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A incorporação do futebol aos espetáculos

O período entre 1898 e 1901 foi difícil para os espetáculos esportivos. Em boa parte a crise se devia ao agravamento da conjuntura econômica, provocada pela queda dos preços internacionais do café. 215 Até aquele momento o declínio do valor da saca de café em libras esterlinas não havia sido sentido diretamente pelos fazendeiros porque a moeda nacional se desvalorizava e a conversão cambial minimizava as perdas sofridas no comércio externo. Os cafeicultores procuraram compensar a crescente baixa nas cotações pela expansão das lavouras. Até que o aumento da produção saturou o mercado consumidor. A oferta excessiva fez despencar o valor da saca, um problema que se repetiria nas décadas seguintes. O governo federal foi obrigado a decretar moratória da dívida pública, o presidente Campos Salles seguiu para Londres e negociou um acordo de rolagem com os banqueiros estrangeiros. O abatimento causado pela situação financeira foi sentido em todo o país. As exibições esportivas com apostas estiveram entre os setores que sofreram com maior rapidez e intensidade a queda de arrecadação. Em 1899, o corredor francês Armand Tonglet escreveu uma carta do Rio de Janeiro para a revista parisiense Journal des Sports onde recomendava aos seus compatriotas: “não venhais ao Brasil, os negócios vão mal, muito mal, e a febre amarela vos espera no desembarque”. 216

Portanto, quando Otto Huffenbacher arrendou o velódromo da Consolação, em 1898, a conjuntura era bastante desfavorável. 217 A partir daquele momento ele era um empresário, não um diretor de clube amador. Otto promoveu a exploração comercial do estádio. Franqueou a entrada nos dias de semana para alugar bicicletas e dar aulas de ciclismo, inclusive para mulheres. Cobrou taxas para quem quisesse treinar na raia.

215 FAUSTO, Boris. Expansão do café e política cafeeira. In: ______. História Geral das Civilizações. v.

8, t. 3. São Paulo: Difel, p. 196-209.

216 Cf. Correio Paulistano, 8 set. 1899, p. 2. 217 Correio Paulistano, 24 mar. 1898, p. 2.

Alugou a pista para clubes ciclísticos que quisessem organizar as suas próprias corridas. Contratou mecânicos para oferecer oficina de consertos – entre eles estava o imigrante italiano Luigi Caloi, que mais tarde abriu sua própria oficina, na rua Barão de Itapetininga, semente da futura fábrica de bicicletas. 218 Atraiu alguns dos melhores corredores, brasileiros e estrangeiros, com grandes prêmios. 219

Fig. 29. Anúncio do Correio Paulistano, 1898, valorizava o confronto entre brasileiros e franceses.

Embora o Velódromo Paulista ainda tivesse dias de casa cheia, a frequência tendeu ao declínio. A empresa de Otto ficou vulnerável às denúncias de fraudes, foram diversas as suspeitas levantas contra ciclistas, bookmakers e a própria casa. Vale citar alguns exemplos curiosos. No dia 12 de junho de 1898, com as pules vendidas e os guichês de apostas já fechados, dois corredores franceses, Tonglet e Barreyre, se declararam em greve e exigiam que o redator do jornal O Sport pedisse perdão pelas insinuações de fraudes lançadas contra eles. E não correram mesmo. Otto teve que devolver o dinheiro arrecadado. 220

Ao noticiar as corridas realizadas no dia 4 de setembro de 1898, com a presença do presidente Campos Salles nas tribunas, o jornal Correio Paulistano lançou dúvidas sobre a transparência dos resultados e recomendou ao diretor: “que proíba terminantemente a entrada no local dos corredores às pessoas estranhas ao mesmo, evitando desta forma que se propalem cá fora boatos sobre o modo porque são disputadas as corridas”. 221 Vários resultados duvidosos foram noticiados à época. 222 As colunas esportivas dos jornais aos poucos mudaram de tom, deixam de descrever as provas e fazer referências às moças bem vestidas. Limitavam-se às notas lacônicas. Quando nada de excepcional tinham a contar, repetiam: “todos os páreos disputados

218 AMARAL, Luiz F. Minhas reminiscências no Club Athletico Paulistano. São Paulo: CAP, 1977, p. 5. 219 Correio Paulistano, 24 mar. 1895, p. 2; 5 mai. 1898; 7 Mai. 1898, p. 4.

