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5. A TRANSFORMAÇÃO DA AGROBIODIVERSIDADE CRIOULA A PARTIR

5.1 A influência das mudanças sociais, econômicas e políticas na comunidade de

Se por exemplo pegássemos essa semente de 30 ou 40 anos atrás e plantar ela não seria a mesma, porque ela não acompanhou o clima e as mudanças na terra desses anos todos. Ela não evoluiu. Tem que seguir plantando e cuidando para que ela se acostume com o clima e com as mudanças daquela época. Se mesmo que fosse possível pegar essas sementes antigas, elas não dariam a mesma coisa, ela não vai se adequar ao clima de hoje do que aquela que plantamos, colhemos, escolhemos, separamos que vamos mantendo. Essa vai ser mais bem adaptada às condições de clima de hoje. (AF 3 – Trabalho de campo, 2013).

Os agricultores corroboram a teoria apresentada através da experiência e observação. São eles que dominam os recursos naturais disponíveis e principalmente os mais antigos podem perceber as alterações na paisagem, no modo de vida e, também, como exemplificado, nas sementes e nas plantas.

5.1 A influência das mudanças sociais, econômicas e políticas na comunidade de Ibarama

Ao longo dos anos a dinâmica social é alterada em função do contexto macro da economia e política. A comunidade, consequentemente altera a sua percepção da natureza, altera elementos da sua vida cotidiana e as exigências em relação aos recursos produtivos presentes na propriedade.

A história da agricultura nos mostra que a interação entre homem e natureza sofreu inúmeras transformações, como na revolução neolítica. Uma das mais recentes e que trouxe significativas alterações no modo de vida dos agricultores, principalmente daqueles pequenos e tradicionais, foi a industrialização da agricultura, em um processo descontínuo e que ocorreu em diferentes momentos ao redor do planeta. Atualmente alguns países, como exemplo os da América Latina e África, que apresentaram uma inserção tardia nos processos de industrialização, são os que apresentam ainda alto índice de biodiversidade preservada, aqui se incluindo, também a parte agrícola, apresentando sistemas agrários complexos e diversificados.

No Brasil, como já discutido anteriormente, esta substituição tecnológica iniciou-se nas décadas de 1950 e 1960 (COSTABEBER, 1998) de maneira não homogênea, em todas as regiões do país, mais acelerada ou não. Em localidades como Ibarama, que não apresentam condições sociais e ecológicas para a introdução de grandes culturas agrícolas, essa inserção foi, além de tardia, parcial, ou seja, os agricultores adotaram um baixo grau de tecnificação e utilização de insumos químicos.

Segundo relatos dos agricultores, o modo de vida, as formas de produção e as técnicas de cultivo foram se alterando constantemente no município. Cabe considerar-se que, dentre os agricultores entrevistados, os mais idosos tem entre 80 e 90 anos de idade e, portanto, o recorte temporal considerado nestas analises é menor que um século.

Conforme já citado anteriormente, os agricultores têm suas memórias baseando-se em momentos históricos relacionados a alguns fatos sociais, políticos ou eventos naturais. Para as comunidades tradicionais, sobretudo, esses períodos não têm datas específicas e definidas já que os tempos são diferentes. Nas falas dos agricultores encontramos três referências importantes e que nos subsidiam para explicar e situar, no contexto histórico, a atividade de resgate das cultivares de milho crioulo. A década de 1970 e as mudanças na agricultura e na economia do município; o ano de 1998 quando se iniciaram a identificação e o incentivo ao plantio de sementes crioulas; e, o alagamento de parte da área do município para o reservatório de água da Usina de Dona Francisca no ano de 2001.

