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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADE E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NA ÁFRICA SUBSAARIANA: IMPLANTAÇÃO, EXPANSÃO E TRANSNACIONALIZAÇÃO.. ADRIEN GYATO BOWANE. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2014.

(2) IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NA ÁFRICA SUBSAARIANA: Implantação, expansão e transnacionalização. ADRIEN GYATO BOWANE. Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de mestre. Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2014.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA G996i. Gyato Bowane, Adrien Igreja Universal do Reino de Deus na Àfrica subsaariana : implantação expansão e transnacionalização / Adrien Gyato Bowane -- São Bernardo do Campo, 2014. 228fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Leonildo Silveira Campos 1.. Igreja Universal do Reino (IURD) - África 2. Pentecostalismo África 3. Neopentecostalismo – Àfrica 4. Igrejas Independentes Africanas (IIA) I. Título CDD 289.9.

(4) A dissertação de mestrado sob o tílulo “ Igreja Universal do Reino de Deus na África subsaariana: implantação, expansão e transnacionalização”, elaborada por Adrien Gyato Bowane, foi apresentada em 02 de outubro de 2014, perante a banca examinadora composta por Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Presidente UMESP), Profª Drª Sandra Duarte de Souza (Titular-UMESP) e Profª Drª Patrícia Teixeira Santos (Titular-UNIFESP).. Professor Dr. Leonildo Silveira Campos Orientador e Presidente da Baca Examinadora. Professor Dr. Helmut Renders Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Programa: Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, sociedade e cultura Linha de pesquisa: Religião e dinâmicas sócio-culturais.

(5) GYATO, Bowane Adrien. Igreja Universal do Reino de Deus na África subsaariana: implantação, expansão e transnacionalização, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2014.. RESUMO. Esse trabalho trata das estratégias de implantação e expansão da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na África Subsaariana, tendo conta de crescimento acelerado do pentecostalismo no mundo e no contexto da transnacionalização religiosa. A IURD é uma Igreja neopentecostal brasileira que surgiu em 1977 e se expandiu em vários países do mundo. Ela está presente em 39 países da África subsaariana e se concentra nas grandes cidades. Vários fatores explicam o seu crescimento e expansão no continente africano, entre os quais o sincretismo, isto é, a capacidade de se adaptar à cultura africana. Outros fatores são: a visibilidade social (especialmente no uso da mídia e a assistência social), a política do segredo, a prática de exorcismo, o discurso da prosperidade, a relação de amizade e de parceria com governos africanos, a sua atitude anti-ecumênica e a adoção de uma organização episcopal. Aborda-se também nesse trabalho, o pentecostalismo e o neopentecostalismo na África, as Igrejas Independentes Africanas (IIA) e a presença do Cristianismo no continente africano desde os primórdios.. Palavras-chave: pentecostalismo na África, neopentecostalismo, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), transnacionalização religiosa..

(6) GYATO, Bowane, Adrien. Universal Church of the Kingdom of God: implementation, expansion and transnationalization. São Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2014.. ABSTRACT. The purpose of this paper is to show the implementation strategies and the expansion of the Universal Church of the Kingdom of God (UCKG) in subSaharan Africa, while taking into account the rapid growth of Pentecostalism in the world and the context of religious trans-nationalization. The UCKG is a Brazilian Pentecostal Church that emerged in 1977 and expanded into many countries worldwide. It is present in 39 countries in sub-Saharan Africa concentrating mostly in large cities. Several factors prove its growth and expansion in Africa, among other factors syncretism, i.e., the ability to adapt to African culture. The other factors are: social visibility (especially through the use of media and social assistance), the political secrecy, the practice of exorcism, prosperity discourses, the friendship and partner-ship with African governments, their anti-ecumenical attitude and the adoption of an Episcopal organization. This paper brings some discussions regarding Pentecostalism and neo-Pentecostalism in Sub-Saharan Africa, African Independent Churches (AIC) and the presence of Christianity in Africa since the very beginning.. Keywords: Pentecostalism in Africa, neo-pentecostalism, Universal Church of the Kingdom of God (UCKG), religious transnacionalization..

(7) AGRADECIMENTO. Agradeço a Deus pelo dom da vida, À CNPq pela concessão da bolsa, pois sem esse apoio financeiro não seria possível a realização deste trabalho, À minha mãe Apematowa Anzetaka Caroline e a toda minha família que está longe na República Democrática do Congo, À minha esposa Aline Conceição Nascimento, colega e amiga, pelo apoio e ajuda na correção desse trabalho, Ao Benedito António Prezia, pelo acolhimento, orientação e vivência junto e à Maria Regina Alves Mariano, um coração de mãe, Aos amigos congoleses e africanos da diáspora, especialmente Prof. Dr. Bas’Ilele Malumalu, Dieudonné Kabaka Hompa, Padre Sylvestre Sangalo e sem esquecer o falecido Clavert Manisa, Aos colegas brasileiros da pós-graduação em História da África e do Negro no Brasil da Unicastelo, onde sendo africano, comecei o estudo da História da África. Ao professor orientador Leonildo Silveira Campos, pelos conselhos e pela paciência. E a todas as pessoas que me ajudaram de longe e de perto..

