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A cidade de Itajaí produz em todos, mesmo em quem não a observa com olhos de bairrismo, uma impressão agradável e simpática. Situada numa planície extensa cujos limites os morros de Cruz, da Fazenda e das Cabeçudas circunscrevem pelos lados sul e oeste, ela se debruça a beira do rio que lhe deu o nome, numa atitude de sultana formosa, coroada pelo diadema verde dos morros em torno e se revendo no espelho das águas do rio, seu eterno amigo e companheiro. As ruas alinhadas, retas e longas e em parte já calçadas de paralelepípedos, com passeios nivelados e terrenos baldios murados, dão-lhe aspecto de uma urbe moderna, capaz de conter uma população enorme. De fato, a planície, em parte várzea em que a cidade se assenta e se projeta, vai pelo vale do Itajaí-mirim acima numa extensão de doze quilômetros e oferece espaço a algumas centenas de almas99.

A Itajaí posta no anuário de 1949 difere muito da cidade contada no item anterior por Irene Lopes Ramos, e, por isso, é necessário introduzir a questão de forma a fazer a crítica da fonte que se escolheu para analisar nesse tópico da tese. Os anuários itajaienses demonstraram a riqueza necessária para perceber a cidade que era contada e como a classe dirigente fazia seu marketing através deles. Esse excerto que fora escolhido como epígrafe é do anuário de 1949, organizado por Marcos Konder e Silveira Júnior e impresso nas oficinas Impressora Aurora Ltda., localizada na Rua Pedro Ferreira, n.º 14, em Itajaí. O preço do exemplar, segundo informa a capa, era de cr$ 30,00.

Os anuários, como mencionado na apresentação da edição, eram patrocinados pela indústria e comércio de Itajaí100, contando também com alguns apoiadores do meio político, nessa altura, os quais não raras vezes eram os escritores. Por isso, não é surpresa que as edições sejam carregadas de ufanismos e elogios ao mar, ao rio e à terra fértil. Dessa forma, o anuário de 1949 dedica a Itajaí dezenas de elogios:

Comercialmente constitui o entreposto e ancoradouro obrigatório de uma das mais importantes e futurosas regiões do Estado – o vale do Itajaí. No seu prodigioso

hinterland, o braço do colono italiano e alemão construiu colônias como Brusque e

Blumenau, verdadeiras colmeias, onde o labor e a tenaz inteligência do homem souberam tão galhardamente vencer o meio físico nem sempre grato, para transformar a mata virgem em cidades florescentes e magníficas101.

Diferente do relato de Irene Lopes Ramos, o anuário na edição de 1949 traz um resumo dos estabelecimentos comerciais, sociais, culturais e de ensino de Itajaí. Entretanto, o que surpreende nos números publicados nesse anuário é o número de escolas que a cidade

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Anuário de Itajaí de 1949, Itajaí, SC, p. 13. Fonte: Arquivo Público Municipal Genésio Miranda Lins. 100

Os anuários na sua gênese eram patrocinados pela indústria e comércio. Atualmente são editados e patrocinados pelo poder público com orçamento da secretaria da educação e cultura.

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possui, tanto primárias como secundárias. “A estatística em 1948 acusa os seguintes dados. Escolas isoladas: 102; sendo 51 estaduais e 51 municipais” (anuário de Itajaí de 1949). O anuário também acusa a existência de uma escola normal na cidade e um ginásio masculino e um ginásio feminino.

Ainda nesse anuário, há um importante destaque para a fundação de Itajaí, e sobre isso, o anuário de mil novecentos e quarenta e nove informa:

A fundação histórica de Itajaí data de 1820 e é considerado seu fundador Antônio Menezes de Vasconcellos Drumond, jovem diplomata que o ministro de D. João VI, Tomaz Antônio de Vila-Nova Portugal enviara em missão desconhecida a Santa Catarina a fim de afastá-lo da corte, onde suas tendências libertárias de jornalista e amigo dos Andradas o tornavam um elemento perigoso e indesejável102.

