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3 TRADIÇÃO E MODERNIDADE NA CULTURA BRASILEIRA: UM

3.1 O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DO PAÍS: O CONFRONTO ENTRE

3.1.1 A institucionalização da cultura como política nacional: o nacional-

Os processos sociais e culturais em curso, durante a República Velha, colocaram em marcha mudanças que afetaram o país de modo fundamental, como já referimos. Segundo Rubim (2007), foi justamente no governo de Getúlio Vargas (1934 a 1945) que se estabeleceu um pacto social entre a nova classe média, disposta a assumir um papel político administrativo central para construir uma moderna sociedade industrial urbana e uma administração pública com instituições gerenciadas por uma lógica burocrática, iniciando a construção de um Estado nacional, centralizado política e administrativamente, de caráter desenvolvimentista e com padrão hegemônico que perdurou até os anos 1980 (FIORI, 2003; BEZERRA, 2013).

No plano social, o Estado regulamentou as relações entre o capital e o trabalho e criou uma legislação trabalhista e um Ministério do Trabalho. Já no plano ideológico, em 1930, criou o Ministério da Educação e Saúde (MES), um órgão que teve papel fundamental na constituição da nacionalidade, o que deveria ser feito através da impressão de um conteúdo nacional à educação, veiculada pelas escolas, da padronização do sistema educacional e da erradicação das minorias étnicas (SCHWARTZMAN, BOMENY & COSTA, 1984). O Ministério ficou sob a chefia de Francisco Campos até 1934, quando, então, iniciou a gestão do Ministro Gustavo Capanema, que ficou no cargo até 1945. Essa gestão foi considerada como um período frutífero das políticas culturais no Brasil, tanto no que diz respeito ao volume de investimento institucional realizado no nível federal, quanto à forte articulação com os intelectuais modernistas. Essa articulação só foi possível, em parte, através do vínculo do próprio ministro com a intelectualidade mineira e com alguns dos intelectuais expoentes do primeiro momento do modernismo,

como a figura de Carlos Drummond de Andrade, seu chefe de gabinete (SCHWARTZMAN, 1984, p.79).

Para Rubim (2007), a implantação do Ministério da Educação e Saúde, e mais especificamente, a presença de Gustavo Capanema à frente desse Ministério, de 1934 até 1945, e a passagem de Mário de Andrade pelo Departamento de Cultura da Prefeitura da cidade de São Paulo (1935-1938), praticamente simultâneos, inauguraram as políticas culturais no Brasil.

No âmbito da educação e da cultura, sob a condução do ministro Gustavo Capanema, a política estatal atuou sob uma perspectiva intervencionista, lançando bases importantes de atuação em torno da ideia de uma "cultura nacionalista" (RUBIM, 2007; BEZERRA, 2013).

Couto (2006) refere que Vargas, preocupado em estabelecer a imagem de uma sociedade unificada e homogênea, utiliza a arte e a cultura como agentes de coesão social, atuando ativamente na incorporação dos preceitos modernistas em seu governo.Assim, o Estado implanta uma política de caráter nacional-popular, que visava valorizar uma brasilidade oriunda da mestiçagem do povo brasileiro, não mais identificada do ponto de vista de atraso e inferioridade16, mas da ideia de que, no Brasil, haveria uma "democracia racial", tese apresentada e difundida pelos trabalhos de Gilberto Freyre.

No Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)17, o Estado reuniu uma equipe com solidez intelectual e artística para pensar sobre a gestão pública da cultura no país. Para isso, contou com ilustres servidores, como Carlos Drummond de Andrade, Cândido Portinari e Oscar Niemayer, entre outros (BEZERRA, 2013). Uma das experiências que caracterizam esse clima das reflexões da época e sua relação com a política cultural empreendida pelo governo federal foi a criação do anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (SPHAN)18, em meados de 1930, com a colaboração de Mário de Andrade, que sistematizou uma primeira ampliação no interior

16 A mestiçagem do povo brasileiro era considerada pelos intelectuais do Século XIX, de influência raciológica, como algo negativo, justificativa para o atraso e a inferioridade civilizacional da nossa sociedade. Ou seja, a raça era o elemento discursivo para explicar os problemas sociais pelos quais o país não se modernizava.

