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2 A FUNÇÃO INSPEÇÃO E A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO

2.4 A inspeção escolar pelo olhar dos gestores escolares

Após ouvir o Conselho Estadual de Educação do estado do Rio de Janeiro, por meio de seu conselheiro e ex-presidente, o Diretor de Inspeção Escolar, Certificação e Acervo da SEEDUC e alguns inspetores escolares, que se dispuseram a responder o questionário encaminhado, entendemos que faltava ainda uma força importante desta relação de poder que se impõem por meio da atuação da inspeção escolar: o gestor escolar. Optamos por encaminhar questionários para 16 gestores escolares, de escolas públicas e privadas do sistema de ensino. Recebemos de volta apenas quatro respostas, mas que também consideramos valiosas, tendo em vista as análises acerca da visão do profissional da inspeção.

O questionário continha apenas quatro perguntas, que tratavam da visão que estes gestores tinham da atuação da inspeção escolar nos espaços escolares, e

como eles entendem que esta ação deveria acontecer, de forma a subsidiar um novo modelo de inspeção escolar para o estado do Rio de Janeiro.

A primeira pergunta consistia na relação do professor inspetor escolar com as escolas em que atuava. Todos os gestores de escolas públicas informaram que a relação era meramente formal e que este profissional só comparecia às escolas para a realização de programas de trabalho e conferência de pastas de estudantes concluintes, para que fossem encaminhadas ao Diário Oficial, quando isto ainda fazia parte da legislação do estado do Rio de Janeiro. As visitas de rotina pouco eram realizadas e as orientações necessárias nem sempre prestadas a tempo e a hora, nem sempre sendo consignadas em termos de visita. Informaram, unanimemente, que a ação era mais voltada para a busca do erro e não para a orientação daquilo que deveria ser feito; que as orientações mudavam rotineiramente e que a resposta que recebiam é que a nova orientação havia sido passada pela Coordenadora de Inspeção - CDIN, que impunha que as ações fossem de tal forma, sem justificativa ou motivação explícita. Embora não indiquem que os inspetores impusessem um poder a ele atribuído, diziam que as novas regras chegavam às escolas como ordens da Coordenação de Inspeção Escolar Central, e que deveriam ser cumpridas sem questionamento, não sendo permitido o diálogo – fato que, como disse um deles, termina por estar “[...] desmerecendo os anos de conhecimento de gestão que temos.” (Questionário 7, respondido em 05/11/2016). Inclusive citaram erros nas orientações e documentos elaborados por esta Coordenação, sem que tivessem espaço para questionar. A resposta dos inspetores era sempre uma: “A nossa Coordenadora mandou, tem que ser assim”. (Questionário 8, respondido em 05/11/2016).

Em relação a esta mesma pergunta, os gestores das escolas particulares informaram que as visitas de rotina nem sempre são realizadas com periodicidade esperada e que, quando o inspetor entra na escola, normalmente está em busca de problemas, sejam eles estruturais, de registro educacional, formação de docentes e outros. As orientações eram passadas sob demanda e nem sempre o profissional era capaz de responder no momento da visita, necessitando retornar à sua Coordenação Regional para, só então, retornar com a resposta. As novas demandas e orientações chegavam como ordem nas escolas, que deveriam ser cumpridas, de modo que a presença do inspetor na escola gerava um clima sempre tenso e desconfortável.

A segunda pergunta tratava do relacionamento com os inspetores. Tanto gestores de escolas públicas e privadas relataram que, na maioria das vezes, não era um relacionamento ruim; que a maioria tentava ser agradável, embora fosse difícil manter esta postura diante de tantas ordens, mandos e desmandos. Mas afirmaram que as relações interpessoais nunca foram difíceis, sendo perceptível que os próprios inspetores sentiam-se desconfortáveis em certas ações ou realização de programas de trabalho. Falas como: “Eles não são ruins, mas tem que cumprir a legislação ultrapassada e os mandos e desmandos da SEEDUC e, principalmente da Coordenação de Inspeção Escolar, aí fica difícil” (Questionário 9, respondido em 06/11/2016). Colocou ainda:

Quer um exemplo? Mandaram-nos um modelo de certidão de conclusão para ser emitido pelas escolas, no ano de 2014, eu acho [...] que continha um erro de citação de legislação. Toda vez que pedia para que fosse trocado, o inspetor respondia que não podia, porque era ordem da Coordenadora de Inspeção. Após quase um ano, corrigiram o erro, mas agora publicaram nova legislação com o modelo que será utilizado a partir de agora com o mesmo erro de legislação já cometido. Enfim, a CDIN não tem domínio do conhecimento necessário, e isso é narrado pelos inspetores, mas estes são obrigados a cumprir. Não vejo meu inspetor como culpado, o vejo apenas como uma marionete que revestido do poder que lhe foi atribuído, vem e me manda cumprir as determinações, sem uma visão crítica (Questionário 11, respondido em 06/11/2016).

Respostas como estas, refletem que o inspetor em si, não é a figura que gera desconforto, mas sim o que ele traz ao entrar na escola. Aqui podemos observar que este ser inspetor, embora praticado pela maioria dos professores inspetores escolares, se dá por meio da legislação vigente e das determinações da SEEDUC/RJ, nem sempre lhes trazendo conforto ou satisfação. O ser inspetor, o discurso e o jogo de poder que permeia todas as relações estabelecidas, no que indica a pesquisa, ocorre através dos meios legais e institucionais que posicionam o inspetor nos espaços onde atua. Este ponto é de grande importância, pois nos leva a refletir sobre o poder legal no exercício da função e, principalmente, na própria ação e identidade do profissional.

A terceira pergunta tratava da ação dos professores inspetores escolares no fazer pedagógico das escolas. Neste aspecto, os gestores de escolas públicas afirmaram que não há ação dos inspetores no fazer pedagógico das escolas e que a participação destes profissionais nos Conselhos de Classe se dava apenas para a conferência da realização destes espaços institucionais, uma vez que não

participavam deste momento e nem podiam participar, tendo em vista as características do momento. Reafirmaram que o inspetor escolar possui apenas um papel fiscalizador burocrático nas escolas, conferindo registros educacionais e do sistema educacional, além da conferência de aspectos estruturais. Os gestores das escolas particulares relataram de forma clara que não há nenhuma ação da inspeção no fazer pedagógico das escolas, cumprindo o inspetor as ações de verificação e controle de documentos e registros, habilitação de docentes e questões estruturais, sendo que três destes gestores afirmam que os inspetores só comparecem à escola para “apagar incêndio” (Questionário 7, respondido em 05/11/2016).

A quarta pergunta tratava do papel do professor inspetor como elo entre os órgãos centrais e as escolas. Neste ponto, todos os gestores responderam que este profissional não se portava como um elo e sim como um ordenador. Chegava à escola e trazia a nova ordem da Coordenadora de Inspeção e somente. E todos ainda complementaram que quando solicitada uma explicação para a nova ordem a resposta era sempre a de que não sabiam, mas que ela havia mandado fazer assim.

Desta forma, apreendemos que os gestores escolares, ora entrevistados, relatam a ação do professor inspetor escolar como uma ação burocrática, ausente e que não trazia nenhum apoio para a construção e desenvolvimento de uma educação de qualidade em suas escolas. São vistos como profissionais impostos pelo estado, com pouca autonomia, cumprindo apenas as ordens do órgão central, sem muitas explicações. Enfim, alguém que está na escola, mas está completamente fora dela.

2.5 Os movimentos de resistência e a tentativa da manutenção das relações de