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A IURD em Cabo Verde

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CAPÍTULO III: IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NA ÁFRICA

1. Presença da IURD na África subsaariana

1.1. A IURD na África de língua portuguesa

1.1.3. A IURD em Cabo Verde

O arquipélago de Cabo Verde, um conjunto de nove ilhas408, foi descoberto por

exploradores portugueses no século XV. E desde então foi colonizado, isto é povoado e criastianizado por Portugal. Cabo Verde junto com São Tomé Príncipe serviam de entreposto para o tráfico negreiro. Em 2004, 93% da população era católica numa população de 475.000 habitantes. O fundo cultural é formado pelo catolicismo popular, com festas em homenagem a santos protetores, associações nas vilas, bairros e cidades409.

A independência foi tardia, em 1975, e o arquipélago tem um clima árido e um ambiente degradado, herdeiro da economia predatória nacional. O país tem memória coletiva marcada pela calamidade da fome: dozes vezes no século XIX e oito no início do século XX até a independência. A última fome, entre 1940 e 1950, fez mais de trinta mil vítimas sob uma população de cerca de cento e cinquenta mil pessoas410. Depois da

independência, o país entrou num gradual processo de desenvolvimento e de democratização. “Em 1975, o PIB passou de $190 por habitante a $ 1938 em 2006, com

407 André MARY, Op. Cit., p. 474.

408 Ilhas de Santiago, São Vicente, Sal, Santo Antão, São Nicolau, Brava, Boa Vista, Fogo e Maio. 409 Claudio FURTADO e Pierre-Joseph LAURENT, Op. Cit., p.114

155 a esperança de vida de 71, 2 anos (FMI, 2006). Juntando indicadores econômicos e o desenvolvimento do capital humano, em janeiro de 2008, o país começou a fazer parte dos Países de Desenvolvimento Médio (PDM)” 411.

Pelo PIB, o setor dos serviços conta aproxidamente com 72% da riqueza nacional, enquanto 17% são atribuídos ao setor da indústria e construção, somente 11% à agricultura e pesca. Uma boa parte da riqueza nacional provém da transferência financeira de imigrantes cabo-verdianos e a ajuda pública ao desenvolvimento representa 24 % do PIB 412. Esse bem-estar não atinge todos os cabo-verdianos. Em

2004, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estimou a taxa de pobreza em 36,7% e a taxa da pobreza extrema em 19,7% ou seja 56,4% da população (PNUD 2005). Desde então a repartição dos frutos desse crescimento tornou um grande risco para a coesão social e um real desafio político413. Cabo Verde é

também marcado pela desigualdade social no mesmo nível que o Brasil. De um lado tem o crescimento econômico, e de outro lado, o aumento das desigualdades sociais.

Com a imigração de homens durante muitos anos, 40% de famílias cabo- verdianas são dirigidas por mulheres. É comum ver mulheres e seus filhos explorando terras alugadas no interior do país. A diáspora cabo-verdiana é maior que a população vivendo no país. Existe a estimativa de que 700.000 cabo-verdianos estejam morando em Portugal, EUA e França414. Os imigrantes impressionam os demais quando vêm

passar as férias. Eles têm dinheiro, constrõem com ostentação, organizam grandes festas de batismo, casamentos ou ritos fúnebres, gastando muito. Os jovens desempregados das cidades os tomam como modelo de prosperidade. Alguns jovens formados, não querem trabalho de pião, e esperam cada mês uma transferência de dinheiro do pai ou parente imigrante. Em resumo, Cabo Verde vive um conjunto de fatores interligados que conduzem a essa situação, “crescimento econômico, o aumento da taxa de pobreza, o desemprego, a preguiça, o desejo de consumir, a instabilidade familiar, a occorencia

411 Ibid., p.115. 412Ibid., p. 115. 413 Ibid, p. 115.

414 Pierre-Joseph LAURENT, Claudio FURTADO e Charlotte PLAIDEAU, L’Église Universelle du Royaume de

Dieu du Cap-Vert. Croissance urbaine, pauvreté et mouvement néo-pentecôtiste, p. 13. Trad. por Adrien

156 da família matricial associada com uma figura ausente do pai, a prostituição doméstica, o alcoolismo e drogas, delinquência e criminalidade” 415.

