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O objetivo geral desse trabalho foi avaliar a eficácia de um programa de prevenção primária, realizado em ambiente escolar, com pré-adolescentes e adolescentes. Os dados mostraram que o desempenho geral do grupo melhorou após a Intervenção e manteve-se após 18 meses, embora com uma pequena queda. As mudanças de desempenho foram estatisticamente significativas, apontando a eficácia da Intervenção no fornecimento das informações medidas pelo questionário. Há evidências na literatura científica internacional (Wurtele et al., 1986; Kraizer et al., 1989; Rispens et al., 1997) sobre os efeitos imediatos dos programas em termos da aprendizagem dos conceitos sobre abuso sexual e da aquisição das habilidades de autoproteção ensinadas, embora não haja ainda provas sobre sua generalização.

O objetivo de desenvolver e aplicar um programa de prevenção de abuso sexual para pré-adolescentes e adolescentes com ênfase na instalação de um repertório de comportamentos de autoproteção foi contemplado com a descrição dos procedimentos utilizados na intervenção.

Entretanto, algumas limitações importantes do presente estudo devem ser apontadas e sanadas em trabalhos posteriores, particularmente relacionadas com a avaliação do programa. Embora a análise qualitativa das participações dos estudantes mostre que ocorreram mudanças de comportamento, não se pode afirmar que o instrumento, que foi utilizado para avaliação das quatro categorias de comportamento que foram alvo da intervenção, tenha de fato medido tais comportamentos. A proposta inicial era de um estudo piloto, com a construção de um instrumento que viesse a ser validado ao longo do processo, e a replicação da intervenção juntamente com as medidas de avaliação na seqüência do estudo. Tal continuidade não seu deu, em função das características do projeto, particularmente sua duração, o que tornaria inexeqüível a

formação e execução de mais dois ou três grupos posteriores de participantes. A validação do instrumento, portanto, não ocorreu no decorrer do presente estudo, porém há que se considerar que o próprio processo de construção da intervenção dá subsídios para a posterior reformulação e validação de tal instrumento, com vistas ao uso em novos programas de prevenção.

O instrumento pode ser aprimorado de forma a atingir objetivos mais abrangentes e para que possa medir igualmente as quatro categorias. As mudanças pretendidas poderão adicionar mais perguntas referentes ás categorias de comportamento de “dizer não”, “sair da situação”, “contar a alguém”, sem retirar as referentes à categoria “discriminar riscos”, bem como reformular questões que não ficaram claras para os respondentes. Finalmente, seria pertinente submetê-lo a um processo formal de validação.

A despeito das limitações, o presente estudo possui muitos pontos positivos, tais como o desenvolvimento de um programa de intervenção original com resultados encorajadores. Outros pontos fortes a serem destacados são: a existência de um Follow- up longo (18 meses após o término da intervenção), e a manutenção de ganhos significativos após este período. Há que se apontar, também, a estratégia de se utilizar uma urna para os estudantes expressarem dúvidas de natureza sexual, facilitadora em função de que os participantes não precisavam se expor.

Questões referentes a múltiplas medidas devem ser levantadas. No presente estudo não foi feito o levantamento de casos investigados pelo Conselho Tutelar da região em que se encontrava a escola. Tal levantamento ajudaria na formação do perfil da comunidade em que seria aplicada a intervenção.

Outra questão relevante é a participação de pais e professores na intervenção. Observou-se, no presente estudo, que a participação dos pais, mesmo como

respondentes de um questionário, pode ajudar na adesão dos participantes da intervenção. Poderia ser tentada uma intervenção específica para os pais, similar em conteúdo à dos filhos. Seu objetivo seria educar os pais para discutir com os fihos os comportamentos de auto-proteção e inibir possíveis tentativas de abuso sexual intra- familiar. Futuros estudos poderiam envolver a participação de professores com o objetivo de ensiná-los a acolher dúvidas e possíveis revelações de casos de abuso feitas pelos adolescentes participantes. Além disso, o tema “prevenção do abuso sexual” poderia ser utilizado como uma tema transversal no currículo escolar do ensino fundamental, com técnicos capacitados para a aplicação do programas de prevenção de forma contínua e rotineira na grade curricular.

O presente estudo mostrou que é possível desenvolver um programa de prevenção primária de abuso sexual em escolas, dirigido a adolescentes e pré- adolescentes e adaptado à realidade brasileira. Os resultados mostraram que algumas crenças dos participantes a respeito de abuso sexual foram mudadas, principalmente as referentes a: uso da força física no abuso sexual; possibilidade de o agressor ser alguém próximo à criança, incluindo familiares e pais; idade ou sexo do agressor; sexo da vítima. São mudanças em crenças que podem fazer diferença para os participantes quando se defrontarem com uma situação real de abuso sexual.

A justificativa para o desenvolvimento de um programa de prevenção primária de abuso sexual, sua aplicação e avaliação considerou a escassez de trabalhos realizados no Brasil sobre este tema. A área de prevenção primária dá ainda os primeiros passos, e o presente trabalho mostra que o desenvolvimento de estudos é necessário. Prova disto foram os relatos dos participantes de contato com situações de violência.

Os custos do abuso sexual são grandes, tanto para a sociedade quanto para as vítimas, pois pode ter efeitos a médio prazo na qualidade de vida da pessoa vitimizada e a longo prazo na multiplicação da vitimização em gerações posteriores.