• Nenhum resultado encontrado

A busca das partes por satisfação se dá não apenas em relação aos resultados da demanda, mas também em relação ao processo pelo qual eles são gerados. Trata-se da distinção entre a justiça do processo e a justiça do resultado, que envolve diferentes níveis de percepção, controle e satisfação das partes.

Enquanto na mediação é possível que as partes definam e controlem o procedimento, no processo judicial, por sua vez, o procedimento vem estabelecido em lei e não está sujeito a adaptações75.

74 Algumas técnicas podem ser aplicadas quanto às formas de questionamento: perguntas que ampliem o foco

das partes, que façam as partes refletirem sobre a sua relação, com reformulação ou paráfrase, utilização de pausas técnicas, resumo do problema ou de até onde se chegou em alguns momentos, dentre outras. As sessões de mediação com as partes podem ser conjuntas ou separadas. Sendo separadas (caucus), deve ser mantida a confidencialidade do que foi dito ao mediador.

75 Este foi um dos pontos polêmicos enfrentados pelo Projeto de Novo Código de Processo Civil. O projeto

original conferia liberdade ao juiz para adaptar os procedimentos, adequando as fases e atos processuais às especificidades do conflito, respeitado o contraditório e a ampla defesa (art. 107). Mas o substitutivo do Projeto de Lei apresentado no Senado modificou este dispositivo e manteve a possibilidade de alterar os

Sobre a satisfação com o processo, pesquisa realizada no Programa de Mediação Forense do TJDFT constatou que entre as partes que não alcançaram acordo na mediação, 85% dos entrevistados acreditam que o processo do qual participaram os ajudarão a melhor resolver questões semelhantes no futuro. Entre as partes que transacionaram, todas responderam acreditar que o processo do qual participaram irá ajudá-las a melhor resolver semelhantes questões futuras76.

A satisfação com o processo é mais difícil de ser atestada por dados estatísticos do que a satisfação com o resultado ou acordo obtido, pois decorre de percepção (subjetiva) do jurisdicionado de que o procedimento foi justo.

Comparando a justiça processual e a substancial (procedural justice vs. substantial

justice), Nancy Welsh considera que a percepção dos litigantes sobre a justiça processual

afeta o julgamento e a aquiescência em relação ao resultado substancial alcançado, a crença na legitimidade da instituição e em seu procedimento. Segundo esta autora, os litigantes buscam e precisam ter a oportunidade de contar suas histórias e controlar a forma pela qual o fazem; eles querem e precisam sentir que o mediador considera a história contada e está tentando ser justo; os litigantes querem e precisam sentir que foram tratados com dignidade e respeito77. Em outras palavras, a justiça do processo depende da oportunidade conferida às partes de expressarem seus pontos de vista e da garantia de que as suas vozes serão ouvidas e consideradas por alguém envolvido no processo decisório, ainda que apenas de forma a facilitar a comunicação entre elas, como é o caso do mediador78.

Esta mesma autora também analisa a justiça processual que deve ser aplicada nos programas de mediação anexos às Cortes:

procedimentos apenas em dois momentos: para mudar a ordem de apresentação de provas e para dilatar prazos.

76 Dado citado no Manual de Mediação Judicial, em introdução sobre a implantação de uma política pública

na área de mediação judicial, por Rogério Favreto. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. Manual de Mediação Judicial. AZEVEDO, Andre Gomma de (Org.). Brasília: 2009. Disponível em www.mj.gov.br. Acesso em 20/12/2010.

77 Tradução livre. No original: The disputants’ perceptions of this justice affect their judgment and

compliance about the substantial outcomes and their faith in the legitimacy of the institution that offered the procedure. The disputants want and need the opportunity to tell their story and control the telling of that story; disputants want and need to feel that the mediator has considered their story and is trying to be fair; and disputants want and need to feel that they have been treated with dignity and respect. Cf. WELSH, Nancy A. Making deals in Court-Connected cit, p. 818.

O que a justiça tem a ver com a forma através da qual ocorre a mediação nos programas anexos às Cortes? Simplesmente, quando as Cortes ativamente arcam com os custos ou mesmo requerem que os litigantes utilizem a mediação para resolver suas disputas, assumem o compromisso de uma determinação justa, que passa por considerações sobre a justiça processual. De fato, as regras de processo civil – e mais amplamente, os contorno do devido processo legal – representam o resultado de uma série de lutas para garantir que os litigantes sejam suficientemente ouvidos, que os seus requerimentos e argumentos sejam suficientemente considerados, e que algo que aparente ser justo esteja sendo feito para resolver suas questões legais. Então, dentro do contexto das Cortes, o processo da mediação deve ser considerado e analisado tendo com padrão a justiça processual79.

