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O atleta moderno e os espetáculos de ciclismo

As proximidades históricas entre o turfe e o ciclismo de pista parecem claras: ambos se basearam na disputa em velocidade entre ginetes, a distâncias pré-fixadas e relativamente curtas, em circuitos fechados. Mas é preciso enfatizar as diferenças também. Enquanto o simbolismo do turfe remetia à vida no campo, à propriedade rural do criador do animal, o ciclismo se reportava à tecnologia industrial do meio urbano. Foi visto que o turfe era um esporte por procuração, no qual o cavaleiro contratado representava na pista o sportsman proprietário do animal, um fazendeiro acomodado nas tribunas de honra. Já no ciclismo o protagonista era aquele mesmo que pedalava. O

veloceman não era um figurante de menor importância, um condutor pago. Ao

contrário, o dono da bicicleta expunha seus talentos físicos ao juízo do público apostador. Ele era considerado um atleta.

Na Europa a figura do atleta moderno começou a ser construída nos desdobramentos das guerras napoleônicas, portanto muito antes do ciclismo ou do futebol. Os exércitos da era industrial não podiam mais depender de tropas profissionais e em caso de conflito externo o recrutamento em massa exigia que os jovens estivessem fisicamente capacitados para lutar. 167 Diante da tensão política latente entre as nações europeias, o treinamento da juventude em tempo de paz passou a ser uma preocupação de todos os governos. Na Alemanha as exibições coletivas de exercícios ginásticos sincronizados serviram para a manifestação do fervor patriótico, da identidade

166 Cf. Correio Paulistano, 15 jan. 1897, p. 1.

167 DEFRANCE, Jacques. L’Excellence corporelle: La formation des activités physiques et sportives

germânica e da francofobia. Sistemas planejados de exercícios foram adotados nos quartéis, nas academias militares e, finalmente, nas escolas civis por todo o continente europeu. Influenciadas pela pedagogia iluminista, as teorias e métodos de educação física se diversificaram em estilos nacionais, cada qual com as suas justificativas científicas, elaborações técnicas e fortes preceitos cívicos. 168 Cada doutrina ginástica propalava originalidade, mas era fácil identificar influências mútuas disseminadas por vários países. Portanto, ficou impossível classificar metodologias distintas de exercícios físicos.

Na França o marquês de Sotelo, Francisco Amorós y Ondeano (1770-1848), é tido como o mentor da ginástica educativa nacional. Ele foi um militar espanhol que aderiu aos invasores franceses e, após a queda de Napoleão, viveu o resto da vida exilado em Paris. Amorós se inspirou nas obras de pedagogos suíços e alemães, criou métodos próprios de ginástica, mas que não disfarçaram as fortes influências germânicas. 169 Ele dirigiu ginásios de preparação física e esgrima, não só para aprimorar capacidades militares dos jovens franceses como para oferecer formação moral. Amorós sempre se opôs às exibições em público. Na sua opinião, o lugar adequado para exercícios era o pátio interno, coberto ou não, que ele chamou de ginásio, onde não deveriam acontecer divertimentos frívolos. A educação física começou a penetrar nas escolas francesas na metade do século graças ao trabalho de outros pedagogos, principalmente do suíço Phokion Clias (1782-1854) que adaptou métodos da ginástica sueca, a calistenia, inclusive para moças. Em 1853 a educação corporal se tornou disciplina obrigatória no ensino secundário e em 1869 no primário. Mesmo assim o alcance prático foi pequeno, pois naquela época poucas escolas contavam com espaços para a exercitação dos alunos. 170

Na Inglaterra a trajetória da preparação física foi bem diferente. O atletismo nasceu dentro dos hipódromos ingleses com as corridas a pé, disputadas em páreos por corredores pagos e sob as apostas dos espectadores. As rotinas de exercícios ginásticos repetitivos que eram adotadas no ensino do continente não encontraram receptividade nas public schools frequentadas pelas elites inglesas – escolas que só mantinham essa

168 MANDELL, R. D. (2006). Op. cit., p. 167-86; VIGARELLO, G. e HOLT, R. (2008). Op. cit., p. 406-

419 e p. 460-466; ULMANN, J. (1982). Op. cit., p. 291-308.