220 O Estado de São Paulo, 13 jun. 1898, p. 2. 221 Cf. Correio Paulistano, 6 set. 1898, p. 2.

222 V., p. ex.: O Estado de São Paulo, 7 ago. 1899, p. 2; 14 ago. 1899, p. 2; 21 ago. 1899, p. 2; 18 set.

com lisura”. 223 No início de 1899 o Velódromo Paulista estava em decadência e Otto abandonou a direção. 224

O conselheiro Prado arrendou o local para o Barão Andréa Guglielmini, um deputado italiano que investia em negócios de entretenimento na Argentina e procurava oportunidades no Brasil. 225 Guglielmini fora designado pelo governo da Itália para fiscalizar a qualidade dos serviços de imigração nos países sul-americanos, portanto ele ocupava uma posição-chave para os interesses dos fazendeiros paulistas. 226 O barão italiano transformou o Velódromo Paulista num espaço de múltiplos usos, como informou um dos seus anúncios: “corridas premiadas de velocípedes, tiro ao alvo e aos pombos, ginástica panorama, teatro de variedades, música e consertos, jogos lícitos, café e restaurante, festas venezianas, em suma divertimentos elegantes à escolha”. 227 Os frequentadores poderiam pagar mensalidades para assistir livremente aos vários tipos de “circos”. Em junho daquele ano o velódromo recebeu a energia elétrica e, pela primeira vez, ele foi utilizado para atividades noturnas.

As corridas de bicicletas continuaram embaladas pelas apostas e a troca de comando não diminuiu a quantidade de denúncias. Exemplos dessa fase também podem ser citados. No dia 6 de agosto de 1899, com pequeno público presente, os juízes de chegada inverteram as colocações de uma das corridas em prejuízo dos apostadores e a gritaria foi geral. Logo a seguir, em outro páreo do mesmo programa, eles fizeram o rateio de um vencedor para o qual nenhuma pule fora vendida, o que também beneficiava a própria casa. No dia seguinte o jornal O Estado de São Paulo protestou, defendia que o correto teria sido a devolução do dinheiro, pois “quem não joga não pode ganhar”. 228 No dia 10 de junho de 1900 dois delegados de polícia presentes no estádio atenderam ao clamor dos apostadores e ordenaram a anulação de três páreos com resultados duvidosos. A empresa foi obrigada a devolver o dinheiro. 229

Os velódromos como casas de variedades

Incluir espetáculos de variedades em meio a atividades atléticas não era algo excepcional, os teatros da cidade atuavam de forma semelhante. Na passagem do

223 Cf. O Estado de São Paulo, 24 jul. 1899, p. 2. 224 Correio Paulistano, 31 mai. 1899, p. 2. 225 O Estado de São Paulo, 22 jan. 1900, p. 2.

226 O Estado de São Paulo, 11 dez. 1898, p. 1; 19 dez. 1898, p. 1-2.

227 Cf. Correio Paulistano, 22 jan. 1900, p. 2; O Estado de São Paulo, 5 fev. 1900, p. 3. 228 Cf. O Estado de São Paulo, 7 ago. 1899, p. 2.