(8) ABREVIAÇÕES. ABC: Associação de Beneficente Cristã (entidade social da IURD). AC: Antes de Cristo ou antes da Era Cristã AD: Assembleias de Deus ADSA: Assembleias de Deus Sul Africanas AG: Assembleis of God AFM: Apostolic Faith Mission AMEIAngola: Associação de Mulheres Empresárias da Igreja Universal de Angola AT: Antigo Testamento ou Velho Testamento At: Atos dos Apóstolos CCB: Congregação Cristã no Brasil DC: Depois de Cristo ou depois da Era Cristã ECC: Église du Christianisme Célèste (Igreja do Cristianismo Celeste, ICC) EUA: Estados Unidos da América EJCSK: Église de Jesus Christ sur la Terre par son envoyé spécial Simon Kimbangu ERS: Exército de Resistência do Senhor (República Centro Africana) FMI: Foursquare Missions Internacional (Departamento missionário da Igreja do Evangelho Quadrangular, com sede nos EUA) FIHNEC: Fraternidade Internacional de Homens de Negócios do Evangelho Completo. FU: Folha Universal HGA: História Geral da África (coleção de 8 volumes da UNESCO) IADBF: Igreja Assembleias de Deus de Burkina Faso ICM: Igreja Cristã Maranata 7.

(9) ICT: Igrejas Cristãs Tradicionais (Igreja católica e as Igrejas da Reforma) ID: Igrejas do Despertar (Igrejas neopentecostais e carismáticas) IEQ: Igreja do Evangelho Quadrangular IIA: Igrejas Independentes Africanas IIGD: Igreja Internacional da Graça de Deus IISA: Igrejas Independentes Sul-Africanas (Igrejas Sionistas e Etíopes). IMPD: Igreja Mundial do Poder de Deus INB: Igrejas Neopentecostais Brasileiras IPB: Igrejas Pentecostais Brasileiras IPBC: Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo IPDA: Igreja Pentecostal Deus é Amor IPRC: Igreja Pentecostal Renascer em Cristo IURD: Igreja Universal do Reino de Deus MPLA: Movimento Popular da Libertação de Angola NT: Novo Testamento RAS: República da África do Sul RCA: República Centro Africana RCC: Renovação Carismática Católica RDC: República Democrática do Congo RTA: Religiões Tradicionais Africanas ZCC: Zion Christian Church ZAOGA: Zimbabwe Assemblies of God Africa. 8.

(10) SUMÁRIO. ABREVIAÇÕES..............................................................................................................7 SUMÁRIO........................................................................................................................9 INTRODUÇÃO.............................................................................................................12 CAPÍTULO I: CRISTIANISMO NA ÁFRICA ANTIGA........................................21 1. Cristianismo primitivo na África.........................................................................22 1.1. Egito..............................................................................................................23 1.2. Cartago..........................................................................................................26 1.3. Núbia............................................................................................................30 1.4. Axum............................................................................................................33 2. Cristianismo colonial...........................................................................................37 2.1. Cristianismo no reino Kongo (séc.XV-XVII)..............................................37 2.2. Do séc. XIX a 1960......................................................................................43 2.2.1. Vantagens da colonização.................................................................47 2.2.2. Africanização do Cristianismo..........................................................48 3. Igrejas Independentes Africanas..........................................................................50 3.1. Igreja Harrista...............................................................................................54 3.2. Exército da Cruz de Cristo............................................................................57 3.3. Igrejas Independentes sul-africanas..............................................................57 3.4. Igreja Kimbanguista.....................................................................................59 3.5. Igreja do Cristianismo Celeste......................................................................63 CAPÍTULO II: PENTECOSTALISMO NA ÁFRICA..............................................73 1. A chegada do pentecostalismo na África............................................................75 1.1. O pentecostalismo no sul da África..............................................................77 1.1.1. Igrejas sionistas de influência pentecostal.........................................79 1.1.2. Igreja Assembleias de Deus de N. Bhengu........................................80 1.2. O pentecostalismo no centro-leste da África................................................82 1.2.1. Igreja Deus é Bom.............................................................................83 1.2.2. Pentecostalismo em Camarões..........................................................86 9.