Na ilha da Praia, além da IURD e Igreja Católica, existem outras denominações critãs e religiões: as Igrejas Independentes Africanas de Gana e de Nigéria, a Igreja Assembleias de Deus, que foi implantada em 1986 pelo pastor cabo-verdiano P. Jorges Fernandes. Já Islã foi introduzido por imigrantes africanos (sobretudo senegaleses); a Igreja Nazarena foi fundada em 1907 por um ex-imigrante cabo-verdiano quando voltou dos EUA. Existe também a Igreja batista Independente, dissidente da Igreja Nazarena; Igreja Adventista do Sétimo Dia (implantada em 1934 por outro imigrante de volta dos EUA), as Testemunhas de Jeová (1957), os Mórmons e o Racionalismo cristão416. É

nesse contexto de profundas mudanças e transformações sociais, de pluralismo religioso que a IURD traz a sua oferta religiosa, capaz de satisfazer as necessidades e angústias de muitos cabo-verdianos.

A implantação da IURD em Cabo Verde se deu em 1992 quando o pastor Alexandre, saiu de Portugal para a cidade de Praia. Da cidade de Praia, a IURD se implantou também em Mindelo na Ilha de São Vivente e depois se expandiu para todas as ilhas e atualmente possui 22 templos417. Naquele tempo, o bispo Marcelo Abrantes

era responsável da IURD em três países: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau. A IURD do Cabo Verde tinha cerca de 40 pastores. Na cidade de Praia, capital do País, a IURD construiu um lugar de culto chamado “Templo Maior”, com a capacidade para 1600 assentos e inaugurou-o em 2003. Esse templo é um edificio luxuoso, com sistema de som, assentos de boa qualidade e ar condicionado, o que dá a imagem de ‘vencedores’ ou de pessoas bem sucedidas que a Igreja quer passar.

A IURD de Cabo-Verde também possui uma emissora de rádio (chamada Rádio Crioula) e uma emissora de televisão. A TV Record transmite telenovelas, programas de entretenimento, testemunhos e depoimentos de fiéis da Igreja. Esses programas encontram uma grande audiência entre os cabo-verdianos. A Rádio Crioula atinge o conjunto das ilhas que formam o País. Essa emissora começou a funcionar em 2004. A rádio convida insistentemente as pessoas a frequentar um dos templos da IURD e

415 Claudio FURTADO e P.J LAURENT, Op. Cit, p. 116.

416 Ibid., p. 121. Segundo The ARDA (2010), 95,05% de cabo-verdianos são cristãos, 2,77% são

muçulmanos, 1,13% das RTA, 0,15% de Bahai, 0,89% de agnósticos e 0,01% de outras religiões. Veja Talela 5, p.224-225.

157 exorta-as a parar definitivamente de sofrer (Pare de sofrer!) 418. Os testemunhos levam

a uma relação de proximidade, de familiaridade e de vizinhança. Um cabo-verdiano disse “se o meu vizinho recebeu um milagre na vida dele, por que eu não?”. Claudio Furtado e Pierre-Joseph Laurent citam um dos testemunhos que retrata a realidade cabo- verdiana,

o pastor pergunta à pessoa: qual é o seu nome? Onde que mora? O que aconteceu na sua vida, meu amigo? E a pessoa respondeu: tinha três anos quando o meu pai imigrou para os EUA, desde então, nunca deu sinal de vida, nem manda dinheiro para nós. Agora tenho trinta anos. Há dois meses que comecei a frequentar a IURD e agora duas semanas que o meu pai voltou a conversar com a família. O pastor se dirigindo à assembleia: vocês escutaram? É fantástico! Vocês veem a presença de Deus, é um milagre. Aplaudem! E agradecemos a Deus pela graça419.

Em cada reunião da Universal, o tema da imigração é abordado. Os fiéis sem notícia dos parentes imigrantes são convidados a trazer as fotos deles, levantar para cima, e o pastor pede a Deus de restabelecer o laço. Muitos testemunhos são feitos sobre a reconstrução milagrosa desses laços familiares. Nesse contexto, a figura do imigrante torna-se modelo 420.

A propaganda religiosa está presente nos cultos e na mídia. É possível ouvir e ler os slogans como: “Sai da dependência!”. “Conquiste uma nova vida!”. “Tome atitude!” “Se decida!”.