O anuário dedica algumas páginas a contar as sucessões que ocorreram na fundação de Itajaí após Vasconcellos Drumond sair de Itajaí. Entretanto, como os anuários se consolidaram como sendo apanhados de múltiplos temas, também dedicam um espaço considerável a assuntos de variedades, como nesse número ora analisado que traz o aniversário de fundação do Bloco dos XX – agremiação social que se consagrara pelo prestígio dos seus fundadores, mas também por ter o compromisso de promover mensalmente uma festa, animando, desse modo, os jovens itajaienses, os quais, segundo o anuário, estavam menos alegres que os “casados”. “Porque fundando o bloco ele se encarregaria de oferecer a sociedade uma festa mensal, através de bailes, chás-dançantes, soirées, passeios e convescotes, reuniões litero-musical etc.”103. Como é possível perceber, a urbanidade e o progresso também estavam retratados no modo como os habitantes se importavam com as interações sociais.

Como parte da ampla reformulação urbana, o anuário de 1949 traz um quadro estatístico sobre as construções que foram crescendo na urbe. A seguir, uma amostra do crescimento das construções e edificações em Itajaí, em 1949.

Pari passu com o desenvolvimento do porto, caminham as construções urbanas e esta

é a estatística dos prédios de alvenaria, requeridos e iniciados no último quadriênio:

Figura 12 - Estatísticas das edificações em Itajaí

Ano De 1 pavimento De 2 pavimentos De 3 pavimentos Total

1945 33 4 - 37 1946 39 11 - 50 1947 37 9 1 47 102 Ibidem, p. 14. 103 Ibidem, p. 20.

Ano De 1 pavimento De 2 pavimentos De 3 pavimentos Total

1948 32 7 - 39

Fonte: Anuário de Itajaí de 1949

O quadro mostra como as edificações cresceram, mas, sobretudo, após o quadro há o investimento aplicado nas casas e edificações na cidade, demonstrando, portanto, que havia um franco crescimento na construção civil na cidade. Sobre isso, ele informa:

Os edifícios e sedes da sociedade Guarani e Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina S/A -, ambos em construção estão incluídos nos algarismos referentes a 1946 e 1947, respectivamente. Está em vias de conclusão o prédio destinado ao posto de saúde cuja construção por conta do governo estadual teve início em 1948 e seu valor não consta nos algarismos referidos. Em adiantado estado de construção está o edifício da nova Igreja Matriz que constitui um verdadeiro orgulho para todos nós. As suas dimensões principais são as seguintes: comprimento, 60 metros; largura, 23 metros; altura das torres, 50 metros e altura interna 18 metros104.

Há muitas leituras que se pode incorrer nas publicações dos anuários no que diz respeito ao crescimento urbano. Todavia, a forma de ler a cidade enuncia a urbe como um artefato de possibilidades, naturais e artificiais. Como afirma Diva Rossini:

Portanto, compreender a cidade, é conhecer a sua história, o testemunho e seus valores, a memória, os valores estéticos e as relações entre o lugar e seus habitantes. Além de conhecer a orientação da cidade, sua formação e formação espacial, é preciso entender que a cidade, é uma obra de arte formada por partes, como o sistema viário e a topografia. E sua compreensão está relacionada à análise do conjunto, obtida por meio de suas partes105.

Para prevalecer essa análise do conjunto é importante tecer relações entre a memória que está presente na oralidade de alguns moradores e no que está escrito na documentação examinada. O que no passado possa ter confluído para a cidade ser rica, na atualidade pode ser conhecido como espaço marginal e de conflito urbano, por isso o espaço citadino é fluído e carregado de simbolismos que integram o imaginário da cidade e do seu habitante. O emergir da história urbana faz atentar para as permanências e mudanças nos espaços que conflui a cidade. Na tentativa de aproximação com essa prerrogativa, tem-se a rica contribuição dos dados publicados sobre Itajaí e como esses dados serviram de aporte político para anunciar o polo que se criara em volta da cidade e do porto.

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Anuário de Itajaí de 1949, Itajaí, SC, p. 20. Fonte: Arquivo Público Municipal Genésio Miranda Lins. 105

ROSSINI, Diva de Mello. A arquitetura histórica de Itajaí: um atributo para o desenvolvimento do turismo cultural. 2012. 197f. Tese (Doutorado em Administração e Turismo)-Universidade do Vale do Itajaí, 2012, p. 32.

Esse tecido humano chamado cidade em que muitos mundos criados confluem estabelece a conexão que liga o porto à urbe. Em Itajaí, esse tecido humano é muitas vezes devastado pelas iminentes intempéries e o reconstruir está na ordem do dia dos sujeitos, como afirma uma passagem do anuário de 1949 acerca das regulares enchentes que devastaram a estrutura urbana:

O ano de 1911 marcou outra vez uma colossal enchente, uma dessas inundações periódicas que, de trinta em trinta anos, com uma regularidade fatal, assolam o Vale do Itajaí. Embora os efeitos dessa catástrofe não se revestissem, ao menos entre nós, da mesma gravidade do fenômeno de 1880, ainda assim foram bem consideráveis as perdas causadas à lavoura e ao comércio por este flagelo106.