169 SOARES, Carmen L. Imagens do corpo ”educado”: um olhar sobre a ginástica do século XIX. In:

FERREIRA NETO, Amarílio (org.). Pesquisa histórica na Educação Física. v.2 Vitória: UFES, 1997, p. 5-32; _____. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 3ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 54-79.

estranha designação pela sua origem histórica, pois eram instituições privadas e de altíssimo custo. Elas deram preferência às competições de salto, lançamentos e corridas que sempre faziam parte dos encontros festivos da aristocracia fundiária. A ginástica de metodologia sueca era ministrada nas escolas populares e para as moças no ensino de elite.

Fig. 23. O football na escola de Rugby.

No grau secundário inglês, o clérigo e pedagogo Thomas Arnold (1795-1842) foi precursor de um rumo totalmente novo para a educação corporal. 171 A partir de 1828, ele dirigiu a escola preparatória localizada na pequena cidade de Rugby, um internato frequentado por adolescentes de famílias ricas. Arnold não se envolveu diretamente na organização de jogos, mas percebeu o potencial disciplinador que eles tinham para conter a rebeldia dos alunos e ocupar os tempos livres de que dispunham no internato. Para tranquilizar a rotina escolar, transmitir princípios morais e desenvolver aptidões físicas, Arnold estimulou a introdução dos jogos coletivos. Eram formas de lazer adaptadas a partir dos tradicionais divertimentos camponeses. 172 Ele deu autonomia para que os jovens organizassem disputas em espaços ao ar livre e combinassem as

171 HOLT, R. (1989). Op. cit., p. 74-86; GOLDBLATT, D. (2008). Op. cit., p. 24-28; HARGREAVES,

John. Sport, power and culture: a social and historical analysis of popular sports in Britain. Cambridge: Polity Press, 1986, p. 38-41.

172 DUNNING, Eric e CURRY, Graham. Escolas públicas, rivalidade social e o desenvolvimento do

futebol. In: GEBARA, Ademir e PILATTI, Luis A. (orgs.) Ensaios sobre história e sociologia nos esportes. Jundiai: Fontoura, 2006, p. 45-76; DUNNING, Eric. Sport matters: sociological studies of sport, violence, and civilization. London: Routledge, 1999, p. 80-105.

regras entre si: era uma pedagogia de autodisciplina. A simulação de batalhas físicas entre equipes equilibradas abria oportunidades para iniciativas pessoais e fazia despontar as performances individuais, porém as lideranças só se destacavam se o grupo coeso alcançasse a vitória.

O estabelecimento de regras dentro das public schools transformou em sport tanto as competições individuais como os jogos entre equipes. Assim regrados, eles chegaram às universidades inglesas. Em 1850 foi realizado o primeiro torneio atlético no clube fundado no Exeter College, em Oxford. As disputas lúdicas atendiam melhor ao espírito concorrencial da burguesia inglesa e desenvolviam talentos para as novas táticas da guerra moderna.

No continente os jogos atléticos começaram a penetrar nas escolas isoladas que seguiam a pedagogia inglesa, principalmente na Suíça e nas cidades portuárias do norte, onde atuavam empresas comerciais britânicas. Na França havia uma enorme resistência aos costumes vindos dos velhos rivais do norte e as disputas atléticas nascidas nas

public schools inglesas foram ignoradas por décadas. A anglofobia só começou a se

desfazer depois da humilhante derrota sofrida pelas tropas francesas diante dos invasores prussianos na batalha de Sedan, em 1870, e da consequente perda do território da Alsácia-Lorena. O sentimento de revanche contra o inimigo alemão que se agigantara na fronteira leste reavivou a preocupação com a educação física nas escolas. Assim, em 1880 uma nova lei reafirmou a obrigatoriedade do ensino da ginástica na França. Nessa época se formaram os “batalhões escolares” que davam demonstrações cívicas de adestramento militar nas ruas. 173 A mobilização atlética também foi sentida fora das escolas. Em 1873 existiam apenas 9 clubes de ginástica na França, ao passo em 1899 eles chegaram a 809.

