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4.1 O Trajeto de Identificação da Hantavirose em Santa Catarina

4.1.7 A investigação ambiental

Esta etapa aconteceu em março de 2001, quando foi feita a captura de roedores no foco de emergência. A técnica para a captura é determinada pelo CDC. Foram 2.640 armadilhas distribuídas e as espécies capturadas foram identificadas e o material biológico foi preparado e enviado ao IAL para verificação sorológica.

Este estudo foi efetuado por profissionais do IAL, pessoal da Vigilância Epidemiológica das regionais onde poderiam estar ocorrendo casos, e da Vigilância Ambiental do Estado, e Sanitária local.

Este trabalho movimentou os profissionais do município, na expectativa dos resultados, o que foi bem explícito no relato de um profissional da esfera estadual:

Tinha uma equipe muito boa. Responsáveis pela epidemiologia da Hantavirose e da ambiental, da DVE. O Coordenador da Saúde Pública da Secretaria de Estado de Saúde. A Coordenadora do trabalho, que era do CENEPI. O Coordenador do Hantavirus em Brasília. A equipe do Instituto Adolfo Lutz e um representante do CDC que eu disse que veio o primeiro dia e no último. Além destes, veio o pessoal das regionais, os médicos locais, e como é uma coisa nova todo mundo quer saber. A rádio, o jornal, e a televisão falam, em qualquer lugar que a gente chegasse sempre tinha um profissional da área da saúde que queria aprender mais um pouquinho, então se tomava o café da manhã, almoçava e jantava falando de Hantavirus (CC). É interessante o clima de empatia e interação que se estabeleceu na ocasião, quando aconteceu um trabalho envolvendo diferentes profissionais na ânsia de aumentar o seu conhecimento e outros até, como comentado anteriormente, pela curiosidade. Não desvalorizando de forma alguma estes últimos, que movidos pela curiosidade e pela oportunidade de participar deste processo, consideraram este momento uma contribuição muito positiva para a formação profissional e pessoal:

De tudo o que eu sei, de tudo que eu aprendi, devo grande parte ao Instituto Adolfo Lutz. Quando eu disse pra eles que eu sabia muito pouco, eles me disseram [...] Vai anotando, vai escutando, vai perguntando. E assim eu fiz. Então eu aprendi muito de Hantavirus (CC).

Em comparação a este último relato de profissional qualificado, convém fazer a observação do estímulo, a importância de participar de uma atividade desta monta, mesmo aquele profissional que não tem formação superior e conhecimento literalmente qualificado. A capacidade humana não deve ser desqualificada, principalmente no que se refere ao nível de formação educacional e profissional, tanto que, uma pessoa sem instrução formal, como BO pode valorizar de forma inesquecível seu aprendizado, podendo tornar-se assim um aliado nas políticas de prevenção e controle de doenças. Foi sentido pela pesquisadora, na entrevista, a vontade que o ser humano tem de aprender, assim como a manifestação de orgulho por seu saber e seus conhecimentos:

Foi uma oportunidade pra mim [...] A colocação e o recolhimento das armadilhas [...] Eu participei [...] Você faz o trabalho de (pesquisador) [...] Você identifica (o rato). Mede a patinha, o rabo, a orelha. Faz a sangria [...] Tem que cortar para retirar amostras, e não pode cortar o pêlo. Então, eu fazia o serviço melhor do que os técnicos que eram formados (BO).

Desde a emergência da Hantavirose, e quando ocorrem novos casos suspeitos em diferentes regiões, novas investigações sobre o reservatório são planejadas e executadas de acordo com a disponibilidade de recursos financeiros e humanos. O IAL é laboratório de referência, na pesquisa de Hantavirose, porém outras instituições estão desenvolvendo pesquisas nesta mesma linha, a exemplo da Fundação Oswaldo Cruz, que também já esteve em Santa Catarina para capturas de roedores em região próxima a Seara.

A infraestrutura de uma pesquisa de tal monta é dispendiosa, devido ao material ser importado e ser de alto custo. Alguns equipamentos, como máscaras especiais, deveriam ser disponibilizados em níveis locais, para os profissionais responsáveis pelas investigações de casos suspeitos e notificados, sem correr o risco de contaminar-se com o vírus.

Na investigação de Seara, os profissionais envolvidos ficaram instalados em hotel próximo e tiveram contatos corriqueiros com os profissionais de saúde, do município e regional, devido à rotina cotidiana local e à quantidade de serviços a serem executados para a pesquisa. O objetivo maior era, e continua sendo até o momento, a coleta de informações sobre o reservatório e a espécie de vírus que causou a emergência no local. A vivência para troca de experiências neste momento é importante, no sentido de criar tempo e espaço para a circulação de informação, e pode ser evidenciado no relato do profissional.

Nós tínhamos reunião todos os dias, à noite. Depois de todas atividades, a gente tinha um grupo de discussão [...] Era uma mesa redonda, cada um dava sua opinião daquilo que viu. Do pouco que já sabia, e daquilo que estava acontecendo [...] (CC):

Da captura, obtiveram 313 roedores, entre espécies silvestres e sinantrópicas, porém nenhum teve sorologia positiva. Aparentemente, o que para alguns seria um problema de método, na captura, para outros as falhas ocorreram por conta da escolha dos locais das capturas. A justificativa é dada por um dos entrevistados que participou da prática em campo, e que atualmente, participa de grupos de pesquisas sobre os roedores:

Profissionais do Instituto Adolfo Lutz e mais uns 12 componentes da Secretaria mesclando com o pessoal das regionais, onde possivelmente poderia esta acontecendo o Hantavirus, envolvidos naquele processo de captura que não funcionou. Foi feita de forma errada. A escolha dos locais não foi o ideal, tanto é que não se conseguiu capturar nenhum roedor contaminado (CC).

A escolha dos locais foi considerada inviável, e possivelmente a época do ano podia não ser a melhor, mas as técnicas de captura foram corretas e são determinadas pelo CDC. No mês de agosto do mesmo ano, nova captura foi efetuada. Esta, porém, abrangendo uma área maior que compreendeu os Municípios de Seara, Arroio Trinta e Ipuaçu, todos em Santa Catarina, com um total de 473 roedores capturados. As amostras, analisadas pelo IAL, incriminaram a espécie Oligoryzomys nigripes como reservatório do Hantavirus denominado até o momento sin nombre (SECRETARIA DO ESTADO DA SAÚDE DE SANTA CATARINA, 2002).

Como até o momento a espécie viral ainda não foi identificada, os estudos em Santa Catarina continuam. A participação de outras instituições como a Fundação Osvaldo Cruz/FIOCRUZ, que também possui um núcleo de pesquisa sobre Hantavirus, começa a disputar espaço nas pesquisas, pelo menos em Santa Catarina, onde o início de sua participação apresentou certo sigilo frente a outros laboratórios. Inclusive, ao ser contatado para contribuir com informações, sobre a área de pesquisa, seu representante alegou a indisponibilidade de tempo para tanto.

Durante todo este trajeto, as relações estabelecidas entre os profissionais de saúde e de pesquisa ocorreram no momento das atividades do estudo. Após todo o processo de emergência o alerta existe, mas a criação de

espaços e de tempo para discussão sobre o assunto não, exceto quando surgem novos casos onde a culpabilização do paciente é a principal característica relacionada. Mas isto também acontece com outros agravos e com campanhas do Ministério da Saúde.