17 O DASP foi um órgão criado em 1938, no Governo de Getúlio Vargas, que visava reformar a administração pública brasileira, com um caráter mais racional e burocrático.

das políticas culturais e colocou, sob o guarda-chuva da instituição,não só a preservação das “artes eruditas”, mas também as de origem “ameríndia” e “popular”, na linguagem do projeto, “e não só os bens móveis e imóveis, mas também os usos, os costumes, as lendas, as músicas” etc. (ANDRADE, 2002).

Para Rubim (2007, p.15), pode-se afirmar que as contribuições de Mário de Andrade inovam em:

1. Estabelecer uma intervenção estatal sistemática abrangendo diferentes áreas da cultura; 2. Pensar a cultura como algo “tão vital como o pão”; 3. Propor uma definição ampla de cultura que extrapola as belas artes, sem desconsiderá-las, e que abarca, dentre outras, as culturas populares; 4. Assumir o patrimônio não só como material, tangível e possuído pelas elites, mas também como algo imaterial, intangível e pertinente aos diferentes estratos da sociedade; 5. Patrocinar duas missões etnográficas às regiões amazônica e nordestina para pesquisar suas populações, deslocadas do eixo dinâmico do país e da sua jurisdição administrativa, mas possuidoras de significativos acervos culturais.

Devido à ausência de políticas que caracterizavam a história do país até então, as ideias de Mário de Andrade provocaram um grande impacto e se tornaram o marco histórico das políticas culturais brasileiras apesar das inúmeras críticas. Mário de Andrade, como um bom modernista, defendia a perspectiva de integração dinâmica do passado ao presente. Para ele, a tradição, em si, não tinha valor, a não ser que estabelecesse um elo vivo com a atualidade, e o que importava era destacar a multiplicidade étnica cultural como forma de vislumbrar o conjunto da nacionalidade.

No anteprojeto de Mário de Andrade, segundo Botelho (2007; 2008), mesmo com as críticas, houve uma primeira ampliação da ideia de cultura no âmbito das políticas culturais em nível federal, que passava a incluir, além das artes eruditas que eram legitimadas pelas classes aristocráticas, o patrimônio, as produções intelectuais e a cultura popular. Porém, como lembra Sérgio Miceli (2001), o anteprojeto foi abandonado, pois a extrema “generosidade etnográfica” andradina ia de encontro às circunstâncias de

18 O SPHAN se tornou uma importante instituição até o final dos anos 1960 e início da década seguinte, acolhendo inúmeros modernistas, como seu dirigente, Rodrigo de Melo Franco (1937 até 1960). Contudo, a opção por uma abordagem elitista, com forte viés classista, afastou-o da interação com as comunidades e os públicos interessados nos sítios patrimoniais preservados, o que ocasionou críticas severas (MICELI, 2001).

unidade do momento político, que demandava a construção de uma visão monolítica da identidade nacional.

Ainda segundo Miceli (1987; 2001), a política do SPHAN acabou por deixar de lado o que dizia respeito à memória dos grupos populares, da população negra e da indígena, para se reduzir à preservação do patrimônio de “pedra e cal”, de cultura branca, de estética barroca e teor monumental, sobretudo, as igrejas católicas, os fortes e os palácios do período colonial, vinculados a uma história das frações das classes dirigente no Brasil.

Embora as ideias de Mário de Andrade se voltassem para constituir uma nacionalidade, com a busca profunda pelas raízes da cultura brasileira por meio de símbolos e matrizes da cultura popular, segundo Schwartzman (1984), a gestão de Capanema vai se apoiar nos aspectos mais relacionados ao ufanismo verde e amarelo, a mitos de heróis nacionais e à tentativa de fazer do catolicismo tradicional e do culto dos símbolos e líderes da pátria a base mítica daquele projeto. Essas características eram muito recorrentes nas práticas culturais vividas pelos professores investigados.

Nesse aspecto, a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, foi importante por representar uma nova dinâmica entre os discursos em disputa do localismo e o cosmopolitismo (CÂNDIDO, 2006, p.117), o que caracterizaria a vida cultural brasileira. Essa nova dinâmica apresentada por Antônio Cândido reconhece que as nossas referências culturais, a partir de elementos do “folclore” e da “cultura popular”, tornava- se a chave para a construção de um projeto político-ideológico. Dessa forma, a questão da identidade nacional marca a passagem definitiva do projeto estético do “modernismo” para o projeto ideológico, com o país ficando mais consciente das contradições de sua sociedade (LAFETÁ, 2000).