A germanofobia contribuiu para reavivar a memória do glorioso passado napoleônico e reforçou o tom marcial da ginástica (ludus pro patria). Paralelamente, trouxe uma inédita simpatia pelo espírito competitivo do novo país aliado: a Inglaterra. A introdução das competições esportivas na ginástica francesa começou depois de 1880, portanto, foi uma esportivização tardia quando comparada às origens britânicas. 174 As disputas apareceram fora dos muros escolares, nos parques públicos. Em 1882, jovens

173 OZOUF, Mona. L’École, l’Église et la République (1871-1914). 2ª. ed. Paris: Éditions Cana: Jean

Offredo, 2007; SOARES, C. L. (2005). Op. cit., p. 131-132; VIGARELLO, G. e HOLT, R. (2008). Op. cit., p. 464-466.

174 DEFRANCE, Jacques. Se fortifier pour se soumettre? In: POCIELLO, Christian. Sports et société:

secundaristas de três escolas parisienses, dos lyceés Rollin, Carnot e principalmente do

Condorcet, fundaram o Racing Club de France por iniciativa própria, apoiados por

alguns pedagogos e jornalistas. 175 Sua sede foi instalada num chalé construído no Bois de Boulogne, aonde praticavam exercícios ginásticos e corridas a pé. Sair dos ginásios fechados para participar de corridas em parques públicos era um comportamento ousado, mesmo para os parisienses.

Fig. 24. Chalé situado no coração do Bois de Boulogne, sede do Racing Club de France.

Muito curiosas eram as alusões que os rapazes parisienses faziam ao turfe, o único esporte de origem inglesa que até então era bem conhecido no país. Os corredores a pé adotavam nomes de cavalos famosos como pseudônimos, se subdividiam em “coudelarias” e cada qual defendia as cores da sua equipe. Com casquetes de jóqueis e chicotes nas mãos, eles percorriam circuitos com obstáculos instalados no bosque, numa versão pedestre das steeplechase que aconteciam no vizinho hipódromo d’Auteuil. Os estatutos do Racing Club, escritos em 1885, já previam “a prática de todos os exercícios ao ar livre, próprios ao desenvolvimento das forças física, tais como o football, o law-

175 V. POCIELLO, C. (1981). Op. cit., p. 39-42; WEBER, E. (1988). Op. cit., p. 268-269; VIGARELLO,

G. e HOLT, R. (2008). Op. cit., p. 471-473; VIGARELLO, G. (2002), Op. cit., p. 56-58; GOLDBLATT, D. (2008). Op. cit., p. 157; MacALOON, J. J. (2008). Op. cit., p. 181-182. Para um relato da época, V. FOS, Fernand. Les courses à pied en France. Le Racing-Club de France. In: LEUDET, Maurice. L’Almanach des sports, 1899. Paris: Paul Ollendorff, 1899, p. 438-441.

tennis, o jeu de paume, esgrima, patinação etc.”. 176 Em 1883 outro grupo de estudantes, saído do lyceé Saint-Loui treinava no Jardin du Luxembourg e fundou o Stade Français

Club. Esse seria o principal rival do Racing Club, por anos a fio. Eram clubes atléticos

poliesportivos, só mais tarde eles se notabilizaram pelo rugby football e pelo

association football. Os dois clubes se tornaram símbolos da moderna juventude

francesa, imagem que seria emulada por moços de diferentes cidades, em muitos países, inclusive no Brasil.