(11) 1.3. O pentecostalismo no oeste da África..........................................................87 1.3.1. Igreja Assembleias de Deus de Burkina Faso...................................90 1.3.2. Igreja Pentecostal do Gana................................................................92 1.3.3. Pentecostalismo em Benim................................................................96 1.3.4. Pentecostalismo no Togo.................................................................100 2. Neopentecostalismo na África...........................................................................102 2.1. Surgimento e expansão do neopentecostalismo.........................................102 2.2. Contexto histórico-social da década de 1990.............................................105 2.3. Neopentecostalismo na África ocidental....................................................107 2.3.1. Neopentecostalismo na Nigéria.......................................................107 2.3.2. Neopentecostalismo na Costa do Marfim........................................114 2.4. Neopentecostalismo na África central........................................................118 2.4.1. Neopentecostalismo na RD Congo..................................................118 2.4.1.1. Mamãe Olangi e a emancipação da mulher........................123 2.4.1.2. Arcebispo Kutino Fernando...............................................124 2.4.2. Neopentecostalismo no Gabão........................................................125 2.4.3. Neopentecostalismo em Camarões..................................................128 2.4.4. Neopentecostalismo em Congo-Brazzaville....................................130 3. Pentecostalismo brasileiro na África.................................................................132 CAPÍTULO III: IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NA ÁFRICA SUBSAARIANA .........................................................................................................136 1. Presença da IURD na África subsaariana..........................................................138 1.1. A IURD na África de língua portuguesa....................................................139 1.1.1. A IURD em Angola.........................................................................139 1.1.1.1. Revista Plenitude Angola.........................................................141 1.1.1.2. Jornal Folha Universal..............................................................142 1.1.1.3. Discurso....................................................................................144 1.1.2. A IURD em Moçambique................................................................150 1.1.3. A IURD em Cabo Verde.................................................................154 1.2. A IURD na África de língua francesa........................................................161 1.3. A IURD na África de língua inglesa..........................................................162 1.3.1. A IURD na África do Sul................................................................164 1.3.2. A IURD na África austral................................................................170 10.

(12) 1.4. A IURD em outros países anglófonos........................................................172 1.4.1. A IURD no Quênia..........................................................................172 1.4.2. A IURD em Gana............................................................................172 1.4.3. A IURD em Gâmbia........................................................................173 2.. Estratégias de implantação e expansão.............................................................174 2.1. A visibilidade social...................................................................................174 2.2. A política da discrição................................................................................176 2.3. O imaginário, rituais e discursos................................................................176 2.3.1. O imaginário....................................................................................178 2.3.2. O exorcismo.....................................................................................180 2.3.3. O discurso da prosperidade..............................................................182 2.4. A IURD e a política....................................................................................183 2.5. Uma Igreja episcopal..................................................................................184 2.6. O sincretismo iurdiano................................................................................184 2.7. A IURD e outros atores religiosos..............................................................187. 3.. Futuro da IURD na África subsaariana............................................................190. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................193 BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................199 Anexos: Tabela 1: Igrejas Independentes Africanas...................................................................220 Tabela 2: Pentencostalismo brasileiro na África...........................................................222 Tabela 3: Igrejas pentecostais brasileiras e número de templos....................................224 Tabela 4: IURD, CCB e IPDA em porcentagem...........................................................225 Tabela 5: Religiões na África (ARDA).........................................................................226 Mapas da África África subsaariana.........................................................................................................229 Religiões na África........................................................................................................231 Islã na África.................................................................................................................232 11.

(13) INTRODUÇÃO Esse trabalho trata das estratégias de implantação e expansão da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na África subsaariana. A IURD está presente na África, em 39 países, todos ao sul do Saara. Nessa parte, as principais religiões são o Cristianismo e o Islã. Apesar de a África do Norte, conhecida como África magrebina, ser predominantemente de fé muçulmana, há uma minoria cristã no Egito e na Líbia. Ao sul do Saara, a composição religiosa nacional varia de um país para outro. Há países de maioria cristã e outros de maioria muçulmana. Há outros que possuem essas duas religiões, em que cada uma representa aproximadamente a metade da população. Há também países com forte presença das Religiões Tradicionais Africanas (RTA) 1. Falar das estratégias de implantação e expansão da IURD na África, nos leva a entender a sua atuação no processo de transnacionalização religiosa e a sublinhar o seu papel nas disputas no campo religioso africano. A hipótese deste trabalho é que a IURD teve sucesso em sua implantação e expansão na África subsaariana, pois ela conseguiu se adaptar com maior facilidade na cultura africana. O estudo da performance da IURD no continente africano é um assunto novo. Há poucos estudos feitos nesse campo aqui no Brasil. Encontramos uma dissertação sobre a IURD em Moçambique escrita por Dowyvan Gabriel Gaspar e um artigo publicado por Paul Freston sobre a IURD na África do Sul. Além deles, não encontramos nenhum outro trabalho desenvolvido nesse sentido. Mas, o estudo da IURD na África torna-se pertinente, especialmente quando procura-se entender sua presença no processo da transnacionalização religiosa e o seu papel na expansão e crescimento do pentecostalismo no mundo. Devemos ainda sublinhar que a IURD é a principal Igreja brasileira que exporta bens simbólicos no continente africano, inclusive hajam outras de menor importância. A IURD está presente em 39 países da África. É impossível fazer uma abordagem de sua atuação em todos esses países, por vários motivos, inclusive por falta de documentos e informações. Por isso, essa presença será analisada com mais. 1. Veja Tabela 5, p. 224-225.. 12.