Para Couto (2006), nas artes plásticas, o critério de definição de boa arte deixa de ser relacionado ao engajamento estético vanguardista do artista e passa a ser relacionado “ao grau de nacionalismo ou de brasilidade presente na obra”, ou seja, a qualidade da obra de arte não reside mais no seu caráter de renovação formal, mas na adesão de um conteúdo nacionalista. A mesma questão foi apontada por Dimitrov (2013), em relação às artes visuais em Pernambuco, em que a questão regional tornou-se o critério que “aprisionou” a produção artística do estado.

Assim, o modernismo, cujo propósito primeiro era de romper com uma estética beletrista, “acrescentando a ela elementos da cultura popular, nos anos 1930, passou a ter, em seu horizonte, não mais a mudança do quadro cultural brasileiro para uma realidade moderna”, mas a criação da própria realidade nacional (LAFETÁ, 2000). Miceli (2001) refere que foi a partir desse ponto, da constituição nacional, que a referência modernista foi, em parte, incorporada ao projeto empreendido pelo governo Vargas, principalmente, com a articulação da máquina estatal com os intelectuais dessa geração, como vemos no seguinte trecho:

Era sem dúvida no envolvimento dos modernistas com o folclore, as artes, e particularmente com a poesia e as artes plásticas, que resida o ponto de contato entre eles e o ministério. Para o ministro, importavam os valores estéticos e a proximidade com a cultura; para os intelectuais, o Ministério da Educação abria a possibilidade de um espaço para o desenvolvimento de seu trabalho, a partir do qual supunham que poderia ser contrabandeado, por assim dizer, o conteúdo revolucionário mais amplo que acreditavam que suas obras poderiam trazer. (SCHWARTZMAN, 1984, p.81).

O “acordo” entre os modernistas e o Ministério possibilitou o estabelecimento de um projeto cultural que superasse os conflitos políticos, através da afirmação de uma imagem da identidade nacional que pudesse centralizar e reunir todas as parcelas da população brasileira em torno do regime estabelecido. Naquele momento, “a afirmação da unidade através da busca de uma possível identidade nacional junto com o controle da produção cultural aparecem como chave da política pública de cultura” (SANTANA, 2013, p.34). Assim, símbolos da cultura popular foram capturados e moldados em elementos típicos que pudessem representar não uma parte do povo, mas a totalidade que condensaria esse “Ser nacional”.

Assim, para empreender o projeto nacionalista, o governo Vargas criou espaços, físicos e simbólicos19, para estruturar uma política pública de cultura que valorizasse o caráter mestiço do povo brasileiro como símbolo de brasilidade (BARBALHO, 2007). Esse caráter intervencionista da gestão de Vargas/Capanema, segundo Rubim (2007), 19 A quantidade de instituições criadas, em sua maioria, já no período ditatorial, como a Superintendência de Educação Musical e Artística (1936); o Instituto Nacional de Cinema Educativo (1936); o Serviço de Radiodifusão Educativa (1936); o Serviço Nacional de Teatro (1937), o Instituto Nacional do Livro (1937), o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937) e o Conselho Nacional de Cultura (1938).

criou outra tradição no país: a relação entre governos autoritários e políticas culturais, que marcou, de modo substantivo e problemático, a história brasileira.

Para o autor, na gestão Vargas, foi a primeira vez em que o Estado nacional realizou um conjunto de intervenções na área da cultura, articulando uma atuação negativa de opressão, repressão e censura20, como é praxe em governos ditatoriais com outras afirmativas através de formulações, práticas, legislações e novas organizações da cultura. Segundo Rubim (2007), isso ocasionou uma oscilação entre períodos de desenvolvimento e populismo com outros de autoritarismo e repressão e gerou conflitos e contradições.

Cabe destacar, no campo educacional, mais especificamente, no que se refere ao ensino de Arte, o modernismo cultural impulsionado por Anita Mafaltti e Mário de Andrade, que introduziu os princípios da livre-expressão na educação de crianças e jovens (BARBOSA, 2002). Juntamente com o movimento, conhecido pelo nome de “Escola Nova”, liderado por Anísio Teixeira e Nereu Sampaio, defendia a integração da Arte ao currículo escolar, porém, diferente dos liberais do final do Século XIX, que tinham como objetivo ensinar os aspectos técnicos do desenho para se preparar para o trabalho. A ‘Escola Nova’, apoiada na filosofia pragmática de Jonh Dewey, defendia a ideia da Arte como um instrumento mobilizador da capacidade de criar, ligando imaginação e inteligência (BARBOSA, 2007).

