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A indeterminação da legitimidade representativa

3. Déficit democrático no processo de cooperação e integração europeu

3.3. O alcance da definição: a co-relação entre democracia e déficit democrático

3.3.2. A indeterminação da legitimidade representativa

A rigor o Parlamento Europeu padece de sua própria indeterminação. Esse debate conduz à análise do Parlamento como sujeito representativo, e, invariavelmente, passa a questionar os critérios para a sua composição e formação institucional, que podem viciar toda a sua estrutura e legitimidade democráticas.

Art. 190.1 do Tratado da CE:

Os representantes no Parlamento Europeu dos povos dos Estados reunidos na Comunidade serão eleitos por sufrágio universal.

O art. 190.1 costumava definir a quem seria atribuído o papel de sujeito político. Supunha-se que o povo de cada um dos Estados-membros, formando uma comunidade política diferenciada, fosse o sujeito e produtor dessa representação. Disso decorreu um dos primeiros vícios de origem da instituição: o

com a mesma finalidade. (Idem, p. 13-14)

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O Relatório do Grupo Tindemans(1996) aponta para os efeitos danosos à instituição democrática no caso da adoção da regra da maioria para a aprovação de normas comunitárias no âmbito do Conselho da União. Pressupondo que cada governo seja responsável perante seu respectivo Parlamento nacional, adotado aquele procedimento, como responsabilizar um Governo de Estado por uma decisão comunitária, em que seu representante tenha votado com a minoria? Importa dizer que, o uso desta regra, na esfera comunitária, ausenta a responsabilização dos governos nacionais frente a decisões políticas impopulares. (TINDEMANS GROUP, THE El Grupo Tindemans Madri: Mundi-Prensa Libros, 1996, p. 46) Apesar da participação do Grupo de Reflexão nas negociações das Conferências Intergovernamentais (art. N do TUE), a ele não compete qualquer poder de decisão, apenas um status de observador. (Cf. HUMAN RIGHTS AND 1996-7 INTERGOVERNAMENTAL CONFERENCE, Ob. cit., p. 13) Um dos maiores desafios da Cúpula de Nice(07/12/00) foi compatibilizar o ingresso de novos Estados-membros com a regra da maioria, já que com a regra da unanimidade, qualquer um dos membros, por meio do veto, poderia rejeitar um projeto, e isso paralisaria todo o processo de decisão. A maior dificuldade é, no entanto, compor as situações em que os países queiram abrir mão desse direito de veto em prol da construção de um futuro comum. Questões sobre política social, Reino Unido, Alemanha e Espanha mantêm seu direito de reserva, sobre o sistema fiscal, o Reino Unido mantém o “direito de veto”, pois trata-se de uma prerrogativa do Parlamento Nacional. Esse é o caso da Alemanha que deseja manter o veto nos assuntos de política de imigração, que depende da retificação pelos länder. (LAPOUGE, Gilles. Sem uma profunda reforma, o “inchaço” pode ser desastroso O Estado de S. Paulo (São Paulo) 07/12/00, p. A-26).

Parlamento Europeu seria uma instituição de natureza interestatal, em que o sujeito não seria o povo europeu, mas o povo dos Estados-partes, representado por suas respectivas delegações nacionais. Desafiando os princípios democráticos do sufrágio universal- igualdade política- e das eleições diretas por todos os cidadãos, o Parlamento Europeu representava estritamente uma Assembléia integrada por delegações representativas.

Ademais, caso se prefira seguir a orientação do Tribunal Constitucional alemão (em Parecer de 12.10.93) e atribuir, aos parlamentos nacionais e as suas conexões diretas com as instituições européias, a chave da legitimação democrática comunitária, resta incontestável o papel subsidiário do Parlamento Europeu. Nesses termos o Tribunal registrou220:

“(...)Ao Parlamento Europeu aporta uma certa legitimação, no momento atual, atrelada à legitimação dos povos dos diferentes Estados. (...) O Parlamento Europeu é algo muito distinto de um Parlamento Nacional. Os deputados são eleitos pelos diferentes povos, de acordo com um sistema proporcional de quotas, de modo que a União Européia, não se rege pelo princípio de um homem, um voto. (...)Não existe todavia uma opinião pública européia, nem existe partidos políticos europeus. Faltam, por conseguinte, coisas que seriam necessárias para que pudesse existir um processo europeu global de formação de vontade política.”

O Parlamento Europeu não pode ser igualado a um Parlamento Nacional, por uma razão essencial: no âmbito europeu, não ocorrem os pressupostos para a formação de uma vontade democrática e unitária, porque não existe, de fato, um “povo da União”. Na União, elegem-se os representantes de cada povo de cada Estado, excluindo-se o sufrágio universal. Pese a institucionalização das eleições diretas para essa instituição e o Parlamento segue sendo juridicamente interestatal. Como conseqüência, não haveria um sujeito comunitário capaz de formar autonomamente uma vontade política, nem de corresponder a qualquer representação legítima.