(14) profundidade nos seguintes países: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Costa do Marfim e África do Sul. A escolha desse tema não se refere à polêmica que a IURD causa no cenário religioso brasileiro (relação conflituosa com a TV Globo e com a Igreja Católica; a fortuna de Edir Macedo; e recentemente a construção e inauguração do Templo de Salomão). O que estimula a analisar esse tema é o seu crescimento na África e no mundo, assim como a complexa relação que ela tem com a política em alguns países onde opera. Tudo isso em um processo mais amplo de globalização econômica, política e cultural. Para entender o fenômeno da implantação e expansão da IURD nos países da África subsaariana, foi realizada uma ampla pesquisa em diferentes fontes. Uma fonte que se mostrou importante foi o site oficial da própria Igreja em Angola (www.iurdangola.net). Esse site contém informações sobre a atuação da Igreja no país. No site é possível encontrar publicado online, o jornal Folha Universal da edição angolana, assim como a revista Plenitude Angola. A IURD no Brasil publica o jornal Folha Universal, (http://www.universal.org/folha-universal), que possui informações sobre a sua expansão na África. Foram explorados também os sites franceses (www.cairn.info, www.persee.fr) e a revista Archives de Sciences Sociales des Religions, os quais publicam artigos científicos sobre o estudo da religião na África e especialmente do pentecostalismo. Além disso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, reunindo livro, dissertação e alguns artigos sobre a IURD na África. Dowyvan Gabriel Gaspar defendeu uma dissertação sobre a IURD em Moçambique, em que estudou o perfil social dos adeptos dessa Igreja que buscam prosperidade financeira, os seus métodos de proselitismo e de arrecadação de dinheiro. No livro coletivo Igreja Universal do Reino de Deus. Os novos conquistadores da fé, Jean-Pierre Dozon analisa a presença iurdiana na Costa do Marfim; Ivan Droz, no Quênia; Teresa Cruz e Silva, em Moçambique e André Corten na África do Sul. Apesar do sucesso na África do Sul, Moçambique e Costa do Marfim, a IURD não teve o mesmo desenvolvimento no Quênia. Paul Freston afirma que a IURD teve sucesso na sua implantação e expansão na África do Sul apesar das fortes desigualdades sociais2.. 2. Paul FRESTON, The Universal Church of the Kingdom of God: A Brazilian Church Finds Sucess in Southern Africa, 2005.. 13.

(15) André Mary, analisando a implantação iurdiana na Costa do Marfim e no Gabão aponta suas seguintes estratégias de implantação e expansão: visibilidade social, beneficência, práticas de libertação e exorcismo, anti-ecumenismo, diabolização das RTA, política da discrição e rotatividade dos pastores3. Claudio Furtado, Pierre-Joseph Laurent e Charlotte Plaideau analisam a IURD em Cabo-Verde e concluem que o seu discurso é bem acolhido pela classe média emergente; e que a IURD aconselha os pobres do País a lutar para sair da situação em que se encontram e vencer. O seu sucesso está também na prática de orar pelos milhares de cidadãos cabo-verdianos que estão em exílio. Por outro lado, não se pode separar a religião da economia e da política. As igrejas ou religiões que surgiram e cresceram no século XX devem ser compreendidas à luz do processo da transnacionalização religiosa, isto é, de circulação, troca, encontros e desencontros, viagens e migrações, negociação e alianças de vários atores para o crescimento, visibilidade e sucesso delas. As religiões não se encontram, mas são as pessoas que se encontram. A transnacionalização religiosa é o impacto da globalização sobre as religiões. Esse movimento não acontece de maneira unidirecional, mas multidimensional, Norte-Sul (tradicional), Sul-Norte (depois das independências), SulSul (especialmente no século XX). As Igrejas Independentes Africanas e as pentecostais se colocam no eixo Sul. André Mary afirma que “todas as grandes religiões são por vocação, transnacionais em contraste com as religiões de linhagem, do terreiro ou as religiões étnicas”. 4.. Na África, a transnacionalização começou com as Igrejas. missionárias (católicas e protestantes) já no século XIX e XX, antes das delimitações das fronteiras e da formação dos Estados-Nações Modernos 5. A transnacionalização religiosa tanto na África como na Europa, se inscreve, portanto, na dialética complexa, onde a disseminação dos estilos religiosos impostos por religiões do mundo, acelerado e encorajado pela colonização, engendrou as nações religiosas territorializadas (aldeias cristãs ou cidades santas), preparadas para reiniciar e encontrar novos recursos nas formas recentes da globalização cultural e midiática, e em suas redes 6.. 3. André MARY, Le pentecôtisme brésilien en Terre africaine. L’universel abstrait du Royaume de Dieu, p. 463-478. 4 André MARY e Laurent FOURCHARD, Introduction. Réveils religieux et nations missionnaires, p.10. 5 Ibid., p. 10. 6 Ibid., p.11.. 14.