A figura do pastor é muito comtemplada, existe um certo culto à sua personalidade. O pastor incarna a imagem da pessoa bem sucedida que a Igreja quer passar. Veste-se impecavelmente, de terno e com o sotaque brasileiro. O bispo Marcelo encarnava essa figura de empreendedor dinâmico, chefe de uma empresa religiosa florescente. Rico e sedutor, tudo dá certo para ele. “O marketing da IURD é particularmente especializado, agressivo, dinâmico e eficaz. Se baseia sobre o princípio de ir buscar os adeptos potenciais onde se encontram: nos bairros populares das cidades” 421. Para isso, a Igreja usa a mídia e o trabalho dos obreiros (visita das famílias,

cadeias, hospitais, nos bairros convidando as pessoas a ir ao templo). A cúpula da Igreja tem como princípio deixar os novos convertidos em paz, no primeiro momento, não ser

418 P.J LAURENT, C. FURTADO e C. PLAIDEAU, Op. Cit., p.2. 419 C. FURTADO e P.J LAURENT, Op. Cit, p. 119.

420 Ibid., p. 116. 421 Ibid., p. 120.

158 rígida na observância das normas religiosas e morais. Ela se empenha em sempre surpreender os fiéis, mudar, empurrar, convencer e gerar esperança neles.

Outra estratégia adotada pela IURD é o seu discurso, que tem como conteúdo a teologia da prosperidade. Ser adepto da IURD significa sair da vida sofrida, da doença e da dor, da carência material, etc. “A pobreza tornou-se escândalo, escravidão, cujo fiel procura por todos os meios se libertar”422. As noções de desgraça, fracasso e

sofrimento estão no coração das representações que os fiéis fazem de sua situação, a IURD consideram-nas como imposturas. “O que os fiéis buscam na IURD é a esperança de ser livre e de encontrar a força para extrair o peso da culpa que a Igreja Católica deixou na consciência” 423. A vitória contra os inimigos é individual. E o inimigo é

anônimo e impessoal.

A vitória acontece em dois momentos: no primeiro, o combate é feito contra o inimigo interior identificado e personificado: um mau espírito. Esse combate está ritualizado pelo exorcismo. Simboliza, primeiro a identificação concreta do mal, em seguida, a remissão pela extração da entidade maligna (fatalidade, sofrimento, pobreza) que se hospeda no corpo. O exorcismo é o tratamento espiritual ad hoc “o demônio deve sair do corpo, pois bloqueia o caminho da vitória”. O demônio está identificado, é o outro que persegue a pessoa. Analogicamente, esse outro está assimilado à dúvida que corroe a pessoa, ou ainda, é o seu próprio atentismo diante da situação424.

O segundo momento é a definição, isto é, a certeza que deve progressivamente se instalar para que a vitória nasça. Essa certeza se explica de seguinte maneira: “o mal não é o outro que persegue você, mas é você mesmo, é a parte do baixo auto-estima que inibe toda a ação” 425.

Nessa perspectiva, o crente não nasceu para sofrer, sua vida reflete suas próprias atitudes. A vontade de Deus é que o fiel não fique na desgraça e na miséria. Mas tomar posse de si mesmo, se tornar responsável e dono do seu destino, a fim de se emancipar da inveja, ciúme, ira, álcool, drogas, nervosismo, as hesitações, atentismo que invadiu a sua existência. Libertar-se do mal depende unicamente da pessoa, culpado de comprazer-se na resignação. O sentimento de culpa diante do pecado se desloca: você

422 P.J LAURENT, C. FURTADO e C. PLAIDEAU, Op. Cit., p. 5. 423 C. FURTADO e P.J LAURENT, Op. Cit., p. 123.

424 Ibid., p. 124. 425 Ibid., p. 124.

159 não é mais culpado frente a Deus, mas frente a você mesmo426. E para sair dessa

situação, “tem um preço a pagar: estar disposto a aceitar a responsabilidade de ser um sócio da obra de Deus” 427. Isto é, tornar-se dizimista e ser fiel as ofertas.

Nas reuniões da IURD, é possível observar duas dinâmicas que perpassam toda cerimônia: dom e demanda, oferta e pedido. Antes do pedido, o pastor já sabe da necessidade do fiel. Ele oferece os bens imateriais (fala, oração, bênção), em troca, os fiéis dão dinheiro. Participando em algumas reuniões no Cabo Verde, Pierre-Joseph Laurent e outros obervaram essa dinâmica:

1. O dom da Igreja para fiéis: difusão de um vídeo que mostra a expansão da Igreja em outros países e os milagres que acontecem. Como demanda da Igreja aos fiéis: o convite para pagar regularmente o dízimo.

