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Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini ensinam que:

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal.151

O art. 29 do Estatuto de Roma determina que os crimes sob sua jurisdição são imprescritíveis.152 A Constituição Federal, por outro lado, dispõe que são imprescritíveis a prática do racismo (art. 5º, inciso XLII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5°, inciso XLIV).153

Diante deste contraste, surge a seguinte resistência, conforme coloca Eneida Taquary:

Também a imprescritibilidade dos crimes previstos no Estatuto de Roma, constante do art. 29, se apresenta controvertida, porque o direito interno somente prevê, por intermédio de norma constitucional, inserta no art. 5°, incs, XLII e XLIV, a imprescritibilidade dos crimes de racismo e a “ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democratico”. Para todos os demais crimes previstos no ordenamento jurídico nacional opera-se a prescrição, nos termos do art. 109 do Código

____________________________ 151

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral, arts. 1° a 120 do

CP. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 386. 152

BRASIL. DECRETO Nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal

Internacional. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm> Acesso em: 01 set. 2011.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,

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Penal. A regra da imprescritibilidade, como outras mencionadas, colide com as normas constitucionais brasileiras.154

Ocorre que, em contraponto a este argumento, sustenta-se que a Constituição não veda a imprescritibilidade, abrigando em seu próprio texto esta possibilidade. Ou seja, a própria Carta Magna não fixa a prescrição como uma regra geral.155

Renata Mantovani e Marina Martins compartilham do mesmo entendimento e acrescentam o seguinte aspecto:

[...] a responsabilidade por estipular a lista das infrações abrangidas pela previsão constitucional de imprescritibilidade é do legislador infraconstitucional; mas desde que os atos desrespeitem os princípios da dignidade da pessoa humana e os fundamentos da República Federativa do Brasil. Por essa lógica tanto a prescrição quanto a previsão de imprescritibilidade endossam os direitos fundamentais. O primeiro, ao dirigir-se para o autor do delito, o segundo, em relação à vítima e, indiretamente, à sociedade.156

Entende-se, assim, que é perfeitamente possível a ampliação do rol de crimes imprescritíveis, além daqueles já previstos na Carta Política, uma vez que imperiosa é a proteção aos direitos humanos, totalmente e amplamente acobertados pela ordem constitucional. Ademais, observa-se que os crimes previstos no Estatuto de Roma apresentam certamente um grau de ilicitude equiparado ou até maior do que aqueles crimes que a própria Constituição previu como imprescritíveis. Portanto, estamos diante, mais uma vez, de uma aparente dissonância entre a Constituição Federal Brasileira e o Estatuto de Roma.

____________________________ 154

TAQUARY, Eneida Orbage de Britto. Tribunal penal internacional & a emenda constitucional 45/04.

Curitiba: Juruá, 2008, p. 227. 155

CARVALHO, Salo de. Os fundamentos do tribunal penal internacional e sua incorporação no direito

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os fundamentos e a aplicabilidade do Tribunal Penal Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 86. 156

LIMA, Renata Mantovani de; BRINA, Marina Martins da Costa. Coleção para entender: o tribunal penal

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CONCLUSÃO

Pela leitura dos acontecimentos históricos apontados neste trabalho, observamos que o Tribunal Penal Internacional nasceu com o evidente propósito de não mais admitir a impunidade aos mais variados atos de desumanidade. Sua jurisdição permanente não dá azo ao desrespeito a preceitos fundamentais no campo do direito penal, seja ele internacional ou nacional, como aconteceu nos tribunais ad hoc estabelecidos no decorrer do Século XX.

No passado, diversos foram os episódios de violação aos direitos humanos que restaram impunes. Isto porque a soberania era tida como uma norma rígida e fundamental nas relações entre os Estados. Com o advento do TPI espera-se não mais admitir que a soberania de uma nação seja admitida como barreira à devida punição destes atos.

Em suma, esta Corte é fruto de um processo atual de relativização do conceito de soberania. Trata-se do reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos no âmbito internacional. O Estatuto de Roma consagra esta idéia abarcando o princípio da responsabilidade penal internacional dos indivíduos.