(16) A transnacionalização religiosa segue junto com a vontade de expansão que transcende as fronteiras do Estado-Nação e participa do imaginário básico da mundialização. Essas religiões ou Igrejas transcendem as fronteiras das nações para reinventarem seu produto religioso (o discurso, os objetos sagrados e os símbolos) e atender as novas demandas. Essa transnacionalização ainda de acordo com André Mary, passa pela “circulação internacional dos agentes religiosos e a abertura midiática sobre o mercado dos recursos simbólicos”7. Ela depende das redes religiosas, dos fluxos migratórios e da política entre as nações. Nessa transnacionalização, segundo Mary, três coisas devem ser observadas: “concorrência para captar a clientela religiosa, as estratégias de conquista mundial e as alianças políticas transnacionais” 8. Nesse sentido, a “realidade transnacional das redes religiosas é, portanto, de dimensão variável, mas se alimenta necessariamente das redes comerciais e migratórias preexistentes” 9. Daí ser importante sublinhar que a migração está intimamente ligada às condições político-econômicas, guerras, seca, fome, desemprego, epidemias, etc. As pessoas migram de uma região para outra em busca de melhores condições de vida. Para o movimento neopentecostal, esse fato é perceptível no treinamento e nas viagens de seus bispos e pastores, assim como no uso da mídia, e em seu espírito de empreendedorismo. A palavra de ordem é “pensar globalmente e agir localmente” 10. A livre circulação dos agentes religiosos e a busca por recursos financeiros fazem com que eles e suas instituições escapem do controle do Estado e das igrejas e religiões estabelecidas. No processo da transnacionalização, alguns grupos religiosos (dentro do Cristianismo e do Islã) tiram proveito dos recursos e apoios das organizações multinacionais contornando as fronteiras, limites e exigências dos Estados - Nações11. A transnacionalização religiosa deve ser entendida pelas “novas trocas triangulares” (África-Europa-Américas)12 especialmente o Cristianismo cresceu nos dois últimos séculos. “O suporte midiático é ao mesmo tempo a causa e consequência. 7. Ibid., p.12. Ibid., p.13. 9 Ibid., p.14. 10 Ibid., p. 17. 11 Ibid., p. 18. 12 Kali ARGYRIADIS e René DE LA TORRE, Présentation générale et méthodologie: les défis de la mobilité, p.14. 8. 15.

(17) da intensa circulação de significados religiosos e de sua descontextualização no quadro de uma competição crescente, que as transformam em significados globalizáveis suscetíveis de ressemantização e de reapropriação local” 13. A transnacionalização nesse caso leva os agentes religiosos a reinventar o conteúdo de seu produto, a fazer novas adaptações e reapropriações, sempre atentos à demanda religiosa atual e ao contexto político-econômico internacional. Para melhor adentrar neste trabalho, é preciso definir alguns conceitos que serão utilizados ao longo da análise: Cristianismo, pentecostalismo, neopentecostalismo, Igrejas Independentes Africanas e Religiões Tradicionais Africanas. Cristianismo se refere ao movimento que se formou a partir da “pregação de Jesus Cristo, profeta judeu de Nazaré na Galileia”14. A religião cristã se divide em várias denominações: Igreja Católica, Igreja Ortodoxa, Igreja Copta, Igrejas Protestantes, Igrejas pentecostais e carismáticas, Igrejas neopentecostais e entre outras. O pentecostalismo é um movimento que surgiu dentro do Protestantismo e é caracterizado pelo batismo do Espirito Santo, os dons do Espírito Santo tais como falar em línguas, profecia e cura; crença na Bíblia como autoridade da fé, conversão, os milagres e luta contra os demônios. Outras características do pentecostalismo são a liturgia oral, a espontaneidade e a expressões corporais. Uma das características do pentecostalismo é “o acento nos dons do Espírito Santo e o desejo de receber mais poderes para viver como cristão” 15. O crente pentecostal observa os preceitos bíblicos e morais: não fumar, não beber, não frequentar bares, cinemas e praias. O neopentecostalismo também surge dentro do Protestantismo, além de ter algumas características comuns ao pentecostalismo (batismo do Espírito Santo e dons do Espírito Santo), ele tem por ênfase a “guerra espiritual contra o diabo, pregação enfática da teologia da prosperidade, a liberalização dos estereotipados usos e costumes de santidade, a estrutura empresarial”. 16. o uso da mídia, o envolvimento na política. partidária e a acomodação ao mundo do consumo. As Religiões Tradicionais Africanas (RTA) são um conjunto de crenças, práticas, costumes e visão de mundo dos povos africanos. É a relação que o africano 13. Ibid, p. 16. Mircea ELIADE e Loan P. COULIANO, Dicionário das Religiões, p.102. 15 Allan ANDERSON, El pentecostalismo. El Cristianismo carismático mundial, p.23. 16 Ricardo MARIANO, Neopentecostais. Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, p.36. 14. 16.

