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Discurso religioso

I) A investigação jornalística

O repórter/jornalista, muitas vezes, faz um trabalho sério de investigação, antes de noticiar/publicar um fato à sociedade. Para tanto, ele se utiliza de técnicas específicas, relativas à sua profissão, que ele aprende e desenvolve ao longo de sua formação teórica e prática. Os dados que o repórter-investigador coleta são determinados por seu interesse particular e, também, muito provavelmente, de seu editor.

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Em muitos casos, pode o jornalista criar e/ou reproduzir, em sua matéria informativa, imagens intensamente carregadas de significações construídas por seu contexto social (sua cultura), às quais ele atribui sentido de verdade. Os termos, as perguntas, as respostas dos entrevistados, os destaques conferidos pelo editor, enfim o processo jornalístico pode vir a reforçar determinados estigmas, criar expectativas, proporcionar o medo perante situações de desequilíbrio social:

“Cerca de 350 menores infratores tentaram fugir do presídio Muniz Sodré, em Bangu (zona Oeste do Rio), ontem de madrugada, provocando uma rebelião.

Os internos quebraram móveis, equipamentos, celas, salas e derrubaram parte de uma parede. Alguns atearam fogo a colchões. O prédio foi cercado por cerca de cem policiais militares que acabaram controlando a rebelião.

Bombeiros conseguiram combater o incêndio. O quebra-quebra durou cerca de duas horas. Um funcionário do presídio calculou que dez salas foram totalmente depredadas. Equipamentos como computadores foram quebrados. Até pedaços de grades das celas foram arrancadas. Apenas alguns internos se feriram superficialmente, segundo funcionários. [...]

Essa é a segunda rebelião desses menores em menos de um mês. Segundo um funcionário que não quis se identificar, o grupo promove tumulto para tentar ser transferido, já que fugir dali seria mais difícil.” (ADOLESCENTES fazem rebelião. Folha de São Paulo, São Paulo, 05 maio 1998.)

“Três menores morreram na manhã de ontem por causa de queimaduras sofridas após uma briga no Instituto Central de Menores, da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) em Porto Alegre (RS). O instituto abriga internos considerados de alta periculosidade.

A direção da Febem divulgou que quatro menores tiveram um desentendimento na madrugada de segunda-feira no quarto que ocupavam no instituto. No local, dois deles teriam espancado um colega de quarto. Os monitores do instituto retiraram do quarto o menor ferido. Os outros três tiveram uma briga e queimaram colchões.

O menor Roger Souza de Freitas, 17, Márcio José da Silva, 17, e Isaías Laphis Neuschrank, 16, morreram devido às queimaduras. Neuschrank foi retirado morto do quarto. Os outros dois ainda receberam atendimento médico, mas morreram no hospital. [...]

A superlotação é apontada como principal motivo dos conflitos [...]. O secretário [Iradir Pietroski – Secretário do Trabalho] disse que a situação vai melhorar em abril, quando deve entrar em funcionamento duas novas casas para abrigar menores infratores no Estado.” (HAHN, S. 3 meninos morrem queimados na Febem. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 mar. 1998.)

As notícias acima transmitem e reforçam a idéia de que o adolescente marginalizado é capaz de cometer atos brutais, inclusive assassinar seus próprios colegas de internato. Acaba por reforçar o medo coletivo e a necessidade de maior vigília e repressão por parte das autoridades e das pessoas comuns. O adolescente infrator torna-se monstro, mesmo quando apenas três ou mais meninos tenham começado um “tumulto” de conseqüências trágicas.

A investigação jornalística também se reporta às ruas da cidade, retratando o “submundo” e o cotidiano dos meninos e meninas que vivem ou ficam nas ruas. O repórter relata ao seu público leitor as características sócio- econômico-culturais dos meninos, seus sonhos e, principalmente, suas atitudes:

“A rua Antônia de Queiróz, na Consolação, é o principal ponto de concentração de meninos de rua. É lá que eles dormem, ao relento, e de onde sai a maioria das reclamações dos moradores.

