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Uma análise da abordagem literária do livro didático de Língua Portuguesa adotado na Rede Municipal de Vila Velha ES

Neste capítulo, realizamos uma análise da abordagem do ensino da literatura no livro didático de Língua Portuguesa, do Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano, adotado pela Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) - ES para os anos letivos de 2014 a 2016.

O livro didático de Língua Portuguesa adotado por todas as escolas da rede é o mesmo: Singular & Plural: Leitura, produção e estudos de linguagem, dos autores: Laura de Figueiredo, Marisa Balthazar e Shirley Goulart. Vale ressaltar que esse material foi escolhido pelos professores da rede no ano de 2013, nos encontros de formação. Todos os professores de Língua Portuguesa foram convidados a

participar da análise e escolha do livro em um encontro coletivo da rede, a fim de que todo município trabalhasse com um único mate- rial. O formador orientou a escolha e, em grupos, os professores verificaram se os livros atendiam aos critérios estabelecidos pelo PNLD e às necessidades do município.

O livro está dividido em três partes: Caderno de leitura e produção, em que o destaque das atividades está voltado para a leitura e produção de textos orais e escritos; Caderno de estudos de língua e linguagem, cujas atividades apresentam as regras da gramática normativa para o uso das normas urbanas de prestígio, mas sem deixar de considerar a existência das outras variedades da língua; e um Caderno de práticas de literatura. O diferencial do livro em análise está exatamente nesta última parte, visto que, na maioria dos livros didáticos do Ensino Fundamental, os gêneros literários se apresentam “diluídos” em todo o livro didático, e esta coleção apresenta um caderno específico desti- nado à abordagem mais enfática da leitura literária, compreensão e produção dos gêneros apresentados.

O livro também traz alguns gêneros literários no Caderno de leitura e produção, entretanto, é no caderno específico que a litera- tura é trabalhada de forma mais ampla, configurando-se como um convite à leitura de diferentes gêneros textuais que dialogam com outras linguagens artísticas e finaliza com uma oficina literária. Para cada série, o caderno de práticas aborda um determinado tema. No 6º ano, o objetivo é levar o aluno a conhecer melhor a biblio- teca da escola e apresentar os diferentes gêneros literários que lá estão. No 7º ano, inicia-se um trabalho mais específico em relação ao gênero, e o tema escolhido para leitura, diálogos e oficinas é a poesia. No 8º ano, o caderno apresenta os contos de enigmas e os contos fantásticos. Já no 9º ano, há uma proposta de experimentar a linguagem teatral, por meio do gênero teatral escrito.

Consultamos doze professores de Língua Portuguesa da rede municipal de Vila Velha, de seis escolas diferentes, sobre o uso do Caderno de práticas literárias. Cinco professores disseram que não

utilizam esse caderno, por considerarem os textos longos, cansa- tivos e que o conteúdo não agrada aos alunos. Além disso, as ativi- dades foram classificadas por eles como de difícil compreensão para a turma. Quando perguntados sobre como trabalham a litera- tura, esses professores responderam que preferem levar os alunos à biblioteca para a escolha de livros de interesse pessoal, ou utilizar apenas o tema sugerido pelo livro didático e trabalhar outros textos e filmes que dialoguem com o gênero sugerido.

Das professoras que utilizam o material, uma considera o Caderno de práticas de literatura regular, cinco o consideram bom e uma o considera ótimo. Todos os professores que usam o caderno afirmaram que para fazerem um bom trabalho é necessário esco- lher os textos mais apropriados para a turma e utilizar algumas sugestões das atividades de oficina literária. Uma professora do 9º ano disse que sempre aproveita o tema do texto teatral escrito para fazer uma apresentação na escola, abordando outros textos que não são apresentados no livro didático.

Constatamos aqui que, para a maioria dos professores entrevis- tados que usam o Caderno de práticas literárias, há uma conside- ração ao caráter inspirador para o trabalho com a literatura, visto que os gêneros apresentados são utilizados total ou parcialmente e que, a partir do tema, conseguem desenvolver aulas mais dinâmicas e criativas. De acordo com Eagleton (2003), a forma de abordagem de um texto literário é tão importante que “A definição de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido”.

Como o professor de Língua Portuguesa tem como um de seus objetivos formar bons leitores, fica a indagação se ele próprio teve essa formação enquanto aluno e se usa os textos selecionados para o livro didático apenas como suporte pedagógico ou sob a ótica de um leitor, como um texto literário. Todorov (2009) fala da literatura em perigo, alertando exatamente a respeito de como a literatura tem sido oferecida aos jovens, desde a escola primária até a faculdade.

[...] o perigo não está no fato de que, por uma estranha inversão, o estudante não entra em contato com a literatura mediante a leitura dos textos literários propriamente ditos, mas com alguma forma de crítica, de teoria ou de história literária. [...] Para esse jovem, literatura passa a ser então muito mais uma matéria escolar a ser aprendida em sua periodização do que um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim, sobre a vida íntima e pública (TODOROV, 2009, p. 10).

Por isso, acreditamos que o professor de literatura deve ser antes de tudo um amante de livros, que no decorrer de toda a sua vida profissional ele se forme intelectual e pedagogicamente, e que, apesar das condições de trabalho ou dos livros didáticos que ele tenha acesso, ele consiga ser criativo e um bom mediador entre o conhecimento e o aluno.