(18) tem com a comunidade humana, com a natureza e com as forças invisíveis (especialmente os Antepassados e o Criador). Na visão de mundo africana, o ser humano faz parte da natureza. Na sociedade tradicional africana, não havia separação entre o sagrado e o profano. Não havia distinção entre cultura e religião, entre ser humano e natureza. As RTA são essencialmente étnicas, isto é, cada etnia tem a sua maneira de se organizar e de se relacionar com os Antepassados. Atualmente, existe cerca de duas mil etnias na África (juntando a região do Magreb e o a África subsaariana). Nas RTA, inclui-se a medicina tradicional e o rito de iniciação. Não se pode confundir as RTA, com a bruxaria ou o fetichismo. A bruxaria é uma prática que causa mal, sofrimento, doença e mesmo a morte do outro. A bruxaria não promove a vida e a saúde, mas as destrói. É contrária às RTA. Essas são por sua vez anteriores a todas as grandes religiões na África. As Igrejas Independentes Africanas são Igrejas (IIA) são Igrejas fundadas por africanos, fruto da ruptura com as Igrejas missionárias (Católica e Protestantes) durante a colonização. Elas surgiram essencialmente dentro do Protestantismo e a maior parte de seus líderes era catequista. Elas se caracterizam pela luta contra a colonização, o desejo de colocar em diálogo a cultura africana e o Cristianismo e valorização dos negros na África. Não se pode confundi-las com o pentecostalismo clássico na África apesar delas surgirem e se implantarem na mesma época. As Igrejas Pentecostais Africanas são fundadas por missionários pentecostais estrangeiros ou africanos na África. São pentecostais porque têm as características do pentecostalismo e se reconhecem como tal. As grandes religiões são as religiões universais, institucionalizadas e hegemônicas em alguns países: Islã, Judaísmo, Budismo, Hinduísmo e Cristianismo. Atualmente, as Igrejas (Religiões) estabelecidas na África subsaariana são a Igreja católica, as Igrejas protestantes, as Igrejas Independentes Africanas, as Igrejas pentecostais, o Islã e outras Igrejas (como Testemunhas de Jeová e Exército da Salvação). Falar da IURD na África leva-nos a falar dos principais atores com que ela disputa o mercado religioso no continente. Esses atores são: as Igrejas pentecostais e as Igrejas Independentes Africanas (IIA). As IIA são a reação ao Cristianismo colonial. Achamos importante apresentar esse tipo de Cristianismo e ir mais longe a fim de apresentar brevemente a presença cristã no continente africano desde suas origens. Cada 17.

(19) período está ligado a outro. O surgimento, o crescimento e o desaparecimento de uma forma do Cristianismo estão ligados ao modelo anterior ou com fatores histórico-sociais respectivos. Dessa maneira, esse trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, aborda-se o Cristianismo na África antiga, analisando principalmente o Cristianismo primitivo nos sete primeiros séculos da Era Cristã. Foram escolhidas quatro cidades ou reinos, onde este Cristianismo se desenvolveu esse: Egito, Cartago, Núbia e Axum. Os primeiros sete séculos da existência do Cristianismo estão marcados pela formação das primeiras comunidades (paróquias e dioceses), a circulação de vários escritos sobre a vida de Jesus, a formação de canon, o surgimento das heresias, disputa e combate contra as heresias, os concílios ecumênicos, a formulação dos primeiros dogmas e o surgimento da vida monástica (com santo Antão do Egito). Estuda-se também o Cistianismo trazido por exploradores portugueses no século XV em suas viagens para Índia para o comércio das especiarias. Esse Cristianismo se implantou somente nas costas do continente, nas ilhas e não conseguiu penetrar no interior. Esse período está marcado também pelo tráfico negreiro. Ainda nesse capítulo aborda-se o Cristianismo implantado a partir do século XIX. Com a dominação completa da África por europeus, os missionários católicos e protestantes vieram junto com os colonizadores para catequizar os africanos. Esse Cristianismo penetrou em toda África subsaariana. Como esse modelo estava carregado de violência, imposição e racismo, alguns catequistas africanos que trabalhavam com os missionários europeus romperam com eles, para fundar as suas próprias Igrejas. É o surgimento das Igrejas Independentes Africanas (IIA) a partir do final do século XIX ao início do século XX. Na última parte desse capítulo, serão analisadas algumas delas. No segundo capítulo, analisa-se o pentecostalismo e o neopentecostalismo na África. A história do pentecostalismo africano está caracterizada pela chegada de missionários estadunidenes e europeus no início do século XX e a implantação de suas Igrejas, a entrada de evangelistas estadunidenses de cura divina (como por exemplo T.L Osborn) que organizavam cruzadas de evangelização e cura milagrosa em estádios atraindo multidões, a entrada do movimento da renovação carismática, a formação de vários grupos de oração e ministérios, o surgimento de várias Igrejas pentecostais por africanos, a entrada de missionários neopentecostais (estadunidenses, latinos americanos, brasileiros, sul coreanos,etc.) e o surgimento de várias igrejas 18.