As enchentes, de certa forma, criaram uma identidade do povo itajaiense reconstrutor, aqueles que não se curvaram frente às vicissitudes das grandes catástrofes naturais. Todavia, alguns outros aspectos eram extremante interessantes para o conhecimento da cidade e de sua organização social:

A velha matriz era muito menor do que hoje, porque somente mais tarde se lhe adicionaram as duas naves laterais. Para o lado da praia existia um largo mal arborizado que escondia um kiosque, arrendado pela câmara ao velho Maneca Lopes, que ali vendia roscas e doces e especialmente um parati ou uma laranginha muito apreciados. Laranginha era um aguardente misturada com essências de laranja que os barcos traziam do rio. A freguesia do Maneca Lopes era composta quase só de marinheiros e desocupados, pois os graúdos daquele tempo tomavam a sua cerveja ou o seu vinho do porto ou a sua gazoza ou a sua pinga na antesala ou buffets dos hotéis. Antes da meia noite Maneca Lopes fechava a sua tasca e ia com a velha companheira rumo a sua casa. Ele era um velho bonachão, ostentando uma barba de profeta que infundia respeito107.

A narrativa de Marcos Konder no anuário de Itajaí convida a uma viagem no tempo do próprio Konder. Ao relembrar paisagens urbanas que lhe eram experiências vividas, coloca o leitor dentro da atmosfera da Itajaí antiga ou da “Itajaí de antigamente”, como é o título do texto que ele escreve no anuário. Nessa perspectiva, incorre-se na memória e no imaginário de um determinado sujeito, quando se ouve contar sobre uma determinada realidade, realidade esta que está impregnada pelas vivências individuais.

O anuário de Itajaí passou algumas décadas até ser novamente editado. Na edição de mil novecentos e noventa e oito, quase final do século XX, Ana Belo Machado fala, em um texto intitulado “A cidade revelada”, alguns aspectos importantes para entender a dinâmica da urbanidade em Itajaí:

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Anuário de Itajaí de 1949, Itajaí, SC, p. 39. Fonte: Arquivo Público Municipal Genésio Miranda Lins. 107

[...] Porém, a mais antiga área urbana da cidade é o bairro Fazenda, antiga propriedade do tenente-coronel Alexandre José de Azeredo Leão Coutinho, ali estabelecido desde 1793. Com certeza, a cidade cresceu, evoluiu, mesclando-se aos vários estilos arquitetônicos, alemães e açorianos em sua maioria. Atualmente, é uma cidade como tantas outras: uma parte abriga o que chamamos de centro histórico com suas construções do início do século passado, como a casa de Agostinho Alves Ramos ou a pequena igreja da Imaculada da Conceição, hoje tombada estadualmente. Alguns imóveis não apresentam ocupação. E são justamente esses imóveis, que num passado próximo tinham representatividade para a comunidade, que o habitante não percebe hoje em sua caminhada, como se aquela parte construída graças aos sonhos dos primeiros moradores não lhes dissesse respeito, nada significasse para sua identidade, nada houvesse restado de sua memória108.

Esse artefato material que é a cidade, movido e sentido pelos cronistas, memorialistas e todos os que, ao lerem a cidade, escrevem a sua história pertencem também a essas casas abandonadas que conformam a paisagem da urbe, como ressalta Ana Machado. Entretanto, a figura 12 propõe pensar nessa cidade que é polifônica, que tem o mar e o rio e na qual o silêncio coabita com o apito sonoro dos navios que adentram a barra e que se materializam ao atracar no porto. Essa cidade é, ao fim e ao cabo, circundada por dimensões econômicas e por dimensões culturais. Por isso, as figuras 12 e 13 convocam a perceber as amplas mudanças que ocorreram de um ano para outro em função das crescentes trocas comerciais e não menos importantes trocas culturais que cartografaram a paisagem urbana contemporânea.

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Figura 13 - Vista aérea de Itajaí de 1960

Figura 14 - Vista aérea de Itajaí em 1959

Fonte: Arquivo público municipal Genésio Miranda Lins