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A institucionalização da conciliação nos Juizados Especiais Cíveis

A conciliação nos Juizados Especiais Cíveis vai ao encontro dos objetivos relacionados à democratização do acesso à justiça. A Lei nº 9099/95 prevê a existência de conciliadores e de juízes leigos, tendo sido os Juizados Especiais de Pequenas Causas precedidos pelos Juizados Informais de Conciliação.

Os Juizados Especiais foram o ponto de partida para que a conciliação se inserisse na política judiciária como uma forma de aprimorar a administração da justiça e, principalmente, de dar maior visibilidade a conflitos que antes não chegavam ao Judiciário186. Era preciso, entretanto, que esta iniciativa atingisse o processo tradicional, não ficando restrita ao microssistema dos Juizados Especiais187, expansão que veio a ocorrer posteriormente.

André Luiz Faisting considera que, no caso dos Juizados, houve uma dupla institucionalização no Poder Judiciário, no sentido de que há duas formas distintas de prática judiciária, baseadas em lógicas também distintas: uma que visa o acordo entre as partes por meio da conciliação, conduzida por advogado que desempenha a função de conciliador, e outra que busca a aplicação da justiça por meio do poder de decisão do juiz. Estas duas lógicas representam, portanto, uma tensão entre as duas pautas distintas da justiça contemporânea: a justiça informal de mediação e a justiça formal de decisão188.

Os conciliadores e mediadores assumem um papel importante na administração da justiça. Segundo Kazuo Watanabe, a possibilidade de participação da comunidade nas coisas que dizem respeito à administração da justiça foi uma inovação importante que ocorreu nos Juizados através das figuras do conciliador e do árbitro, que prestam serviço

186 Destaca Ada Pellegrini que a justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de funcionalidade e

eficiência do aparelho jurisdicional, sendo impróprio falar-se em racionalização da justiça, pela diminuição da sobrecarga dos tribunais, se o que se pretende, através dos equivalentes jurisdicionais, é também e primordialmente levar à solução controvérsias que até agora não chegavam sequer a ser apreciadas pela justiça tradicional. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. A conciliação extrajudicial no quadro participativo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Candido Rangel e WATANABE, Kazuo (Org.). Participação e Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, p. 282.

187 Cf. LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes. A contribuição dos meios alternativos para a solução das

controvérsias. In: SALLES, Carlos A (Org). As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro. Homenagem ao Prof. Kazuo Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 611.

voluntário. Os atrativos que a lei local venha a estabelecer poderão potenciar esse espírito comunitário, que inegavelmente existe e explica a persistência, por exemplo, da instituição do júri, que funciona à base do trabalho honorário dos jurados189.

Para Dinamarco, a conciliação é a alma do processo das pequenas causas. Na conciliação, depositaram-se as melhores esperanças de pacificação social, que constitui a

ratio legis das inovações em estudo. Sob a direção e superior orientação do juiz, os

conciliadores fariam de tudo para aproximar os contendores (lei de pequenas causas, art. 23)190.

Ada Pellegrini, por sua vez, ao escrever sobre Conciliação e Juizados de Pequenas Causas, também considerou que o escopo precípuo dos Juizados de Pequenas Causas é a busca incessante de conciliação.

Delineia-se, nesse quadro, a necessidade de repensar a conciliação, até como meio para evitar o processo, mediante soluções de mediação institucionalizada, a qual possa funcionar como canal idôneo para resolver certos conflitos, principalmente no nível de pequenos litígios: os direitos dos consumidores, a composição dos danos mais leves, o direito de vizinhança, certas questões de família e as conexas ao crédito e tantas outras contendas poderiam encontrar na conciliação o instrumento adequado para uma pronta e pacífica solução191.

Ainda nas palavras desta autora, “os Juizados de Pequenas Causas e as tentativas institucionalizadas de conciliação representam tendências que se completam, quais face e verso da mesma medalha. Essa afirmação não é desmentida pela inegável constatação de que a conciliação pré-processual pode constituir meio de solução dos litígios, alternativo e substitutivo ao processo. Ao contrário, mostra a recíproca interação entre formas de mediação que visam a subtrair certos litígios à solução exclusivamente judicial, e a instituição de um tipo específico de procedimento para os mesmos litígios, sempre que as tentativas de autogestão e de autocomposição não alcancem êxito”192.

189 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas. In:

WATANABE, Kazuo (Org.). Juizado especial de pequenas causas: Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 6.

190 DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no Juizado das Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo

(Org.). Juizado especial de pequenas causas: Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 135.

191 GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e Juizados de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo

(Org.). Juizado especial de pequenas causas: Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 148.

Ada Pellegrini considera uma tripla função da conciliação: a função eficientista (voltada à funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional), a função política (de participação popular na administração da justiça) e a função social (que visa à pacificação social), não sendo estas funções excludentes, mas coexistentes e complementares. Reconhece ainda que a mediação e conciliação passam ao status de instrumentos utilizados no quadro da política judiciária, como verdadeiros equivalentes jurisdicionais193.

Os juízes, ao serem colocados diante de situações que envolvem relações sociais cada vez mais dinâmicas e complexas, apostaram na conciliação como solução para muitas das demandas, muito embora eles não tenham sido preparados para serem conciliadores, uma vez que são formados e socializados em uma cultura institucional baseada no poder de decidir, na lógica formal da decisão e não na lógica informal da mediação194.

Os conciliadores apontam para a necessidade de criação de uma nova identidade profissional, sustentando o exercício de uma função específica e diferente dos outros advogados e dos juízes. Ao mesmo tempo em que buscam se diferenciar dos advogados formalistas e litigantes, buscam aliança com um segmento dos juízes e dos cartorários, no intuito de alcançarem a legitimidade e reconhecimento necessários ao exercício de sua função. Isto mostra que a construção desta identidade não é monolítica, mas sim múltipla e contraditória195.

Andre Faisting ressalta, por outro lado, que alguns riscos podem advir também dos interesses conservadores da magistratura. Para este autor, os juízes buscam seguir controlando as duas justiças (formal e informal) e impedir, com isso, que uma nova classe de juízes leigos ou conciliadores assuma o controle da justiça informal, impondo a estes o caráter de auxiliares da justiça e impedindo seu maior poder e autonomia profissional. Desta forma, o Judiciário garantiria o controle da justiça informal por meio da homologação dos acordos que são realizados pelos conciliadores nas sessões de conciliação. Conclui, nestes termos, que a dupla institucionalização do Judiciário, com a

193 GRINOVER, Os Fundamentos da Justiça Conciliativa cit,, pp. 3-5. 194 Cf. FAISTING, O dilema da Dupla Institucionalização cit., p. 50. 195 Ibidem, pp. 50-51.

regulamentação da justiça informal e a busca de nova identidade profissional pelos conciliadores, teria vários desafios pela frente196.