A partir dessa perspectiva modernista de ensino de Arte, consolida-se como prática pedagógica “a livre expressão” (BARBOSA, 2002; COUTINHO, 2011), que repercutiu no Movimento das Escolinhas de Arte do Brasil (MEA), criado em 1948, influenciado pelos estudos de Herbert Read, especialmente da sua obra “Educação Através da Arte” (READ, 1982), e Viktor Lowenfeld, através de sua obra “Desenvolvimento da Capacidade Criadora” (LOWENFELD, 1977), que traduziam o pensamento pedagógico do MEA.

O movimento popularizou uma educação que procurava valorizar a arte da criança, com uma concepção de ensino baseada no desenvolvimento da livre expressão e da liberdade criadora (BARBOSA, 2007), embora essa prática estivesse fora do sistema regular de ensino e restrita às escolas pertencentes ao movimento. Esse movimento se 20 O poderoso Departamento de Informação e Propaganda (DIP) é uma instituição singular nessa política cultural, que visa, simultaneamente, reprimir e cooptar o meio cultural.

organizou, prioritariamente, fora da educação escolar oficial. Seu propósito era de repensar uma ação educativa criadora, ativa e centrada no aluno, que inovasse nas metodologias aplicadas ao ensino da Arte (FUSARI e FERRAZ, 2001).

Ao valorizar a arte como expressão e liberação emocional no desenvolvimento da originalidade vanguardista e da criatividade, percebemos, claramente, um distanciamento das questões teóricas, contextuais e estéticas, intrínsecas à produção artística, referendando uma concepção naturalista/essencialista de cultura, uma vez que a expressão é interpretada, em seu aspecto subjetivo, referente a um dom.

Com o fim do Estado Novo, de 1945 a 1964, ocorreram algumas ações que foram pontuais nas políticas culturais, porém substanciais para intensificar a questão nacional, por meio de intensos debates acerca da representação do “povo brasileiro” (RIDENTI, 2005). Nesse período, a expansão das universidades públicas nacionais, a Campanha de Defesa do Folclore e a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) convergiram para reconfigurar o conceito de cultura, numa perspectiva estritamente folclorista.

No âmbito do ISEB, toma corpo a interpretação do popular sob o aspecto folclorista, o que irá influenciar, de forma decisiva, outras gerações, como os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC), instalados no Rio de Janeiro (1961) e em outras cidades, ou o Movimento de Cultura Popular (MCP), desencadeado na cidade de Recife (1960) e, depois, no estado de Pernambuco (1963), pelos governos municipal e estadual de Miguel Arraes, com a notável figura de Paulo Freire, com seu método pedagógico que conjuga educação e cultura (SCHELLING, 1991).

Ressalte-se, entretanto, que a avaliação da atuação dos CPCs e a chamada cultura nacional-popular foram consideradas muito polêmicas e controversas (ORTIZ, 1986; COUTINHO, 2000), tendo em vista que o entendimento sobre cultura popular, interpretada no âmbito do ISEB que, até então, aparecia em uma chave folclorista, passou a ser reinterpretado em sua face mais engajada, a partir de uma leitura “esquerdista” de influência marxista. Nesse aspecto, a arte tinha um cunho político, com o objetivo de desenvolver o senso interpretativo e crítico.

Segundo a interpretação esquerdista, a situação de colonizado de que provinha o Brasil gerou uma ausência de consciência crítica, uma situação de “alienação”, fruto de uma situação de dependência, o que justifica a necessidade de uma vanguarda para ajudar a produzir uma autêntica cultura nacional do povo e para o povo. A ideia de vanguarda, nesse sentido, é vista como desenvolvimento econômico que gera desenvolvimento cultural. Diante desse contexto, a situação dependente em que se encontrava o Brasil só poderia ser revertida através de uma agenda desenvolvimentista, que partiria de uma identidade verdadeiramente nacional, de uma nova cultura.

Assim, transformação social, nesse contexto, significava desenvolvimento, e a questão que aparecia no horizonte era do estabelecimento de uma cultura “autêntica”, nacional, lugar onde se daria a tomada de consciência do “povo brasileiro” e se travaria a luta política capaz de suplantar a situação colonial dependente. Como coloca Ortiz (2006), ali não estava em questão uma utopia revolucionária, pois a realização de um “Ser Nacional” era certa, através de um processo de modernização, que a burguesia progressista seria responsável por comandar.