Os divertimentos competitivos ingleses foram, assim, associados à tradição francesa da ginástica marcial com finalidades pedagógicas. Em 1887 os clubes de corridas parisienses se uniram em entidade federativa. Três anos depois, sob a liderança de esportistas e pedagogos como Georges de Saint Clair, Frantz Reichel, Jules Simon, Barão Pierre de Coubertin e o padre Henri Didon, ela se tornaria a Union des Sociétés

Françaises de Sports Athlétiques (USFSA), federação nacional que passou a coordenar

todas as modalidades atléticas e a divulgá-las no meio escolar. A USFSA englobou a natação, a esgrima, o ciclismo, o remo, o rúgbi, o hóquei, o futebol, o tênis, entre outros. A federalização foi um marco fundamental para o esporte nacional francês, apesar de ter ocorrido no interior de um diminuto círculo elitista. Nos seus primeiros anos de atuação a USFSA se opôs à democratização do movimento atlético, somente a partir no novo século os esportes deslancharam na França. Em 1890 a entidade federativa contava com apenas sete clubes afiliados em todo o país, em 1893 eram 50 e chegaram a 350 em 1903.

Os espetáculos ginásticos em São Paulo

É importante considerar que, além do ciclismo francês, outra tradição de espetáculos atléticos estava presente em São Paulo, anos antes do ciclismo e do futebol: as demonstrações de ginástica trazidas pela imigração alemã. As exibições de exercícios físicos coletivos em espaços públicos foram estimuladas pelas sociedades ginásticas (turnvereins) que existiram em várias regiões do país, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. Elas apareceram onde quer que comunidades alemãs tenham se fixado, até em pequenas cidades do interior. O mesmo aconteceu nos fluxos imigratórios germânicos que se dirigiram à Argentina e aos Estados Unidos. Pois a ginástica estava arraigada nas escolas e na vida cotidiana da Alemanha, desde a metade do século XIX. Ela se difundiu

por lá a partir dos métodos defendidos pelo pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi

(1746-1827). As atividades físicas incluídas na pedagogia pestalozziana estiveram tanto nas origens da ginástica escolar alemã, quanto nas da francesa. Na Alemanha o pensamento de Pestalozzi foi divulgado por Johann Guts Muths (1759-1839) que desenvolveu um estilo nacional de ginástica. Depois seus métodos foram aperfeiçoados por Friedrich Jahn (1778-1852) e Adolf Spiess (1810-1858). 177 Nessa forma mais elaborada, a chamada turnen chegou à cidade de São Paulo no final do Império com a imigração.

Foi Friedrich Jahn que atribuiu o nome turnen à ginástica do seu país, de modo a diferenciá-la de outros estilos nacionais. Para ele o ginasta (turner) deveria receber formação completa, se preocupar com a disciplina corporal, moral e principalmente com o seu envolvimento na comunidade. 178 A ginástica ganhou popularidade na Alemanha. As associações de turnen promoviam atividades de lazer e longas caminhadas em contato com a natureza para a convivência familiar. Faziam jogos de guerra simulada em grandes grupos e exercícios físicos simultâneos nas turnplätzes, largos espaços para exibições ao ar livre em zonas suburbanas. Adolf Spiess adaptou os princípios da turnen para a educação física escolar, tornou-a menos acrobática e arriscada, valorizou os exercícios coletivos e o adestramento para serviço militar. Na segunda metade do século a turnen se generalizou como disciplina obrigatória. Os professores prescreviam exercícios baseados em princípios científicos, com gestos disciplinados, emprego de aparelhos e cronometragem. Acima de tudo eram atividades de civismo militante e não de competição. As disputas atléticas eram raras, adotavam as corridas a pé aconteciam, porém os jogos em grupos numerosos eram tidos como recreação. Somente na última década do XIX os jogos ingleses penetraram pela região norte do país, principalmente a

partir do porto de Hamburgo.

