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No capítulo anterior, ao tratar da violação da intimidade através da Internet, acentuou- se a perceptível mitigação do direito à privacidade em razão das novas tecnologias de infor- mação. E nesse panorama, as redes sociais figuram como a principal ferramenta de mudança nos conceitos de público e privado.

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MIDIATIX. Números e fatos das mídias sociais em 2013. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=dGeuNF4oUHE>. Acesso em 02 de Setembro de 2013.

2 BRAZIL Digital Future in Focus. Principais insights de 2012 e o que eles significam para o novo ano. Rela- tório anual realizado pela ComScore.Inc. 2013. Disponível em: <http://www.slideshare.net/iFulvio/2013-brazil- futureinfocusfinalportuguese>. Acesso em: 02 set. 2013.

Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz (1992, p. 77) a privacidade é um direito subje- tivo fundamental, cujo titular é:

Toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dize- rem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é integridade moral do titular.

Em acertada definição do direito à privacidade, Costa Júnior apud Mendes; Branco (2012, p. 318) elenca que é resultado da necessidade do indivíduo de “encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometido pelo ritmo da vida moderna”.

A privacidade, tal como protegida pela constituição é o direito de estar só e de:

Ser deixado em paz para, sozinho, tomar as decisões na esfera da intimidade, e as- sim evitar que certos aspectos da vida privada cheguem ao conhecimento de tercei- ros, tais como confidências, hábitos pessoais, relações familiares, vida amorosa, sa- úde física ou mental, etc. É um direito de conteúdo negativo, dizem os autores, por- que veda a exposição de elementos particulares da esfera reservada do seu titular a conhecimento de terceiros (Cavalieri Filho, 2010, p. 113).

O direito à privacidade está presente em praticamente todas as constituições democrá- ticas. No Brasil, na Constituição de 1988 é tratado como um direito fundamental, que diz já em seu artigo 5º:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

(...)

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telegráficas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Ocorre que, a moderna sociedade digital essencialmente formada por componentes in- tangíveis e incorpóreos tem como consequência o apreço pela liberdade e pela exposição da vida cotidiana, sem observância do mínimo de restrição. Essa ausência de seleção do que pu- blicar na web, onde a palavra de ordem é “divulgar tudo”, põe em risco o próprio direito de pleitear a reparação em casos de dano, já que os próprios usuários das redes, muitas vezes de forma impensada, expõem a própria intimidade.

Destaca-se aqui uma das características marcantes das redes sociais que é a documen- tação irretratável do que se publica. Uma vez divulgada, a informação passa a fazer parte de

um ambiente multiplicador de dados em cadeia. É uma verdadeira difusão de informações de maneira epidêmica. O problema é que as consequências no futuro são imprevisíveis e, uma informação que no contexto da publicação não teria um cunho negativo, tempos depois, pode ser usada contra o internauta.

Um exemplo dessa situação, mais comum do que se imagina, é o de estudantes que di- vulgam nas mídias sociais fotos e/ou vídeos de sua intimidade, que no contexto da situação parecem ser naturais. Todavia, tempos depois, ao passarem por uma seleção de emprego, onde atualmente é comum se fazer uma análise do perfil dos candidatos nas redes sociais, perdem a vaga por conta do registro de situações comprometedoras para o profissional pretendido pela empresa.

Outro ponto a se destacar é a questão financeira envolvida por trás das redes sociais e que está totalmente interligada à invasão da privacidade do usuário. Muito se questiona como os fundadores e proprietários desses sites de mídias sociais conseguem captar lucros, já que o cadastro é gratuito com o simples preenchimento de alguns dados.

A resposta é muito simples. Quando as pessoas navegam na Internet, fazem coisas do cotidiano como se estivessem em ambientes físicos, como o simples ato de visitar uma loja e avaliar produtos. Ao participar de uma rede social, se compartilha os interesses em determi- nadas mercadorias, os ambientes mais frequentados, as marcas favoritas, as necessidades roti- neiras, dentre outras preferências do dia-a-dia. E com uma simples avaliação das atividades mais frequentes do internauta, facilmente consegue-se traçar o seu perfil que agora passa a ser um consumidor em potencial.

