro do serviço público. Por fim, a tradicional dificuldade de implementação, característica dos setores governamentais, o sucateamento de equipamentos culturais, o baixo índice de ocupação e visitação dos espaços voltados à cultura, a diminuta equipe técnica de funcionários públicos existente no corpo da Secretaria de Estado da Cultura à época ampliaram as fragilidades já existentes e aguçaram a percepção do governo sobre a

necessidade de atuar mais ativamente na área cultural.

Nesses oito anos, vejo que a secretaria teve uma trajetória de crescimento, mas não tem uma infra-estrutura administrativa adequada. A Cultura não pode ter o mesmo tratamento de outras áreas do Estado. Não tem sentido, por exemplo, um músico só poder ser contratado como funcionário público. A gente não conseguiu encaminhar isso no âmbito do governo. Ela [Cláudia Costin] estará focada nisso, afirmou Marcos Mendonça, secretário da Cultura de 1994 a 2002, ocasião da posse da nova secretária (MATTOS, 2003).

Na outra ponta, as instituições que poderiam se qualificar como Organizações Sociais tinham dúvidas se o orçamento seria suficiente para realmente manter o funcionamento das instituições; se os créditos orçamentários seriam efetuados nas datas previstas; se o orçamento disponível para o processo de implantação das novas instituições seria suficiente, considerando que teriam obrigações, apontadas em lei e pactuadas nos contratos de gestão, que implicariam necessariamente maiores custos. “Não dá para crer que o Estado vá honrar compromissos. Se o Estado não pagar, como fica a instituição?”, questiona Ricardo Othake, diretor da Associação de Amigos do Museu da Imagem e do Som (MIS) (CYPRIANO, 2004).

Há riscos, mas vejo mais vantagens. No sistema atual, se eu não repassar verba para uma instituição, ela tem de ficar quieta, pois é subordinada a mim. No novo modelo, é independente e pode ir aos jornais, pois a OS tem mais autonomia, afirma Claudia Costin (IDEM).

Após a implantação do modelo, o orçamento da SEC foi aumentando gradativa e substancialmente, parte por pressão das OS, parte porque a secretaria passou a dispor de mecanismos previstos legalmente nos contratos de gestão e em relatórios periódicos obrigatórios, para aferir resultados e visualizar gastos efetivos. Essa possibilidade de aumentar o orçamento devido a novos dispositivos de gestão disponibilizados pela reforma do Estado é um ganho do processo, ao qual, entretanto, não se recorre normalmente, uma vez que o 'corte de custos' continua sendo um dos objetivos das reformas, como aponta Kettl (2006), e se torna um dos grandes dilemas das reformas: é preciso “organizar governos que funcionem melhor e custem menos” e, contudo, essa tática governamental de focar no corte de custo funciona em curto prazo, quando os resultados são mais factíveis (KETTL, 2006 p.76).

À época da implantação do modelo, a homogeneização e simplificação dos contratos de gestão foram a opção, uma vez que não havia indicadores claros ou metas definidas, nem

tampouco havia consolidação do monitoramento e avaliação das ações na administração direta. Havia sim a dificuldade em mensurar o grau de importância das ações propostas nos CG e o orçamento necessário para essa execução. Conforme a então Secretária Cláudia Costin, “a estrutura do primeiro contrato de gestão foi propositadamente simples. Era importante testar o novo modelo antes de se estabelecer um conjunto de metas mais complexas e desafiadoras” (COSTIN, 2005 p.10).

Ao longo dos anos seguintes, os contratos vêm sendo aprimorados lentamente, assim como o próprio desenho do plano de trabalho, porém a adequação das metas quantitativas ainda é maior do que a das qualitativas, redundando insuficiente para a consolidação do modelo na área. As metas destinadas a medir a qualidade são cruciais a esse modelo – nesse tipo de parceria – uma vez que o foco é nos resultados, e não mais procedimentos normativos e administrativos.

Ao mesmo tempo, a própria Secretaria de Estado da Cultura deveria passar por um período de laboriosa transformação na sua estrutura interna e na cultura organizacional existente, o que implicaria novas funções aos funcionários que permanecessem no quadro governamental. Essa preparação deveria ter início a partir do treinamento e capacitação de sua equipe, o que praticamente não ocorreu, enquanto as mudanças institucionais já em curso por meio das Organizações Sociais e as correspondentes mudanças culturais que o modelo acarreta requerem cada vez mais um processo de capacitação contínua para a equipe governamental. A problemática da gestão, que trata da implementação propriamente dita, demanda equipes preparadas para exercerem a nova função, pois embora, a dimensão prioritária continue sendo a institucional, as demais assumem importância vital ao sucesso, ou fracasso, das OS em andamento.

O início do trabalho não foi fácil. Mudanças políticas no governo fizeram com que tivesse de sair do governo em maio de 200550, antes de consolidado o processo. Uma nova equipe assumiu sem que um conhecimento de como monitorar contratos de gestão tivesse se consolidado na secretaria ou que as OS se sentissem confortáveis no novo papel (COSTIN, 2005 p.10).

Nos anos de 2003 e 2004, época inicial do processo de implantação do novo mecanismo de gestão na Secretaria de Estado da Cultura, a classe artística, jornalistas e gestores da área expressaram críticas e receios que perduram em menor escala até hoje, sem que as possibilidades do modelo nisso se esgotem.

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Muitos dos motivos alegados contra a publicização decorrem do desconhecimento sobre a diferença entre a publicização e a privatização, a atuação do Estado, as potencialidades e as formas de controle do modelo [...] a resistência à mudança também desempenha um papel muito forte (FREITAS, 2010 p.71).

A implantação do modelo ocorre com o propósito de garantir melhor qualidade nos serviços prestados ao cidadão, baseado no fato de que o Estado não é capaz de oferecer o variado número de serviços que lhe cabe, assim como não é eficiente o bastante para responder às necessidades da população (BRESSER, 2006).