As turnvereins tinham fortes conotações ideológicas, pois desde a origem fizeram parte do movimento a favor da unificação nacional alemã, iniciado com a expulsão das tropas napoleônicas. As exibições massivas acompanhadas por canções tradicionais exaltavam o pangermanismo e, assim, se contrapunham à parte mais conservadora da aristocracia fundiária que naquela época mantinha o país fragmentado em pequenos estados. Periodicamente, nas praças de ginástica (turnplätzes) aconteciam os grandes

177 SOARES, Carmen L. Educação física: raízes europeias e Brasil. Campinas: Autores Associados,

2007, p. 53-57; TESCHE, Leomar. O turnen, a educação e a educação física nas escolas do Rio Grande do Sul: 1852-1940. Ijuí (RS): Unijuí, 2002, p. 58-73; ULMANN, J. (1982). Op. cit., p. 277-290; MANDELL, R. D. (2006). Op. cit., p. 167-182.

festivais (turnfest) que incluíam marchas com estandartes, músicas patrióticas e cerimônias cívicas. Quando a unidade política foi finalmente conquistada essas exibições já estavam integradas à cultura nacional. Elas prenunciavam os espetáculos político-esportivos de massa do século seguinte, inclusive os nazistas. 179 A popularização desse movimento atlético em espaços abertos não respeitou as fronteiras alemãs, adentrou os países vizinhos e ganhou as tonalidades nacionalistas de cada um. Na França as sociedades patrióticas de ginástica e seus espetáculos – que adaptaram o estilo nacional da escola de Francisco Amorós – tinham clara conotação antigermânica. Eles proliferaram em sequência à derrota militar de 1871. No final do século existiam mais de 800 associações francesas de ginástica. 180

Fig. 25. O Deutsches Turnfest de 1863, exemplo dos periódicos festivais pan-germânicos de exaltação à

nacionalidade, que reuniu cerca de vinte mil ginastas nos subúrbios de Leipzig.

Em São Paulo a imigração alemã foi relativamente pequena, quando comparada à italiana, portuguesa e espanhola, mas foi significativamente maior do que a americana, a francesa e a inglesa e teve influência sobre as atividades atléticas. O censo municipal de 1886 registrou 1.187 alemães só na Capital paulista, equivalentes a 10% do total dos estrangeiros presentes. Em 1893 eles eram 2.348 e em 1916 chegaram a 9.533. 181 A

179 SOARES, Carmen L. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeiros momentos da ginástica no

Brasil. In: PRIORE. Mary Del e MELO, Victor A. (orgs.) História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: UNESP, 2009, p. 137-141.

180 VIGARELLO, G. e HOLT, R. (2008). Op. cit., p. 461-464.

181 Cf. Memória urbana: A grande São Paulo até 1940. v. 2. São Paulo: Arquivo do Estado: Imprensa

primeira agremiação turnen na cidade foi fundada em 1888 no bairro do Bom Retiro, a

Deutscher Turnverein (Sociedade de Ginástica Alemã), que admitiu sócios de outras

origens e contou com o apoio de mecenas brasileiros, fazendeiros que haviam estudado na Alemanha. Pouco tempo depois ela estabeleceu uma parceria com a Deutsche Schule escola localizada na rua Florêncio de Abreu (atual Colégio Visconde de Porto Seguro). Equipou as instalações de ginástica dos alunos e usou o mesmo pátio para os exercícios dos associados. Os ginastas ofereciam aulas avulsas a diferentes escolas. 182 Dois anos depois, sócios dissidentes fundaram uma entidade similar, a Deutsch Turnerschaft von

1890, que só admitia teuto-brasileiros e seguia rigorosamente a doutrina turnen

conforme fora concebida pelo Turnvater (pai da ginástica) Friedrich Jahn. 183 Em 1904 a revista A Vida Sportiva contou nove sociedades de ginástica, de alemães e brasileiros, atuando na cidade de São Paulo, outras existiram em Campinas e Rio Claro.