O período mais relevante para efeitos deste trabalho é a década de 1970, quando ocorreram mudanças perceptíveis na base tecnológica da agricultura. Muitos relatam que até esta década, não houve fortes alterações na base produtiva e no tipo de produtos agrícolas comercializados. Foi a partir desse período que se iniciaram, mais intensivamente, o processo de industrialização e, principalmente, a adesão ao sistema de integração da cultura do tabaco com as empresas que o comercializam e processam. Esse é considerado pelos agricultores como o marco do processo de introdução de novas tecnologias para o meio rural. Juntamente com este sistema surgiram as sementes híbridas nas casas agropecuárias e uma grande

quantidade e disponibilidade de agrotóxicos, dos tipos herbicidas e inseticidas, principalmente, com preços acessíveis aos pequenos agricultores.

Juntamente com os produtos, vieram a propaganda de que estes novos métodos de produção seriam mais rentáveis e de rendimento garantido, ou seja, maior retorno econômico, segurança de safra, menor utilização de mão-de-obra e, consequentemente, melhor qualidade de vida. Em Ibarama, o agricultor AF5 relata que era comum receberem as primeiras quantias de sementes e insumos, adubos e agrotóxicos, para a prova de plantio. Essa distribuição era realizada pelos representantes comerciais das empresas que, quando chegavam ao município, aparentavam condições e qualidade de vida muito melhores que os agricultores. Retomamos aqui, portanto, a discussão acerca da cultura do atraso e da posição do técnico extensionista, que, nesta época, em muitos locais, fruto do modelo difusionista, foi o meio impulsionador desta adoção tecnológica.

No município de Ibarama, muitos agricultores, mesmo aderindo a este sistema, seguiram conservando algumas espécies e cultivares da agrobiodiversidade crioula pelas questões apontadas no capítulo anterior.

Os agricultores entrevistados foram unânimes ao atribuir parte da motivação em socializar as sementes e conhecimentos, ao trabalho desenvolvido pelos técnicos da EMATER/RS e do CAPA, a partir do ano de 1998, quando do despertar da comunidade para a grande diversidade e quantidade de cultivares distintas da agrobiodiversidade crioula, conforme relato do agricultor AF 2. A partir desse momento a quantidade de sementes que estavam sendo preservadas aumentou significativamente. Alguns agricultores cultivavam pequenas quantias de sementes e com o incentivo ao resgate, iniciaram um gradativo crescimento, da quantia de sementes produzidas e, também, de número de cultivares diferentes.

Essa nossa tradição de plantar esses milhos comuns estava quase se acabando. Foi aquela vez da escola que começaram a falar mais nisso. Na verdade quem gosta mais de cuidar das coisas dos antepassados são os que viveram nesse tempo ou que lembram do pai e da mãe utilizando os equipamento, plantando e colhendo sementes diferentes. E esse povo aí começou a se ir e os novos colonos, seguiam plantando desse hibrido, nem faziam ideia de todas as vantagem do comum e da quantia que se tinha de variedades diferentes naquela época. Esse costume tava se perdendo no tempo. Foi bom ter acontecido a reunião com o técnico aquela vez. Parece que o povo acordou e começou a se interessar de novo. (AF 2 – Trabalho de campo, 2013).

Muitos agricultores relatam que neste momento já havia muitas espécies e cultivares que foram sendo substituídas e/ou perdidas, porém vinha decrescendo o número de pessoas que preservavam estas sementes. Naquele momento foram identificados 10 agricultores que mantinham estes cultivos, e destes, atualmente, três deles já não os plantam mais, devido a falecimentos ou idades avançadas dos agricultores.

Além disso, as recentes transformações no cenário agrícola, marcadas pela liberação comercial de cultivares transgênicas, provocaram uma acentuada expansão nas áreas das lavouras destinadas à soja, que, há pouco tempo, somavam apenas 50 ha e, atualmente, chegam a 280 ha. Quanto ao sistema produtivo do milho, também foram percebidas mudanças. Uma delas se deve à redução de área plantada com sementes de cultivares crioulas ou híbridas para dar espaço à área cultivada com transgênicas (CASSOL, 2013). Também se observa, de acordo com o técnico entrevistado, que houve, no município, um aumento significativo no uso de agrotóxicos e de adubos sintéticos.