(20) neopentecostais africanas. Com a liberalização religiosa na maior parte dos países africanos na década de 1990, houve explosão religiosa em todo continente (seja nos países de maioria islâmica ou cristã). Nesse capítulo, analisam-se especificamente as principais Igrejas pentecostais e neopentecostais africanas, e suas estratégias de implantação e expansão. Se o Cristianismo se implantou de fato no continente africano na colonização, que marca a transnacionalização com relação Norte-Sul, mas com o surgimento das IIA, a chegada das novas Igrejas pentecostais, há um movimento inverso, eixo Sul isto é, não somente a chegada de agentes religiosos do Norte, mas do Sul: latinos americanos (especialmente brasileiros) e asiáticos (sul coreanos). E no nível interno, a circulação de agentes religiosos africanos de um país para outro, e a exportação de seu produto para fora do continente, especialmente para a Europa e EUA seguindo a rota migratória. Estando no eixo Sul, no último capítulo, examina-se a Igreja Universal do Reino de Deus na África subsaariana. Estuda-se a sua implantação e expansão em diferentes países, os métodos usados para esse fim, as ações religiosas, o discurso e o futuro da Igreja no continente africano. Sobre a implantação da IURD, pode-se compreender a sua presença no continente africano, dividindo os países em três grupos ou regiões, seguindo as línguas oficiais: África de língua portuguesa, francesa e inglesa. Sem esquecer que ela está também presente na Guiné Equatorial, único país que tem o espanhol como língua oficial. Essa Igreja brasileira se implanta primeiramente em Angola, em 1991, depois da África do Sul um ano depois e se expande no restante dos países. Atualmente na África de língua portuguesa, ela tem uma presença significativa em Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau. Na África de língua francesa, ela tem uma presença significativa na Costa do Marfim, Senegal, Madagascar e Gabão; e na África de língua inglesa, na África do Sul (representa em si 47,14% da presença iurdiana no continente), Zimbabue, Namíbia e Lesoto. Como se explica a rápida expansão iurdiana em poucos 23 anos? Quais as estratégias e métodos que usa para a expansão? Como se explica o seu sucesso no continente africano? Nesse capítulo, analisa-se especialmente alguns métodos que a IURD utiliza para a sua expansão, destacando o sincretismo, isto é, a capacidade de se adaptar na cultura africana, de selecionar alguns de seus elementos e inseri-los na sua prática. Operando no continente africano, a IURD enfrenta já alguns desafios pela sua continuidade (como a questão do. 19.

(21) poder e do diálogo com a cultura africana). Á última parte desse capítulo será dedicada especialmente ao horizonte e o futuro da IURD no continente.. 20.

(22) CAPÍTULO I: CRISTIANISMO NA ÁFRICA ANTIGA Introdução. O Cristianismo é uma das religiões monoteístas. Ele começou com a pregação de Jesus de Nazaré, dos seus discípulos e sobretudo de um convertido porteriormente, Paulo. Com ele, o movimento se abriu aos gentios, deixando de ser um movimento exclusivamente judaico. A sua expansão se deu depois da destruição do templo de Jerusalém em 70. Muitos cristãos foram perseguidos e assassinados nos seus três primeiros séculos, pelo Império Romano. Além do martírio de muitos cristãos, essa época está marcada pela definição do Canon, o surgimento das heresias, a realização dos concílios ecumênicos para a defesa da fé e a formulação de doutrina e pelo começo da vida monástica. O Cristianismo foi oficializado pelo imperador romano Teodócio somente no século IV quando foi declarado religião oficial. Este capítulo se divide em três partes: o Cristianismo dos primórdios; o Cristianismo no tempo colonial e o surgimento das Igrejas Independentes Africanas (IIA). Na primeira parte, serão analisados a implantação e desenvolvimento desse movimento no Norte da África (Egito, Cartago) e na parte oriental (Núbia e Axum). Devemos nos lembrar que o movimento de Jesus estava presente no Norte da África e na Etiópia já no primeiro século depois de Cristo. Segundo os Atos dos Apóstolos (2,1-13), os egípcios, líbios, habitantes da Cirene se encontravam na Palestina durante o Pentecostes. Na segunda parte, analisa-se o cristianismo trazido por exploradores e viajantes portugueses entre os séculos XV-XVIII, em busca de especiarias e outros produtos. Esse período está também marcado pelo tráfico negreiro. Esse Cristianismo se limita somente nas costas do continente africano, mas se implanta no reino Kongo, na África central durante dois séculos, isto do século XVI ao século XVII. Aborda-se também o Cristianismo imposto aos africanos durante a colonização no século XIX. Se a África foi esvaziada pelo tráfico negreiro, logo depois desse drama, ela foi invadida e ocupada por europeus. A invasão foi completa, do ponto de vista geográfico, político, econômico, social, cultural e religioso. Analisam-se as vantagens e desavantagens da colonização, e o movimento de africanização das Igrejas missionárias na descolonização. Na última parte desse capítulo, analisa-se o surgimento e expansão das Igrejas Independentes Africanas (IIA), fruto da reação contra a opressão física e 21.