Em oposição às interpretações que aliavam cultura popular à tradição, ela se definia a partir da ideia de transformação, ou seja, a cultura só poderia ser caracterizada como popular se fosse revolucionária. Para os CPCs os intelectuais, seriam aqueles que teriam como função ser a “vanguarda iluminada” que produziria e levaria à população uma cultura verdadeiramente popular e nacional, tendo em vista superar a “cultura alienada” das classes dominantes absorvida pelas classes dominadas.

Para Ortiz (2005), a visão do CPC sobre o povo e sua cultura revela um caráter arbitrário, porquanto caberia ao intelectual promover a mediação entre a cultura e as massas, falar sobre o povo, ao povo e pelo povo que, como agente da trama de produção artística e política, ficaria ausente, reduzido a uma dimensão abstrata.

Dito isso, é esse o contexto em que surgiu o que Marcelo Ridenti chama de “estrutura de sentimento romântico-revolucionaria”, especialmente no período do governo João Goulart, quando uma série de artistas e intelectuais acreditava estar no auge da revolução brasileira em curso, uma expectativa que se rompeu com o golpe militar de 1964 (RIDENTI, 2005).

Segundo o Ridenti (2005), os CPCs, o Cinema Novo, o Teatro Arena e as canções engajadas de Carlos Lyra são exemplos do início dessa “estrutura de sentimento” que percorreria toda a década de 1960 e que, a partir de 1964, ainda podemos encontrar nas canções de Geraldo Vandré, Edu Lobo, entre outros.

Para Ridenti (2005), as produções da época seriam caracterizadas por um sentimento romântico de crítica à modernidade com olhos para o passado, mas que teriam uma característica utópica fortalecida. Nesse sentido, essa lembrança do passado serviria como instrumento para construir o futuro. Esse “passado” toma forma na busca de uma cultura popular “autêntica”, capaz de construir uma nova nação (SANTANA, 2013, p.31). Esse olhar para o “povo” em busca de imagens para a construção nacional, que ditou o surgimento de instituições especializadas na atuação sobre a cultura desde a Era Vargas e que foi reinterpretado na década de 1960, tomou um novo corpo depois do Golpe Militar de 1964.Com o regime militar, houve uma transição da passagem da predominância de circuito cultural escolar-universitário para um dominado por uma dinâmica de cultura midiatizada (RUBIM & RUBIM, 2004).

Depois do golpe, na contramão da retórica revolucionária, alguns intelectuais que apoiavam o regime, instalados no recém-instituído Conselho Federal de Cultura/CFC (1966), demonstraram sua preocupação com a penetração da mídia e seu impacto sobre as culturas regionais e populares, concebidas por eles em perspectiva conservadora (ORTIZ, 1986).

Segundo esses intelectuais, como Edison Carneiro e Renato Almeida21, era preciso impedir a descaracterização da cultura nacional, que ameaçava a segurança nacional e, para isso, era fundamental reconstruir uma memória nacional que valorizasse os heróis do passado e os elementos folclóricos, como símbolos privilegiados de uma nacionalidade autêntica.

A ênfase na memória nacional passou a ser a principal tática para inserir esses intelectuais no aparelho estatal e orientar as ações do CFC, uma vez que era também interesse do regime estabelecer suas diretrizes no campo da cultura. Dessa forma, as políticas culturais empreendidas pelo CFC visaram, nesse período, reorganizar a 21 Renato Almeida, folclorista e musicólogo baiano radicado no Rio de Janeiro e líder Movimento Folclórico Brasileiro; Edison Carneiro, parceiro de Renato Almeida e um dos maisimportantes membros do movimento folclórico e segundo diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), exonerado pelo regime militar em 1964, por ser considerado militante comunista.

“memória nacional”, com a preservação do patrimônio, de atos e personagens que, efetivamente, pudessem ilustrar o passado que correspondesse à “potencialidade de nosso país” e ao desenvolvimento em curso.

Essa associação entre “memória” e “desenvolvimento nacional”, feita por meio da institucionalização da cultura, encontrou, na questão da mestiçagem e no valor das três raças, uma de suas principais diretrizes, especialmente, devido à atuação de Gilberto Freyre no CFC e no tipo de interpretação da “cultura brasileira” posta por ele, como dito no início deste capítulo.

Com a presença de Freyre no CFC, o caráter mestiço foi associado à ideia do regional como parte integrante da cultura nacional. Assim, o discurso do regionalismo foi