As crianças preferem a rua porque lá funciona uma casa aberta, mantida pelo governo estadual. [...]

Para os moradores da rua Antônia de Queiróz, a casa aberta é o vizinho mais indesejável. Até abaixo-assinado, pedindo o fechamento do local, já foi endereçado ao secretário de Segurança Pública.

Um grupo de cerca de 20 crianças e adolescentes montou ‘acampamento’ pela rua. ‘Eles não são violentos, mas fazem muita algazarra e sujeira’, reclama Florinda Bergamashi, que colocou sua casa á venda.

Os comerciantes estão contratando seguranças para tentar evitar prejuízos causados pelos meninos. Na rua Oscar Freire, seguranças ficam de plantão durante a noite. ‘Muitas lojas estavam sendo arrombadas e ficamos com medo de arrastões’, justifica Jorge Zarif, 36, vice-presidente da associação dos comerciantes da rua. ‘Mais de 70% dos furtos e arrombamentos na região são cometidos pelos menores’, diz o capitão PM José Everardo da Silva.” (CASTRO, D. Lojas contratam seguranças. Folha de São Paulo, São Paulo, 09 jul. 1994.)

“Menores de rua de São José do Rio Preto estão fazendo miniarrastões para furtar produtos de linhas populares de lojas do calçadão. A maioria dos comerciantes não vai à polícia pelo baixo valor das mercadorias.

O objetivo dos menores é a compra de cola para cheirar [...]. (MENORES fazem arrastão em calçadão. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 set. 1994.)

Através da investigação, o jornalista traça o quadro de uma realidade que ele próprio ajuda a delimitar. A infância pobre, marginalizada, passa a ser caracterizada não só pela criminalidade potencial e efetiva, como também pela sua condição de miséria, a qual seria a causa fundante do problema:

“Um combinação explosiva de fome, infortúnio, drogas e um aborto após três gestações estão fazendo a ex-doméstica, Elisângela da Cunha Santana, 21, cogitar a possibilidade de entregar os três filhos, com idades que variam de 1 a 5 anos, para uma entidade pública. [...]

Elisângela, que não sabe há quanto tempo está desempregada, vive com a mãe, Eunice Cunha Santana, 48, os três filhos e cinco irmãos num cômodo do casarão que foi de Santos Dumont, em Campos Elíseos (região central de São Paulo), invadido por um grupo de sem-teto no dia 9 de março. [...]

Pessoas ligadas à Elisângela, entretanto, disseram que ela resolveu interromper a gestação, então com dois meses, quando estava sob efeito de crack. [...].” (OLIVEIRA, M. Mãe quer deixar 3 filhos em entidade. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 jul. 1997.)

“Os seis últimos casos de abandono de recém-nascidos registrado na Grande São Paulo na última semana deixa uma pergunta no ar: o que pode levar uma mãe a chegar ao ponto de desistir de um filho e deixá-lo na rua? [...]

As mulheres entrevistadas citam o medo, a falta de amor, de estrutura familiar ou simplesmente o desespero como causas que quase as levaram a abortar ou abandonar um filho. [...]” (OLIVEIRA, M. Pobreza não é a única causa de abandono. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 jul. 1997.)

Nas notícias acima, vão sendo detalhadas as vidas dos indivíduos pobres, suas mazelas são constantemente expostas à opinião pública nacional e, com isso, suas identidades, individuais e coletivas, tendem à deterioração. Esse processo culmina na estigmatização desses indivíduos, rotulados a partir de referências estereotipadas que conduzem à formação de um pensamento único, numa sociedade essencialmente heterogênea como a do Brasil.

Na pior das hipóteses, a própria condição de miséria em que vive a população pobre brasileira surge, no contexto informativo dos jornais diários, como a causa dos problemas sociais tais como a criminalidade, a prostituição, os assaltos, dentre outros. Esse fato pode vir a provocar o sentimento de desconfiança da sociedade em relação à essa parcela da população nacional.