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A importância das imagens sagradas

No documento monicagiraldohortegas (páginas 32-35)

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

2.1.3 A importância das imagens sagradas

Jung estudou tanto tradições religiosas orientais quanto ocidentais. Segundo ele, as religiões perdem muito do seu conteúdo simbólico, ao manter a atenção apenas nas

      

44 Em nota dos editores, diz-se que este comentário de Jung foi redigido no ano de 1948. Dois anos depois, a assunção de Maria foi categorizada como dogma pela igreja católico-romana, através do Papa Pio XII (1876-1958) (NIEHUS-JUNG; HURWITZ-EISNER; RIKLIN; JUNG-MERKER; RÜF, 2013, p. 78).

 

imagens externas e na formalidade dos ritos45. Para este autor, na religiosidade oriental toda a atenção e preocupação está voltada para o interior do homem. Este interior a que Jung se refere pode, em termos orientais ser chamado de mente. O conceito mente poderia ser traduzido, nas palavras de Jung, como o próprio inconsciente (JUNG, 2012e, p. 21). A psique seria a condição única e fundamental da existência (JUNG, 2012e, p. 17). O que tem valor são as imagens psíquicas e toda vida jorra dela (JUNG, 2012e, p.19). Como diz Jung:

Mas o fiel, de mentalidade superficial e formalística, transforma esse modelo num objeto externo de culto; a veneração desse objeto o impede de atingir as profundezas da alma, a fim de transformá-la naquela totalidade que corresponde ao modelo. Dessa forma, o mediador divino permanece do lado de fora, como uma imagem, enquanto o homem continua fragmentário, intocado em sua natureza mais profunda (JUNG, 1990, pp. 20-21).

A meta da contemplação dos processos representados na mandala seria a de que o crente perceba seu aspecto divino, seja como Buda, seja como Cristo, no interior de sua própria psique. Mas isto, segundo Jung, não acontece na tradição cristã. Já no Oriente, a contemplação da mandala faz com que o iogue perceba interiormente a Deus e através dela, reconheça a si mesmo como Deus46, “[...] retornando assim da ilusão da existência individual à totalidade universal do estado divino” (JUNG, 2012c, p. 361).

A atitude religiosa ocidental que valoriza a imagem de Cristo em seu aspecto objetal, segundo Jung, inviabiliza a relação do divino com o homem interior e a alma se torna esvaziada. Psique e vida religiosa devem funcionar juntas. Se a psique não desempenha seu papel, a vida religiosa se torna também mera exterioridade (JUNG, 1990,pp. 21-22). Esta postura não faz Jung negar a existência de Deus (JUNG, 2011b, p. 262). Muitos foram os autores que o criticaram. Dentre eles está o filósofo Martin Buber (1878-1965). Segundo Jung, Buber não soube compreender suas explicações acerca da experiência psíquica (JUNG, 2011b, p. 258). A psique e suas imagens arquetípicas não negam a existência de seres metafísicos, porém se situam dentro do limite do empiricamente demonstrável. E é esta atuação da psique a preocupação maior de Jung. Para ele, o único possível Tu que se pode falar sobre ou experimentar ocorre

      

45 Ocorre aqui uma generalização por parte de Jung, que não cabe em toda a extensão do cristianismo. O próprio Jung aborda os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, como exemplo de interiorização e trabalho profundo da alma (JUNG, 2012c, p. 135).

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 Jung aborda o conceito Deus de diversas maneiras. Há em alguns momentos a concepção de Deus como metafísico e em outros, como deidade. Este tema será aprofundado mais adiante.

 

apenas como afirmação humana, isto é, psíquica (JUNG, 2011b, p. 261). É nela que se encontra a relação com o Outro (JUNG, 1989, p. 54).

Mesmo que o cristão aceite a tradição, os dogmas e as imagens sagradas, mas estas não adentrarem o íntimo de sua psique, ele não se constituirá como uma pessoa plena e integrada. Grande parte de sua psique será ainda desconhecida. Para Jung, ela permanece inconsciente, arcaica e pagã. E seguindo suas palavras:

A cultura cristã mostrou-se assustadoramente vazia: nada mais do que um verniz externo, porquanto o homem interior permaneceu intocado, alheio à transformação. Sua alma não corresponde às crenças exteriores. O Cristo em sua alma não acompanhou o desenvolvimento exterior. Sim, exteriormente tudo aí está, na imagem e na palavra, na Igreja e na Bíblia, mas o mesmo não se dá, dentro. No interior, reinam os deuses arcaicos, como nunca; ou melhor, a correspondência entre a imagem interna e externa de Deus não se desenvolveu por carência de cultura anímica, ficando retida no paganismo. A educação cristã fez o humanamente possível, mas não bastou. Poucos experimentaram a imagem divina como a qualidade mais íntima da própria alma. Apenas travaram conhecimento com um Cristo exterior, e nunca a partir do íntimo de sua alma; este é o motivo pelo qual dentro dela reina ainda o mais obscuro paganismo. E é o paganismo que inunda a chamada cultura cristã [...] (JUNG, 1990, p. 24).

A conduta de valorizar os objetos externos de culto, segundo Jung, não transforma o homem; impossibilita que ele possa atingir a plenitude do simbolismo da totalidade, representada na mandala. Se segue a imagem de Cristo, seria coerente seguir profundamente seu modelo, tornando-se semelhante a ele, transformando-se na totalidade do próprio Cristo (JUNG, 1990, pp. 20-21). Religião, para Jung, não se refere apenas à teoria, conceitos e tradições de fé, mas ao que é experimentado interiormente (JUNG, 1990, p. 26). Essa vivência interna implica experimentar as imagens sagradas como sendo da própria psique (JUNG, 1990, p. 24). Para Jung, desde os tempos primitivos,

[a] humanidade sempre teve em abundância imagens poderosas que a protegiam magicamente contra as coisas abissais da alma, assustadoramente vivas. As figuras do inconsciente sempre foram expressas através de imagens protetoras e criativas, e assim expelidas da psique para o espaço cósmico (JUNG, 2012c, p.21).

Mas estas imagens teriam sido perdidas no mundo moderno. Com o Renascimento, o mundo religioso foi dando lugar ao pensamento lógico e racional. Não mais para o alto e para o céu, mas o foco voltou-se para baixo, para a natureza, para o corpo, para a terra (JAFFÉ, 2008, pp. 329-330).

 

Para Jung, “a iconoclastia da Reforma abriu literalmente uma fenda na muralha protetora das imagens sagradas e desde então elas vêm desmoronando umas após as outras. Tornaram-se precárias por colidirem com a razão desperta” (JUNG, 2012c, p. 21). Houve uma inversão da concepção que o homem fazia do mundo. Na própria arquitetura dos templos, o centro dos círculos das igrejas redondas, lugar do sagrado, foram esvaziados (JAFFÉ, 2008, p. 330).

A solução, entretanto, não estaria em seguir cegamente as tradições do Oriente47. Isto, para Jung, seria apenas fingir possuir uma tradição à qual não se pertence, como herança, ao Ocidente. Por mais que o Ocidente tenha desperdiçado a herança da simbologia cristã, ela ainda existe (JUNG, 2012c, p. 23). Haveria ainda um caminho, para recuperar esta herança? Pensar no simbolismo da mandala e no processo que ocorre em seu centro colabora com esta reflexão.

2.2. O VAZIO DO CENTRO DA MANDALA

No documento monicagiraldohortegas (páginas 32-35)

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