século, esportes como luta romana, esgrima, patinação e pelota foram frequentemente associados a outros tipos de atrações curiosas: exibições circenses, aberrações da natureza, “maravilhas” da ciência e da tecnologia modernas, exotismos folclóricos, encenações de teatro popular e musicais. O mesmo acontecia no exterior. Um célebre exemplo foi a segunda edição dos Jogos Olímpicos, ocorridos em 1900 na cidade de Paris, onde as competições ocorreram como parte da Exposição Universal, ao longo de cinco meses. Os Jogos de Paris, dirigidos pelos mesmos organizadores da feira, incluíram provas que jamais seriam reconhecidas pelo Comité Internacional Olympique: a corrida de balão, a competição motonáutica, a natação subaquática e o tiro ao pombo. As competições oficiais foram disputadas nos parques e velódromos da cidade simultaneamente a shows comerciais de toda espécie, para a decepção dos defensores do esporte amador, especialmente o Barão de Coubertin. 230

Fig. 30. Cartaz francês anuncia desafio entre o cavaleiro americano Samuel Franklin Cody, o Buffalo Bill, e dois

ciclistas franceses (em bicicleta de dois lugares) no Velodrome de la Seine.

Os esportes atléticos, que na França até então eram praticados por pequenas agremiações de estudantes e ex-alunos em espaços abertos, com a proximidade entre participantes e espectadores, foram aos poucos incorporados aos espetáculos em estádios cercados. Equipes de atletas amadores deixavam os parques abertos para atuar dentro de arenas, uma nítida separação entre os protagonistas e plateia. Duas vertentes esportivas com objetivos diversos se enfrentavam então. Para aquela oriunda das corridas em páreos os esportes pertenciam ao mercado de entretenimentos. Em oposição, para aquela que vinha das pedagogias reformadoras, as atividades físicas seriam fundamentais para a educação da juventude, para a formação de líderes e não deveriam ser comercializadas. O embate entre interesses conflitantes acabaria por dar uma nova feição para as exibições esportivas. As apostas seriam banidas dos jogos atléticos, mas durante muitos anos as tensões latentes entre amadorismo e profissionalismo permaneceriam. Entre o lazer descontraído e o comércio de consumo para milhares de espectadores, entre atletas descompromissados com os resultados e o público que exigia vitórias, entre as pequenas plateias seletas e as exibições massivas. 231

Fig. 31. O rúgbi jogado no gramado central do velódromo do Parc des Princes, em Paris, c. 1900.

Na França o turfe e o ciclismo estavam mercantilizados, ambos embalados pela mania das apostas. Eram poucos os velódromos mantidos sob o controle de clubes amadores e municipalidades. Em 1891 o governo francês aprovou uma legislação rigorosa, a pari mutuel, para tentar colocar as apostas sob vigilância e dar uma finalidade social à arrecadação dos jogos. 232 A lei serviu de modelo para vários outros países. A onda moralista que pedia a extinção do profissionalismo se intensificou

231 V. VIGARELLO, G. (2008). Op. cit., p. 446-450; ULMANN, J. (1982). Op. cit., p. 326-329. 232 WEBER, E. (2008). Op. cit., p. 265; MELO, V. A. (2001). Op. cit., p. 173-180.

durante a preparação dos Jogos Olímpicos de 1896. Isso afugentou dos velódromos os aficionados pelo jogo de azar. A condenação moral e a vulgarização dos espetáculos monetarizados afastaram as elites francesas, especialmente do ciclismo de pista. Um aristocrata francês comentou em tom saudosista: “hoje, o ciclismo é praticado em todo lugar e por todos, milhares de pessoas saboreiam os prazeres do turismo que, há poucos anos, estavam reservados a alguns raros amigos do progresso, as corridas foram transformadas em exibição destinada ao público [...]. Para conhecer emoções novas, só nos resta o automóvel”. 233 Com a queda de interesse alguns estádios-velódromos franceses foram adaptados para incluir outras modalidades: patinação, hóquei, tênis, esgrima, ginástica, corridas, equitação, rúgbi e futebol. 234 Nenhuma delas prevalecia, as preferências dos frequentadores pagantes foram testadas ao lado das atrações musicais, teatrais e circenses.