A distinção entre justiça do processo e justiça do resultado tem sido objeto de pesquisas que focam na perspectiva das partes envolvidas. São consideradas duas questões gerais sobre como os litigantes avaliam suas experiências no Judiciário: uma relacionada aos resultados obtidos (outcome-related factors), como em relação aos valores contemplados no acordo ou decisão, custos e tempo despendidos, e outra relativa ao processo de solução de conflitos (process-related factors), como a percepção do litigante sobre a possibilidade de controle, participação, tratamento com respeito, etc

A reação dos litigantes em relação aos vários processos de solução de conflitos tem sido por muito tempo uma preocupação no estudo da teoria de Law and Society (vide, por exemplo, Abel, 1974; Felstiner, 1974; Gluckman, 1969; Gulliver, 1979; Nader, 1969; Nader and Todd, 1978), mas até meados de 1970 as avaliações dos litigantes eram consideradas em termos gerais. Na última década e meia, todavia, pesquisadores começaram a distinguir entre a satisfação dos litigantes com os resultados e o seu julgamento sobre a justiça do processo. A distinção entre o julgamento da justiça do processo e a satisfação com o resultado apareceu em boa parte no trabalho de Thibaut and Walker (1975, 1978), que mostrou que o processo pode ser julgado justo mesmo quando gera resultados insatisfatórios 80.

79 Tradução livre. No original: What does justice have to do with dealmaking in court-connected mediation?

Simply, when the courts actively sponsor and even require litigants to use the third party process of mediation to resolve their disputes, the courts' commitment to a just determination necessarily implicates procedural justice considerations. Indeed, the rules of civil procedure – and, more broadly, the current state of the law regarding the requirements of due process – represent the result of countless struggles to ensure that deserving litigants are sufficiently heard, that their presentations and arguments are sufficiently considered, and that something that looks like justice is being done to resolve their legal actions. Thus, within the context of the courts, the third party process of mediation should and must be judged against the standard of procedural justice. Cf. WELSH, Making deals in Court-Connected cit, pp. 859-860.

80 Tradução livre. No original: Disputants' reactions to various dispute processing procedures have long

been a topic of concern in the study of law and society (e.g., Abel, 1974; Felstiner, 1974; Gluckman, 1969; Gulliver, 1979; Nader, 1969; Nader and Todd, 1978), but until the mid-1970s, disputants' evaluations were thought of in general, undifferentiated terms. Over the past decade and a half, however, researchers have begun to distinguish between disputants' satisfaction with outcomes and their judgments of the fairness of procedures. The distinction between judgments of procedural fairness and satisfaction with outcomes arose in large part from the work of Thibaut and Walker (1975, 1978), which showed in laboratory settings that a procedure can be judged fair even when it yields unsatisfactory outcomes. Cf. EBENER et al., In the eye of the beholder cit, pp. 954-955.

O desenho institucional dos programas de mediação, suas escolhas, o procedimento adotado e os papéis assumidos pelos atores envolvidos são questões que influenciam a percepção sobre a justiça do processo. Nesse sentido, são três as questões que McAdoo, Welsh e Wissler analisam em sua pesquisa sobre a institucionalização da mediação: i. como o desenho dos programas afeta o sucesso da institucionalização da mediação? ii. de que forma as escolhas do desenho afetam a probabilidade de se chegar a um acordo nos casos? iii. quais escolhas do desenho afetam a percepção dos litigantes da justiça processual provida pelo programa de mediação anexo à corte?81

É interessante notar que a pesquisa realizada por estes autores apontou, por exemplo, que enquanto o fato de a mediação ser obrigatória não afeta a percepção da justiça do processo, a ausência das partes nas sessões de mediação impacta negativamente nesta percepção. A partir dessa e de outras conclusões obtidas com base nos dados coletados, McAdoo, Welsh e Wissler apresentam conselhos e recomendações aos

designers dos programas para o momento de fazerem escolhas que influam positivamente

na institucionalização da mediação e na percepção da justiça do processo:

Para maximizar o uso dos programas de mediação anexos às Cortes:

- persuadir o Judiciário e as Associações de Advogados a desenvolverem um programa que se adapte à cultura jurídica local;

- obter auxílio contínuo dos juízes no encaminhamento de casos aos programas; - tornar o uso da mediação obrigatório se uma das partes o solicitar, ou requerer que os advogados considerem a mediação no início da demanda judicial.

Para aumentar a percepção dos litigantes de que o programa proporciona justiça processual:

- requerer que os litigantes estejam presentes na sessão e convidá-los, juntamente com os seus advogados, a participarem ativamente da mesma; - determinar que os advogados adotem uma abordagem cooperativa e preparem os clientes para a mediação;

- restringir as intervenções do mediador que sejam extremamente avaliativas, como recomendações para um acordo específico82.

81 Tradução livre. No original: i. How does program design affect the success of the institutionalization of

mediation? ii. In what ways to design choices affect the likelihood of achieving settlement of cases? iii. Which program design choices affect litigants’ perception of the procedural justice provided by court- connected mediation? Cf. MCADOO, Bobbi; WELSH, Nancy A; WISSLER, Roselle. Institutionalization: What do empirical studies tell us about Court Mediation? Dispute Resolution Magazine, vol. 2, 2003, p. 8. Em outro artigo, esses mesmos autores consideram empiricamente as perspectivas dos juízes, das partes e dos advogados para avaliar o sucesso dos programa de mediação anexos às Cortes, com base em três parâmetros: substantive justice, procedural justice e efficient justice in an appropriate forum. Cf. WELSH, MCADOO, Look before you leap cit, pp. 404-425.