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CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.6 A Instituição Discursiva

Maingueneau discorre sobre duas problemáticas como a sociologia dos campos de Bourdieu e a arqueologia de Foucault. Limita-se a discutir a problemática de Bourdieu hoje amplamente disseminada, mas destaca algumas divergências entre as duas abordagens. Bordieu reflete sobre a questão considerando o fato de o campo literário seguir regras próprias. Para o autor, é preciso estabelecer relações entre os espaços das obras concebidos como um campo de tomadas de posição que só podem ser entendidas em termos relacionais, semelhantes a um sistemas de fonemas, ou seja, como sistema de afastamentos diferenciais, e o espaço das escolas e dos autores, concebido como sistema de posições no campo de produção.

Segundo Maingueneau (2006:47),

Tal como a análise do discurso literário, a sociologia do campo literário não é uma disciplina concebida para a literatura: ela não passa de um dos domínios da Sociologia. Tal como a análise dos discursos, ela introduz mediações de ordem institucionais: ao lado “eu criador” (Proust), suporte

de “uma visão de mundo” singular, ela atribui um papel crucial ao “escritor”, ao ator que se posiciona num campo tentando modificá-lo em seu próprio benefício.

Percebe-se na concepção do autor que há uma dificuldade de inserção da sociologia do campo literário nos empreendimentos tradicionais das faculdades de Letras, pois tendem a um conflito com os defensores das humanidades tradicionais a denunciar sua negação interessada da inscrição social da produção literária. Além disso, o incitamento dos praticantes da sociologia do campo literário a atenuar a radicalidade da proposta de Bourdieu ao afirmar que ela não passa de uma leitura entre outras. Segundo Maingueneau, por um lado evita-se um conflito, mas ao mesmo tempo deixa de renunciar algo essencial: a sociologia do campo não pode ser apenas uma “leitura” entre outras, não é só um empreendimento que está na base das representações dominantes da literatura, nem das avaliações e comentários de obras como também uma teoria geral da produção simbólica.

Com Foucault a situação é diferente, pois a noção de discurso está no centro de seu dispositivo conceitual. De acordo com Maingueneau ele nunca se disse fundador de uma disciplina a não ser de maneira irônica. Mas há algumas ideias-força elaboradas pela Arqueologia que são consideradas importantes.

[...] Desejo mostrar que o discurso não é uma ínfima superfície de contato, ou de enfrentamento, entre uma realidade e uma língua, a imbricação de um léxico e de uma experiência; desejo mostrar, com exemplos precisos, que, ao analisar os próprios discursos, vemos desvelar-se o estreito vínculo aparentemente tão forte das palavras e das coisas, e se manifestar um conjunto de regras próprias à prática discursiva [...]. Essa tarefa consiste em não – não mais – tratar os discursos como conjuntos de signos (de

elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que constituem sistematicamente os objetos de que falam (FOUCAULT, 1969 apud MAINGUENEAU, 2006: 51).

Sua obra é considerada desconcertante, seu corpus advém de As palavras e as coisas, além de impor á própria teoria uma dada inflexão; analisa tipos de textos para os quais a materialidade linguística e textual parece, erroneamente por outro lado, mais facilmente negligenciável do que outros. Apesar de falar de discurso e enunciação Foucault manipula elementos que se situam num nível de algum modo pré-linguístico e pré-textual. Foucault recusa na verdade toda contribuição da lingüística, reduzida a uma ciência da “língua”, no sentido saussuriano, ou da “competência”, no sentido chomskyano. Portanto, isso se opõe à análise do discurso, que, para realizar a “refundação” desejada por Foucault, postula pelo contrário a necessidade de se apoiar nas ciências da linguagem.

A partir de da visão de sociologia do campo e da proposta de Foucault analisamos em termos de instituição discursiva a noção de instituição literária amplamente designada de acordo com o conjunto de quadros sociais representativos da atividade dita literária como parte do universo que compõem e legitima toda e qualquer produção literária. O conceito de instituição literária segundo Maingueneau permite acentuar as complexas mediações nos termos das quais a literatura é instituída como prática relativamente autônoma.

Podemos entender que obra e escritor, escritor e obra estão intrinsecamente ligados por um complexo institucional de práticas e, além disso, deve atribuir tudo isso à instituição discursiva. Dessa forma, as condições enunciativas e suas estruturas é que

definem o produto discursivo, ou seja, a relação “instituição” e “discursiva” estão atreladas através das instituições de fala que são os gêneros do discurso que por sua vez se ligam ao contrato de encenação, tornando possível a partir daí a reconfiguração da instituição literária.

O conceito de instituição discursiva é de certo modo o pivô desse movimento, movimento pelo qual passam de uma para outra, a fim de se alicerçar mutuamente, a obra e suas condições de enunciação. Abordagens dessa natureza que aliavam as relações discursivas às condições sociais de sua produção já eram contempladas pelo marxismo dos 1960-1970, pois buscavam explicar os processos de produção dos discursos e as determinantes sociais, ideológicas e históricas. Ao contrário da hermenêutica que privilegiava a leitura, mas ambas consideravam o texto uma expressão. A hermenêutica por sua vez buscava o sentido, além da obra, o que lhe conferia consciência criadora, tradição, temperamento dos povos ou arraigamento da língua numa nação.