O ciclismo francês recuperou o seu prestígio graças às corridas de estradas que atraiam multidões das classes operárias e ao apoio que recebiam da imprensa e dos fabricantes. A partir de 1903 elas ganharam um impulso especial com a primeira edição da grande volta ciclista pelo país, a Tour de France, organizada por Henri Desgrange, ex-recordista do esporte e dono do jornal L’Auto. 235 Alguns dos velódromos franceses sobreviveram graças ao sucesso de modalidades amadoras que foram conjugadas ao ciclismo. O melhor exemplo foi o velódromo do Parc des Princes, que era dirigido por Desgrange e sediava a largada e a chegada do Tour de France. O local se manteria ativo como estádio de futebol e rúgbi, ao lado das carreiras de bicicletas, por vários anos. A partir da década de 1920 esse velódromo recebeu sucessivas reformas e ampliações para acomodar as plateias dos jogos, a raia de ciclismo perdeu importância e desapareceu numa das reconstruções. Até hoje o mesmo local é sede de um popular clube de futebol, o Paris Saint-Germain.

A expansão do futebol na Europa

Até aquele final de século, embora o futebol existisse havia anos na França ele era pouco conhecido. Entrou no país por volta de 1880 pelas cidades portuárias do canal da Mancha, jogado pelos marinheiros e funcionários de empresas marítimas inglesas. 236

233 Cf. CHÉRIÉ, Maurice. Le cyclisme. In: LEUDET, M. (1899). Op. cit., p. 67. 234 WEBER, E. (1988). Op. cit., p. 249-250.

235 VIGARELLO, G. (2002). Op. cit., p. 113-124.

236 GOLDBLATT, D. (2008). Op cit., p. 154-158; CORBIN, Alain. O destino contrastado do futebol. In:

Também foi divulgado como atividade física escolar nos liceus e faculdades influenciados pela pedagogia inglesa. Partidas de futebol eram, às vezes, disputadas no Bois de Boulogne por escolares ingleses e nativos, mas dava-se preferência ao rúgbi. A resistência por parte da cultura local contra a introdução do jogo de chutar bola – que nessa época era amplamente adotado pela classe operária inglesa – continuou tão forte que somente em 1891 foi fundado uma associação dedicada ao futebol em Paris, por jovens que haviam estudado na Inglaterra. A primeira liga foi formada em 1893, com apenas quatro clubes de Paris, dois dos quais compostos por jovens ingleses: o The

White Rovers e o Standart Athletic Club. 237

Fig. 32. Partida de futebol entre França e Suíça no velódromo do Parc des Princes, Paris, 1905.

A história do futebol na Alemanha se assemelha ao caso francês, ele foi divulgado nas escolas e entre a burguesia nas cidades portuárias, enquanto a aristocracia prussiana continuava a prestigiar o turfe e a ginástica. 238 O primeiro clube alemão, Sport Club

Germania de Hamburgo, foi fundado em 1887 e em 1890 se disputou o primeiro torneio

interclubes. Em países vizinhos – Suíça, Bélgica, Países Baixos e Dinamarca – o desenvolvimento foi anterior e mais intenso.

O futebol atravessou o canal da Mancha como esporte amador, durante décadas a admissão de times profissionais ficou limitada às ilhas britânicas. O Reino Unido era, no início do século XX, o único país onde o futebol estava amplamente divulgado entre

football: notes on the development of football in Europe. In: GIULIANOTTI, Richard e WILLIAMS, John (orgs.). Game without frontiers: football, identity and modernity. Hants: Arena, 1994.