O produto de valor econômico a ser comercializado é exatamente o perfil do internau- ta. Redes de relacionamento como o Facebook, Twitter e Orkut funcionam como bancos de dados que armazenam as características dos usuários. Com essas informações, contas de e- mail, endereços, contatos e preferências disponíveis, elabora-se um verdadeiro “dossiê comer- cial” que é vendido para as grandes empresas que, após traçarem o perfil do provável com- prador/consumidor, direcionam as mais variadas estratégias de marketing para venda de pro- dutos e serviços.

Assim sendo, pode-se concluir que as ações efetuadas em uma rede social estão envol- vidas por um sistema de riscos, onde a reputação e o comportamento do indivíduo na web podem comprometer aspectos da vida pessoal e profissional, o que demonstra mais uma vez o poder de invasão da Internet na privacidade dos usuários.

Toda essa problemática em torno da Internet, a invasão da intimidade das pessoas e ausência de regulamentação sobre o tema, eclodiu de forma impactante na comunidade jurídi- ca do Brasil, refletindo em diversas movimentações no sentido de estabelecer regras e princí- pios no uso dessa veloz ferramenta de comunicação da Era Digital.

A inquietação inicial foi direcionada para a necessidade de uma normatização penal que viesse a tutelar as relações jurídicas online. Entretanto, essa ideia foi logo rechaçada pelos estudiosos, como bem descreve Tainá Cristina de Oliveira (2012, p. 55), ao defender que a normatização da Internet deveria iniciar na esfera civil para, só depois, partir para esfera cri- minal.

Nesse sentido, assenta-se o princípio da intervenção mínima do Direito Penal que tem como consequência a sua característica de subsidiariedade, como bem explica Capez (2005, p. 22) ao pronunciar que:

O ramo penal só deve atuar quando os demais campos do Direito, os controles for- mais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela. Sua intervenção só deve operar quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito.

(...)

A intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal decorrem da dignida- de da pessoa humana, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e são uma e- xigência para a distribuição mais equilibrada da justiça.

As discussões sobre o tema resultaram no Projeto de Lei de nº 2.126/2011 chamado de “Marco Civil da Internet”, de iniciativa do Ministério da Justiça e com a participação da soci- edade, que objetivou estabelecer regras, princípios, garantias e deveres no uso e desenvolvi- mento da Internet no Brasil, bem como regular as relações e responsabilidades dos provedo- res.

Na Exposição de Motivos (2011), o Projeto de Lei do Marco Civil, explica todos os fundamentos do projeto, considerando-o como o primeiro passo no caminho legislativo para se regulamentar questões importantes ligadas ao uso na Internet (BRASIL, 2013).

A Exposição de Motivos que teve a assinatura do então Ministro da Justiça José Edu- ardo Martins Cardozo, Ministro das Ciências e Tecnologia Aloizio Mercadante Oliva, Minis- tro das Comunicações Paulo Bernardo Silva, e da Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão Miriam Aparecida Belchior, tramita atualmente na Câmara dos Deputados está sujeita à apreciação do Plenário em regime de urgência. O Projeto submetido à apreciação da Presi- denta da República estabelece:

Princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de computadores no país, e dá outras providências. Tal projeto foi construído em conjunto com a soci- edade, em processo que ficou conhecido sob a denominação de Marco Civil da In- ternet (BRASIL, 2013).

Em que pese às críticas na demora da regulamentação do projeto que ainda tramita na Câmara dos Deputados, o Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br), que representa um respeitado modelo de governança multissetorial da Internet com legítima participação popu- lar, destacou a importância de se aprovar com urgência o projeto do “Marco Civil” para afas- tar:

Movimentos nacionais e internacionais que violem os princípios e garantias de uso e desenvolvimento da Internet e de direitos civis constitucionais da sociedade brasilei- ra e de consolidar, no arcabouço legal brasileiro, os princípios fundamentais de neu- tralidade de rede, de defesa da privacidade de todos que utilizam a Internet e de i- nimputabilidade da rede (CGI.br, 2012, p. 5).

No que tange a esfera penal, com os chamados crimes digitais ou cibernéticos, um ca- so de grande repercussão midiática veio eclodir na rápida sanção da Lei nº 12.737/2012, co- nhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que será objeto de estudo no tópico subsequente.