Desde a perspectiva jurídica do TUE, que introduziu a criação da cidadania européia, a União tem cidadãos próprios e uma das características de um regime de Estado: sua própria população e seus próprios cidadãos. O anterior art.8 TUE, atualmente arts.17 e ss., cria um conjunto de direitos e obrigações próprios para as pessoas que detêm um vínculo com a União, que é a nacionalidade. Assim, a Cúpula de Maastricht, ao estabelecer as normas da cidadania européia, inseriu no sistema da União uma nova categoria jurídico-

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política: a de “povo europeu”.

A criação do “povo europeu”, no entanto não modificou a base de sustentação do Parlamento Europeu. Instituiu-se um sujeito de representação expresso na “(...) vontade política dos cidadãos da União”, e derrogaram-se os arts. 189 e 190 TCE, que costumavam associar o PE a uma Assembléia integrada por “(...) representantes dos povos dos Estados reunidos na Comunidade (...)”.

Mas essas novas regras não ensejaram grande impacto na participação popular das eleições subseqüentes, uma vez que o problema da legitimação democrática está além das meras regras e garantias jurídicas. De fato, apesar de sua criação legal, o “povo da União” não existe como realidade sociológica.

Além disso, as determinações dispostas entre os arts. 17 e 22 TCE permanecem sem sustentação, quando se trata do exercício do princípio do sufrágio universal em relação às cadeiras da Eurocâmara.

A base de cálculo das delegações mantém a mesma configuração do Informe Patjin (1979), quando da primeira ampliação comunitária, que optou pelo incremento das cadeiras do Parlamento de forma não-linear, considerando, apenas em parte, o tamanho da população de cada Estado. A decisão adotada consistiu em partir do número de escaninhos do Estado de Luxemburgo, multiplicando-se esta quantidade por 1,5 para obter o número de cadeiras dos Estados pequenos, por 1, 75, para alcançar as quotas dos Estados médios e por 2,5 para obter as quotas dos Estados grandes. A composição da Câmara, desde então, não se baseia exclusivamente na população, sujeito soberano da representação, mas num sistema de quotas estatais ponderado segundo critérios arbitrários, cujas conseqüências diretas são a desigualdade na representação e o valor do sufrágio individual.

A pretensão de constituir um Parlamento que representasse simultaneamente cidadãos e Estados221, conforme o Informe Vedel JOCE4/72, tornou-se a razão de fundo para a escolha desse sistema misto. Essa origem “conciliadora” teve como conseqüências: a) a desigualdade de voto nas eleições do PE, e a variação do valor desse voto segundo a circunscrição em que é depositado; b) em produzindo uma ruptura no critério de igualdade, não se realiza

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Sendo a União Européia uma união de Estados, a representação dessa resulta “imperativa”, obrigando a uma configuração não exclusiva dos cidadãos. A escolha exclusiva do critério proporcional faria com que os Estados maiores determinassem a conduta do Parlamento Europeu. Por outro lado, a adoção do sistema misto afasta a participação de órgãos constitucionais fundamentais como os Parlamentos Nacionais e impossibilita a satisfação do princípio do sufrágio

uma eleição plena e efetivamente democrática, e mesmo que a eleição seja direta, não se realiza mediante o sufrágio universal; c) dentre outras razões decorreria o déficit de legitimidade democrática no âmbito do PE.

A dimensão dessa desigualdade pode ser medida em situações distintas e correlatas: a primeira, relativa ao peso da representação que detém um delegado de um Estado determinado, a partir do critério desigual de distribuição de escaninhos, por quotas diferenciadas. No exemplo (anexo 4), na coluna diferença de representação no PE, o voto de um parlamentar irlandês recebe peso quase três vezes e meio maior que de um parlamentar alemão, o que demonstra a distorção entre a representação por quotas e a representação proporcional. Outra situação, é a da representação dos Estados com maior população. No mesmo anexo, observa-se como seriam distribuídas as cadeiras no PE, caso fosse seguido exclusivamente o critério proporcional relativo à população. Nesse caso, fica demonstrada sub-representação alemã, em 40 cadeiras, a super-representação irlandesa, em 9 cadeiras, e o maior equilíbrio entre os critérios, anotado pela Espanha, deficitária em apenas 3 cadeiras. No exemplo (anexo 5), observa-se que nos Estados maiores encontram-se a maioria da população, cerca de 80% de toda a União, no entanto a sua representação circunscreve-se a 67,73% das cadeiras. Enquanto aos países de população menor, que somam 19,90% da população comunitária, detém cerca de 32, 37% dos votos do Parlamento222.