237 SLIMANI, Hassen. La profissionnalisation du football française: un modèle de dénégation. Thése

(Doctorat en Sociologie). Nantes: FLSH/UN, 2000. p. 21-4; HARE, Geoff. Football in France: a cultural history. Oxford: Berg, 2003, p. 15-19; WAHL, Alfred. Le footballeur français: de l'amateurisme au saliriat (1890-1926). Le mouvement social, 135 (2): 7-30, 1986.

os trabalhadores e transformado em esporte-espetáculo. Em 1895 a média de assistentes era de sete mil e novecentos por partida e chegou a treze mil e duzentos dez anos depois. 239 A partida final da FA Cup de 1895, o principal torneio do país, foi assistida por 42.560 pessoas e a de 1905 por 101.117. Começara a era dos grandes estádios naquele país. Cerca de cinquenta clubes de futebol construíram os seus em apenas duas décadas, frequentemente em bairros operários e nas proximidades de uma estação ferroviária. 240 Enquanto os franceses procuravam ampliar e adaptar arquibancadas em torno das pistas elípticas dos velódromos, os novos estádios ingleses eram especialmente projetados para o futebol, acompanhavam o retângulo do campo de jogo e a arquitetura tendia ao formato de caixa. O arquiteto escocês Archibald Leitch planejou, entre 1889 e 1920, dezenas de estádios com estruturas de ferro e madeira por toda a Grã Bretanha, com arquibancadas em terraços cada vez mais altos. 241 Os espetáculos foram progressivamente escondidos da visão externa, dos não pagantes. As rivalidades entre times do proletariado e da burguesia inglesa, entre equipes representantes de diferentes regiões ou mesmo entre clubes católicos e protestantes no norte da Grã Bretanha, arrastavam multidões para os campos de futebol. Maiores ainda eram as tensões entre as quatro nacionalidades-mães (inglesa, escocesa, galesa e irlandesa). Um jogo entre duas dessas seleções nacionais poderia atrair, facilmente, mais de cinquenta mil pessoas ao estádio.

Os patrocínios dados pelas empresas industriais e mineradoras do centro e no norte da Inglaterra, bem como na Escócia, aceleraram a formação de times da classe trabalhadora e criaram pressões a favor da profissionalização dos jogadores. 242 Em 1883, diante de oito mil pessoas, o Blackburn Olympic, time semi-profissional de uma pequena cidade operária do norte, venceu o Old Etonians, equipe esnobe do sul, numa final histórica da FA Cup. Foi um divisor d’águas, nunca mais um clube amador venceria o principal campeonato do país. Pouco tempo depois, em 1885, a Football

Association cedeu às pressões e legalizou a participação de atletas remunerados, porém

impondo como condição que os clubes continuassem como sociedades sem fins

239 Cf. GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do futebol: dimensões históricas e socioculturais do esporte

das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 20.

240 GOLDBLATT, D. (2008). Op. cit., p. 59-64; HOLT, R. (1989). Op. cit., p. 159-179.

241 INGLIS, Simon. The football grounds of Great Britain. London: Willow Books, 1987, p. 9-17. 242 PRONI, Marcelo W. A metamorfose do futebol. Campinas: UNICAMP, 2000, p. 26-38;

HOBSBAWM, Eric. A produção em massa de tradições: Europa, 1870 a 1914. In: HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 6ª. ed., 2008, p. 296- 299; DUNNING, E. e SHEARD, K. (1989). Op. cit., p. 104-107.

lucrativos, com diretorias compostas por gentlemen amadores. 243 Assim, o futebol espetacularizado ficou sob o controle da burguesia, raramente jogadores oriundos da classe operária ocupavam cargos de direção nos clubes de grande porte. O primeiro campeonato com times formados somente por jogadores pagos aconteceu em 1888, chamado Football League, ele deu início à formação de grandes torcidas nos estádios. Às vésperas da Primeira Guerra, a Inglaterra já contava com mais de quatrocentos times profissionais.

Fig. 33. No dia 5 de abril de 1902 uma arquibancada projetada por Archibald Leich, em madeira e ferro, para o

estádio dos Rangers, em Ibrox Park, Glasgow, desabou durante uma partida entre Escócia e Inglaterra matando 25 pessoas e ferindo centenas. O jogo não foi interrompido.