Enquanto a ginástica francesa permanecia confinada em poucas escolas, feitas para os filhos da elite nacional, as turnvereins procuraram agregar as famílias teuto- brasileiras de todos os níveis sociais e divulgar as tradições germânicas para o público. Elas organizavam excursões em grandes grupos até os arredores da cidade. Mais tarde, três sociedades esportivas alemãs fixaram sedes às margens do Rio Tietê. 184 Periodicamente faziam exibições gímnicas com a participação de centenas, às vezes milhares de atletas anônimos vindos de diferentes cidades. Elas aconteceram inclusive no Velódromo Paulista, na passagem do século. 185 Eram espetáculos com impacto visual e apelo emotivo: desfiles uniformizados ao som de banda marcial, bandeiras coloridas e corais folclóricos, exercícios coletivos em ritmo sincronizado, performances em aparelhos e pirâmides humanas. 186 Estimulavam o sentimento de comunidade urbana, sem antagonismos aparentes, nos quais todos agiam de modo coordenado para um mesmo fim. Cultuavam valores pátrios idealizados fossem eles referentes à longínqua Germânia ou ao país adotivo, eram demonstrações politizadas de disciplina civil.

182 MINCIOTTI, Alessandra N. A prática do turnen na cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado em

Educação Física). São Paulo: EEFE/USP, 2006, p. 77-81; NICOLINI, H. (2001). Op. cit., p. 331-333. Como mostrou Leomar Tesche, as parcerias entre escolas de educação básica e sociedades de ginástica alemãs foram comuns nas comunidades teuto-brasileiras. V. TESCHE, L. (2002). Op. cit., p. 143-194.

183 NICOLINI, H. (2001). Op. cit., p. 333-337; MINCIOTTI, A. N. (2006). Op. cit., p. 82-84. 184 NICOLINI, H. (2001). Op. cit., p. 337.

185 V. Correio Paulistano, 6 nov. 1900, p. 2; O Estado de São Paulo, 6 jun. 1903, p. 2. 186 SOARES, C. L. (2009). Op. cit., p. 133-160.

Os atletas no Velódromo Paulista

As referências esportivas que os filhos de fazendeiros brasileiros trouxeram para São Paulo quando fundaram o Veloce Club Olympico Paulista tinham origem distinta, elas vinham da França. O clube foi organizado nos moldes dos congêneres franceses de ciclismo que alternavam os exercícios ginásticos, a esgrima e as competições. Os jovens ciclistas paulistas não se limitavam a pedalar, praticavam exercícios gímnicos como parte do treinamento e eventualmente incluíam combates com floretes, páreos de corridas a pé ou com patins, nos programas dominicais.

A mocidade atlética se diferenciava da geração anterior por atitudes que poderiam ser qualificadas como “rebeldias simpáticas”. Era mais um sinal de mudança dentro das famílias. Num passado não muito distante os rapazes procuravam imitar os mais velhos, transitavam da infância para a maturidade o mais cedo possível como forma de se desvencilhar do jugo paterno. 187 No final do XIX a juventude se configurou como faixa

etária distinta, ela ganhou personalidade e ares de independência. As famílias ricas prolongavam o tempo de educação para retardar o início da vida profissional dos filhos. Dito de outro modo: houve uma infantilização da idade adulta.

Atribuir seriedade ao divertimento lúdico e pedalar usando calças curtas fazia parte dessa nova atitude. Os jovens se exibiam em trajes sensuais, pouco comuns em público. Distinguiram-se da geração dos pais/turfistas também ao abolir o uso da barba e da casaca. Tentavam contrabalançar seus estrangeirismos pela participação cívica. Não se esquivavam de doar a arrecadação da bilheteria do clube para causas