Diversamente do que pode parecer à primeira vista, contudo, o Tribunal Penal Internacional não pretende esvaziar as competências dos Estados para punir os crimes previstos no seu tratado instituidor, sua atuação se dará a base da complementaridade, ou seja, apenas quando houver falência ou inércia das vias internas. A prioridade atribuída aos Estados para investigar e julgar os delitos previstos no Tratado de Roma torna o acionamento da Corte limitado a circunstâncias excepcionais. Reverencia-se, assim, o princípio da complementaridade.

Nesse entendimento, os Estados nacionais devem estar com suas legislações internas municiadas a fim de reprimir quaisquer dos crimes previstos no Estatuto de Roma ou, quem sabe, vir a cooperar com o TPI. Apesar de o Brasil ter incorporado formalmente este Tratado, ainda não existe uma previsão interna saneando todas as lacunas e é com este propósito que foi apresentado o Projeto de Lei 4.038/2008 ao Congresso Nacional, estudado na presente monografia.

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Não obstante a incorporação formal e as providências que o Estado brasileiro vem tomando a fim de internalizar de vez o Estatuto de Roma, bem como o advento da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 que reconheceu o status constitucional dos tratados de direitos humanos, ainda paira no cenário jurídico interno uma desconfiança quanto à compatibilidade entre este Diploma Internacional e a Constituição Federal Brasileira. Como se objetivou demonstrar trata-se de conflitos meramente aparentes.

Quanto à pena de prisão perpétua, prevista como uma das penas possíveis no Estatuto de Roma, verificou-se que, embora a Constituição Federal a vede expressamente, seu texto admite pena bem mais severa, a pena de morte, a aplicar-se em determinados casos que se afiguram análogos àqueles previstos no Tratado. Ademais, o Estado brasileiro não tem que modificar sua legislação interna no sentido de prever essa espécie de pena, conforme o art. 80 do próprio Estatuto.

Outro argumento capaz de refutar tanto este suposto conflito, como o relativo à irrelevância da qualidade oficial prevista no Estatuto de Roma (em face de algumas previsões constitucionais de prerrogativa de foro ou imunidade), diz respeito à utilização de uma interpretação sistemática da Constituição Federal. O texto constitucional possui verdadeiro arcabouço principiológico no sentido de garantir a proteção dos direitos humanos e até a criação de um tribunal garantidor destes direitos (TPI). Desta maneira, todo este conjunto de princípios deve prevalecer sobre estas normas que, embora constitucionais, constituem previsões mais específicas (aproximam-se de regras).

Igualmente demonstrada foi a diferença entre os institutos da extradição e o da entrega de nacionais. A extradição consiste no ato de entrega de um indivíduo por um Estado a outro Estado. Por outro lado, o instituto da entrega é realizado por um país a um órgão, cuja construção o próprio Estado ajudou a realizar. Ora, desta maneira, a previsão da Constituição Federal que veda a Extradição de nacionais permanece intacta.

Sobre a regra do Estatuto de Roma que prevê a imprescritibilidade de todos os crimes ali previstos, conclui-se que há outra irreal inconstitucionalidade, porquanto a própria Carta Magna admite esta cláusula de imprescritibilidade para alguns crimes, sendo possível a ampliação deste rol no plano internacional.

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Finalmente, sobre todos estes pontos, há que se ter em mente que os direitos e garantias previstos na Constituição Federal se aplicam nas relações entre o Brasil e os indivíduos em seu território. Sob esta lógica, pode-se afirmar com precisão que estes mandamentos constitucionais orientam o ordenamento jurídico interno e não o internacional, onde se situa a atuação do Tribunal Penal Internacional.

Conforme mencionado neste trabalho monográfico, o foco a ser analisado não é o do Direito Penal Brasileiro, mas, sim, do Direito Penal Internacional. As normas do Tratado de Roma não podem ser consideradas contraditórias às nacionais considerando que são aplicadas em esferas jurisdicionais distintas.

Com estes argumentos, conclui-se que é possível a coexistência pacífica entre o ordenamento constitucional brasileiro e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

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