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ABUSO SEXUAL

1.4. A interação agressor-vítima

Conforme Veltman e Browne (2001) afirmaram, a pesquisa tem mostrado que agressores sexuais visam crianças com baixa auto-estima, que parecem vulneráveis e inseguras de si mesmas, com necessidade mais aparente de serem cuidadas. Estas características das crianças podem expô-las a risco de serem abusadas sexualmente, por serem vítimas preferenciais dos agressores.

Elliot, Browne e Kicoyne (1995) fizeram um interessante estudo sobre os métodos usados pelos agressores para ganhar acesso à criança e assegurar seu silêncio. Foram entrevistados 91 homens condenados por agressão sexual contra crianças, com idade média de 41 anos. Os seguintes resultados foram obtidos: 58% escolheram apenas meninas; 32% eram parentes das vítimas, 34% eram conhecidos e apenas 34% eram estranhos. A seleção das vítimas foi influenciada pela falta de auto-estima da criança em

49% dos casos; em 42% dos casos a vítima foi escolhida por ser uma criança bonita, em 27% por causa do jeito como estava vestida, em 17% por ser pequena ou jovem e em 13% por ser inocente e confiável. A penetração sexual foi praticada em 57% dos casos; 49% dos abusos foram cometidos na casa da vítima. Os agressores usaram na maior parte das vezes mais do que uma estratégia de aproximação, como brincar com a criança ou cuidar dela, contar histórias, ganhar a confiança da família, pedir ajuda à criança, demonstrar afeto e compreensão; 28% deles admitiram que dessensibilizaram a criança lentamente, conversando sobre sexo. Apenas 19% usaram a força física para continuar o abuso; 44% usaram coerção ou persuasão; 42% apresentaram o abuso à vítima como sendo jogo ou uma forma de educação; 20% ameaçaram culpar a vítima; 24% ameaçaram com a perda do relacionamento. Os agressores também relataram sua preparação para o abuso: 21% usaram pornografia, 49% fantasiaram previamente com a criança agredida. Em 66% dos casos um estresse pessoal precipitou o abuso. A busca por ajuda não foi feita porque não havia meios de ajuda disponíveis (46%) ou porque o agressor não pensou que precisasse de ajuda (37%). Em relação à sua história de vida, 59% dos agressores admitiram terem sido eles mesmos vítimas de abuso sexual na infância (Elliot et al, 1995).

Os agressores intrafamiliares tendem mais a usar meios psicológicos para promover a sensação de desamparo da vítima do que os agressores extrafamiliares. Estes tendem mais a conseguir a adesão das vítimas com drogas ou álcool. Os agressores sustentam que têm habilidades para tirar vantagens de vulnerabilidades da criança, tais como: viver em família monoparental, estar infeliz, ser tímida, não ter supervisão adequada (Fieldman e Crespi, 2002).

Fieldman e Crespi (2002) descreveram a técnica de dessensibilização usada pelo agressor. Essa consiste numa progressão sistemática do contato físico e do conteúdo

verbal usado com a vítima. Inicialmente criando uma fachada pró-social de cuidado, o agressor supera a primeira barreira natural para o abuso, ou seja, a supervisão parental, o que lhe permite avaliar o risco de ser descoberto e a possibilidade de revelação pela criança.

O agressor ganha a confiança da criança desenvolvendo uma relação "especial" com ela; dessensibiliza a criança para formas afetivas de toque e em algum ponto, "cruza a linha" entre o cuidado e o toque abusivo. O toque ocorre em local privado, sem testemunhas, e freqüentemente a criança é ameaçada para que o abuso se mantenha como um "segredo especial". De acordo com Tobin e Kessner (2002), se existe uma relação de confiança e amor entre o agressor e a vítima, a ameaça de retirada do afeto em relação à criança pode ser suficiente para assegurar o segredo.

Padilha e Gomide (2004) analisaram o comportamento típico de vítimas de abuso sexual de não revelarem o abuso sofrido e as hipóteses para a manutenção do segredo. A primeira refere-se à possibilidade de punição por contar, pois a vítima pode carregar uma história de punições por tentar revelar, particularmente para a própria mãe. A segunda hipótese serve-se do conceito da Etologia segundo o qual o incesto é antinatural (Eibl-Eibesfeldt, 1977) e não uma relação prazerosa, o que leva a criança a ter um sentimento de aversão para com o ato abusivo, embora muitas vezes não discrimine a origem de tal sentimento. O agressor deflagra na vítima um afeto ambíguo de prazer e desprazer, com sentimentos de amor e raiva - amor em função da relação que mantém com o agressor e raiva por sentir que alguma coisa está errada, ou mesmo por ter recebido do agressor a mensagem de que o abuso é socialmente inaceitável. Isso faz com que a vítima cale-se por acreditar que seu comportamento é reprovável.

Pistorello, Follette e Hayes (2000) descreveram como o sentimento de ser culpada pelo abuso se desenvolve a partir da formação de uma regra. Uma seqüência de

conclusões "lógicas" ilustra como isso ocorre: a criança está sendo machucada por um adulto em quem confia, por exemplo, o pai, o que quer dizer que ou ela é má ou o adulto é mau; a sociedade ensina que os pais sempre estão certos e só machucam os filhos se estes agiram de forma errada, devendo portanto ser punidos; a criança conclui que está sendo punida porque é má e que é sua culpa se algo errado aconteceu - no caso, o abuso. A regra formada é "se uma coisa errada acontece é por minha culpa".

Para Tobin e Kessner (2002), os agressores freqüentemente alegam que as crianças são sexualmente provocativas. Porém, crianças não "convidam" para o abuso. A curiosidade e a excitação, sobre seu corpo ou de outras pessoas, não significam que estão procurando sexo com adultos, mas que estão em busca de atenção, afeto e aceitação e pedindo aos adultos que coloquem limites seguros dentro dos quais possam satisfazer estas necessidades. Os agressores também alegam que a criança está mentindo ao revelar um abuso. Segundo as autoras acima, crianças raramente mentem sobre abuso sexual; quando muito, tendem a omitir informação ou minimizá-la. Crianças mentem para se verem livres dos problemas, não para entrar neles.

Revelações tardias também podem ocorrer. Muitas vezes a criança não revela de imediato, e pode até esquecer temporariamente a experiência, particularmente quando foi usada a força física durante o abuso. As vítimas freqüentemente têm lapsos de memória que interferem com o processamento precoce da experiência de abuso (Fieldman e Crespi, 2002). A revelação feita pela própria criança é muitas vezes a única evidência de que o abuso ocorreu e é um componente crítico do seu tratamento. Ao lembrar de uma experiência de abuso, a vítima pode até duvidar de si mesma, pois o crédito dado ao relato de agressores ainda é maior do que aquele dado às vítimas.