• Nenhum resultado encontrado

A importância da literatura e da mediação do professor na formação do aluno

Não se aprende a ler nem mesmo se encontra motivação para a leitura somente ouvindo falar sobre os autores, suas obras e carac- terísticas de cada uma delas. Tais práticas afastam o aluno da lite- ratura, quando se espera que a escola os aproxime. Não se pode afirmar, porém, que informações contextualizadas historicamente sejam desprezíveis, pois, segundo Franchetti (2009, p. 5), “é o passado que dá sentido ao presente da literatura. Uma obra solta no tempo não tem significação literária”. E acrescenta:

A mais rica fruição da literatura pressupõe ainda um exercício amplo da cultura, naquilo que ela tem de relação com o passado, de continuidade, de ponte a transcender os limites do tempo e as formas de sensibilidade do presente (FRANCHETTI, 2009, p. 5).

Entretanto, apenas a historicidade não é suficiente. Observa-se, também, com bastante frequência, a fragmentação de textos lite- rários em materiais didáticos, o que desprestigia a arte literária. A leitura do texto literário no livro didático deveria, portanto, ser um convite à leitura da obra completa. Não se pode negar ao aluno o contato com a literatura, pois ela “faz girar saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse indi- reto é precioso” (BARTHES, 2000, apud SALGUEIRO, 2008, p. 18).

O livro didático é um importante instrumento utilizado no processo de ensino-aprendizagem e espera-se que colabore na formação da capacidade leitora dos educandos, valendo-se dos cami- nhos percorridos na literatura. Pois, segundo Salgueiro (2008), a lite- ratura transforma mentes a todo momento. Ainda sugere aos profes- sores se deixarem “superfluir”, como faz a literatura. E, em vez de impor a verdade, questioná-la, privilegiando um olhar plural, semio- lógico. É preciso potencializar esse instrumento de aprendizagem para que possa criar condições ao leitor em formação de se encontrar com a literatura propriamente dita. Como afirma Compagnon (1995, p. 51): “A literatura nos ensina a melhor sentir, e como nossos sentidos não têm limites, ela jamais conclui, mas fica aberta”.

O processo de escolarização da literatura no livro didático de Língua Portuguesa passa por questões políticas, sociais, históricas e culturais, sendo a leitura literária uma atividade que estimula a postura reflexiva e possibilita ao leitor o desenvolvimento da sua intelectualidade e criticidade, de modo a inserir-se na realidade social que o cerca. Dessa forma, os estudos literários tornam-se uma ameaça para um governo dominador. Como destaca Franchetti,

O processo da leitura promove um deslocamento da pers- pectiva, um entregar-se a tudo que se move no texto, que é o que faz da literatura uma arte e não uma ciência [...]. Esse deslocamento, esse mergulhar no texto, na vivência dos sentimentos e das paixões que ele expõe, faz da lite- ratura uma forma eficaz de convencimento, de moldagem de opiniões – fato reconhecido por todos os governos auto- ritários, que veem (e com razão) na arte e na literatura em particular uma ameaça à sua vontade de dominação (FRANCHETTI, 2009, p. 2-3).

O texto literário apresenta um potencial inesgotável para ampliar o universo de significados na existência humana. Como afirma Paulino (2004, p. 56):

A formação de um leitor literário significa a formação de um leitor que saiba escolher suas leituras, que aprecie cons- truções e significações verbais de cunho artístico, que faça disso parte de seus afazeres e prazeres. Esse leitor tem de saber usar estratégias de leitura adequadas aos textos lite- rários, aceitando o pacto ficcional proposto, com reconhe- cimento de marcas linguísticas de subjetividade, intertex- tualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada, em aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção.

Sendo assim, não é possível esperar que o aluno por si só chegue a um nível de compreensão satisfatório do texto literário. Isso decorre de um longo aprendizado, que precisa de mediação paciente do professor. Não basta colocar o leitor diante do texto; é preciso desenvolver um trabalho de treinamento. Será que as atividades propostas nos livros didáticos de interpretação e compreensão textual possibilitam a formação de um aluno leitor? E a seleção dos textos literários nos livros didáticos objetiva à formação do leitor literário? Infelizmente, a resposta nem sempre é afirmativa. Então, percebe-se a importância do professor frente à formação do leitor. O livro didático deve ser, portanto, apenas um dos recursos à sua disposição nesse processo educativo. Eis aí o agente mais impor- tante no manejo do livro didático: o professor.

Sabemos que o livro didático exerce grande influência no exer- cício de inúmeros professores atuantes na Educação Básica, pois muitos desses profissionais praticamente só possuem o livro didá- tico para o preparo das aulas. Pudera todo professor ter se formado como leitor e amante do texto literário. Dessa forma, o ensino seria de fato influenciado pelas experiências com a leitura, e a mediação seria embasada na oferta de obras que retomassem todo o contexto cultural, político e social em questão.

Ciente dessa realidade, cabe ao professor, a partir das suas condi- ções de realidade e de trabalho, ao usar o livro didático, enriquecer

essa ferramenta com outros livros, obras e relatos de sua própria vivência como leitor. Nesse sentido, é imprescindível ressaltar a importância do investimento em capacitação do professor, oportu- nizando o diálogo e a troca de conhecimentos com outros profis- sionais, de forma a conduzir o contato com novas práticas de abor- dagem do texto literário.

Ressaltamos, também, que as mudanças necessárias para ampliar as possibilidades de uso dos livros didáticos não dependem apenas das experiências acadêmicas praticadas no período de formação regular. As condições de trabalho nas quais os professores atuam constituem elementos condicionantes no exercício docente, além da continuidade de formação.

A literatura, segundo Candido (2004), é um bem incompressível e um direito do homem, direito que não pode ser negado a nenhum indivíduo. Cada professor de Língua Portuguesa deve ter essa cons- ciência. E não podemos nos esquecer de que “sendo o objeto da lite- ratura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um conhe- cedor do ser humano” (TODOROV, 2009, p. 92-93).

3. As possibilidades do trabalho literário no livro didático e as