2. O dom da Igreja aos fiéis: uma oração especial para os que sofrem de insónia. Em seguida uma demanda da Igreja aos fiéis: o convite para entrar na aliança com Deus ao exemplo de Abraão que sacrificou a metade de seu rebanho. Façam a sua parte. E os obreiros distribuem os envelopes.

3. O dom da Igreja aos fiéis: distribuição de um pano sagrado para a proteção da casa. Em seguida uma demanda da Igreja aos fiéis: dar oferta para o aluguel do salão.

4. O dom da Igreja aos fiéis: oração para restabelecer os laços com parentes de imigrantes, dos quais os fiéis não têm notícia (o pastor convida os fiéis a exibir as fotos de parentes). Em seguida uma demanda aos fiéis: participem de uma corrente, assistindo às reuniões da cura divina às segundas-feiras428.

Aqui, o safrifício é feito para ser religado e reconhecido. Ser religado, é deixar a vida anterior, escolher uma nova vida de acordo com os preceitos da Bílbia. Para chamar a atenção de Deus, o fiel não é convidado a rezar e fazer jejum como acontece na Igreja Assembleias de Deus em Burkina Faso, mas em privação, isto é, dons em dinheiro429. Em Cabo Verde, o sucesso da IURD é tido como uma vitória coletiva e

individual. Coletiva, porque os fiéis participam e se identificam com as reuniões e

426 P.J LAURENT, C. FURTADO e C. PLAIDEAU, Op. Cit., p.6. 427 C. FURTADO, C. e P.J LAURENT, Op. Cit., p. 125.

428 P.J LAURENT, C. FURTADO e C. PLAIDEAU, Op. Cit., p. 6. 429 Ibid, p. 7.

160 outras obras que a Igreja realiza diariamente e individual, porque o êxito do fiel ou a melhoria de sua vida faz parte do êxito da Igreja.

O diagnóstico e o remédio aos múltiplos sofrimentos ressentidos por crentes consistem na recuperação da autoestima, evitando culpar outras pessoas ou o governo. A IURD incita os seus membros a apropriar-se da mudança como um fato inelutável da sociedade. Ao invés de resignar-se ou de opor-se, cada um onde estiver, está convidado a redefinir-se, isto é, a adaptar-se às mudanças societais, onde a mudança e a insegurança tornam um componente intrínseco da cultura cabo- verdiana. O crente abandonado à própria sorte está convidado a empreender e lutar, se quiser conquistar o que deseja. A Igreja incita o fiel, único responsável do seu destino, a conquistar um lugar digno nessa nova sociedade. Nesse sentido, desenvolve um discurso liberal que pode ser qualificado de assimilacionista, na medida em que a autoestima - um dos objetivos preconizados pela Igreja - deveria conduzir à felicidade, concebida como um bem acessível a todos e definido como antídoto do sofrimento. Par a IURD do Cabo Verde, além da busca para uma saúde melhor, a felicidade equivale para os fiéis de ter acesso ao consumo430.

Outro fato que os autores sublinham, pois marca a IURD no Cabo Verde é a saída do pastor Marcelo Abrantes da Igreja para fundar a Igreja Mundial dos Milagres (IMM). Esse pastor trabalhou durante 24 anos na IURD. Depois de seu mandato como bispo em Cabo Verde, foi transferido para Portugal onde fazia parte da equipe missionária. Marcelo Abrantes foi para Portugal, mas não gostou da decisão, depois de alguns meses pediu demissão, voltou para Cabo Verde e fundou a Igreja Mundial dos Milagres (IMM). Ele pensou que estava sendo afastado porque era responsável pelo sucesso no crescimento extraordinário da IURD no país. Criticou a IURD de ser mais uma empresa que uma Igreja. A IURD visa os bens materiais e não espirituais. Com essa cisão, Marcelo Abrantes conseguiu arrancar 60 % dos adeptos iurdianos no Arquipélago. Ele administra a nova Igreja junto com os seus dois filhos, e possui a

Rádio Cidade para as sua propaganda 431. O fundador se declarou Apóstolo e a sua

esposa Vanessa, Bispa 432. Toda programação dessa Igreja é semelhante à IURD:

segunda-feira: reunião de Prosperidade; terça-feira: Saúde; quarta-feira: Fortalecimento

430 C. FURTADO e P.J LAURENT, Op. Cit, p. 128.

431 P.J LAURENT, C. FURTADO e C. PLAIDEAU, Op. Cit, p.9-10.

161 espiritual; quinta-feira: novena da família; sexta-feira: ritual sagrado; sábado: prosperidade do lar e domingo: Espírito Santo.

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