243 GOLDBLATT, D. (2008). Op. cit., p. 43-49; HOLT, R. (1989). Op. cit., p. 282-285; HARGREAVES,

O futebol amador continuou elitizado e concentrado no sul. Os amadores desdenhavam as multidões, preferiam se recolher em pequenos torneios universitários e ao restrito circuito de clubes burgueses. Em 1892 a FA separou os clubes amadores em campeonato a parte, eles não se preocupavam com a ausência de público. As rivalidades internas impulsionaram a qualidade técnica dos times britânicos, tinham larga superioridade de jogo em relação aos estrangeiros. Naquele período os amadores ingleses conquistaram todas as medalhas olímpicas nos jogos em que o futebol constou (Paris 1900, Londres 1908 e Estocolmo 1912).

Situação distinta ocorria no continente. O futebol era apenas uma entre muitas outras atividades atléticas amadoras que atraíam a participação da juventude aristocrática e burguesa. Elas resistiam a qualquer iniciativa de profissionalização, embora aceitassem fazer exibições perante público pagante, com renda para os clubes. A elitista USFSA – a confederação poliesportiva francesa originada pelos estudantes/corredores, em 1887 – preferia incentivar o rugby football por entendê-lo como a modalidade menos popular do futebol inglês. Organizou campeonatos desse esporte no país desde 1891. Só três anos mais tarde aconteceu o primeiro campeonato de association football dirigido pela USFSA, com alguns poucos times parisienses e fraca presença de público. 244 A partir daí aumentou o número de clubes que constituíam equipes de futebol. O jogo começou a se difundir de maneira rápida e, na passagem do século, existiam em Paris cerca de sessenta equipes de association para quarenta de

rugby. 245 Outras federações se formaram e a organização do futebol francês ficou descentralizada por vários anos. Clubes dissidentes da USFSA aderiram à Fédération de

Gymnastique Sportive des Patronages de France (FGSPF), constituída em 1898 sob a

influência do movimento católico progressista.

A USFSA interpretou o aparecimento de clubes profissionais como ameaça ao esporte. Ela limitou o número de espectadores nos estádios, proibiu qualquer tipo de aposta nas arquibancadas e chegou a impedir que professores de ginástica atuassem nas equipes por serem profissionais do esporte. O impulso de profissionalização esfriou com o advento da Grande Guerra e a consequente paralisação dos jogos. Em 1919, com a criação da Fédération Française de Football Association as entidades representativas foram unificadas sob o controle dos amadores. Como concessão, foi legalizado o

244 REICHEL, Frantz. Le football. In: LEUDET, Maurice. L’Almanach des sports, 1901. Paris: Soc.

d’Éditions Littéraires et Artistiques, 1901, p. 363-380; LAFRETÉ, G. Foot-Ball. In: LEUDET. M. (1899). Op. cit., p. 420-422.

reembolso pelas despesas com viagens e pelas horas de trabalho perdidas pelos atletas, o que abriu caminho para remunerações com formas disfarçadas. 246 Somente em 1932 o profissionalismo seria plenamente regulamentado naquele país. Ao longo desse período o futebol francês nunca alcançou a condição de principal esporte nacional, ele continuou a dividir as atenções do público com o ciclismo, o turfe e, principalmente, com o rúgbi. A dinâmica histórica do futebol francês foi, portanto, bastante diferente do britânico. Os times franceses não eram tomados como referência internacional importante para qualidade técnica de jogo, eles não gozavam do mesmo prestígio dos britânicos. Nos confrontos com os amadores ingleses eram quase sempre batidos, às vezes com placares acabrunhantes. Qualidades futebolísticas a parte, os dirigentes franceses exerciam uma influência considerável na organização de todos os esportes no continente e não só através do Comité Internacional Olympique. 247 Partiu também da França a iniciativa de fundação da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), em 1904, dirigida inicialmente por Robert Guérin. Os franceses contaram com a adesão inicial de outros seis países europeus e foram os principais responsáveis pela