(23) simbólica da colonização. As IIA são as primeiras Igrejas a estabelecer o diálogo entre a cultura africana e o Cristianismo, isto é, aderir à fé cristã sem renunciar a cultura africana e iluminar a cultura africana a partir dos Evangelhos. As IIA surgem em toda África subsaariana, especialmente na África do Sul, República Democrática do Congo, Quênia, Nigéria, e Costa do Marfim. Depois da independência dos países africanos, as IIA foram as primeiras a exportar o seu produto religioso para as antigas colônias e em outros países da Europa e EUA, seguindo a rota migratória.. 1. Cristianismo primitivo na África Depois do evento de Jesus de Nazaré na Palestina (nascimento, pregação, morte, ressurreição e pentecostes segundo os Evangelhos), os seus seguidores já se encontravam no Norte da África durante o primeiro século da Era Cristã. Sublinhamos quatro elementos decisivos para a expansão do Cristianismo nesse momento: o mandato missionário (Mateus 28,16-20), a figura do apóstolo Paulo de Tarso, o Pentecostes e a destruição do Templo de Jerusalém em 70. Depois da ressurreição, Jesus ordenou aos seus discípulos ir pelo mundo para pregar o Evangelho (Reino de Deus) a todas as nações, converter e batizá-las, ensiná-las a observar os mandamentos (Mateus 28,16-20). Durante o Pentecostes (Atos dos Apóstolos 2,1-13), havia os habitantes do Egito, Líbia e Cirene que se encontravam na Palestina. O elemento principal do Pentecostes é que Jesus mandou o seu Espírito para capacitar os discípulos a fim de pregar o Evangelho a todas as nações. Esses, sendo judeus, falavam em línguas e povos diferentes ali presentes os entendiam (Atos dos Apóstolos, 2,1-4). Felipe, um dos discípulos de Jesus se encontrou com um eunuco etíope no deserto. Pregou-lhe o Evangelho e o batizou (Atos dos Apóstolos 8,26-40). O eunuco era um alto funcionário da rainha da Etiópia. Provavelmente, os egípcios, líbios, habitantes da Cirene e eunuco etíope em sua volta, foram os primeiros a trazer Evangelho de Jesus nessa região. O apóstolo Paulo de Tarso, do verdadeiro nome Saulo, judeu da diáspora, cidadão romano e fariseu, foi o primeiro a pregar a mensagem de Jesus aos gentios (isto é aos não judeus). Em 48 d.C, embarcou na Europa e fundou as Igrejas de Filipos, Tessalônica e Corinto. Foi ele que emancipou o movimento de Jesus do Judaismo, 22.

(24) mudando o critério para ser cristão. Não se trata mais de fazer a circuncisão e o respeitar estritamente às prescripções de Torá como no Judaismo, mas ser livre e ter somente fé em Jesus Crucificado17. Com a destruição de Jerusalém em 70 d.C pelo Imperador romano Tito, muitos judeus fugiram e se espalharam no Oriente Médio chegando até África do Norte e na Arábia Meridional. Provavelmente, foram eles que trouxeram o movimento de Jesus na região. De pequenas comunidades, os seguidores de Jesus foram crescendo até chegar a formar paróquias, dioceses e patriarcado. A formação de dioceses e patriarcado se deu entre os séculos II e III d.C, é o momento de sua consolidação. A África do Norte foi sucessivamente dominada por império grego, romano, persa, germânico e islâmico. O cristianismo surgiu na Palestina e se desenvolveu na África do Norte durante o Império Romano. O Cristianismo se desenvolveu de maneira espetacular nos sete primeiros séculos da Era Cristã em toda essa região formando grandes centros no Egito, Cartago, Núbia e Axum. Os mares Mediterrâneo e Vermelho, o rio Nilo, as rotas no deserto permitiam o contato entre os egípcios, líbios, núbios, axumitas e cartagineses e, entre esses e outros povos. 1.1. Egito. No Egito, entre os século III a.C e II d.C, além dos egípcios, viviam pessoas de diversas origens, entre elas gregos, judeus e romanos. Jesus de Nazaré viveu durante o reino no imperador Tibério (14 a.C-37d.C). Antes da chegada dos seguidores de Jesus na região, “os egípcios veneravam Isis e Osiris, com a esperança à salvação” 18. Além da religião tradicional dos egípcios, haviam grupos que praticavam o maniqueísmo e o gnosticismo. Na mesma região, existia uma colônia judaica antiga. Na época de Ptolomeu Filadelfo (281-246 d.c), a Bíblia judaica foi traduzida para o grego, sendo chamada de “Septuaginta”. Os aristocratas falavam o grego e as populações simples o copta. O Egito tinha como capital Alexandria, reconhecida como grande centro cultural e intelectual do mundo greco-romano. Antes do reconhecimento oficial do Cristianismo por Teodósio (381 d.C), houve várias perseguições e assassinato de cristãos. No reinado dos imperadores A. de Décio 17 18. Mircea ELIADE e Loan P. COULIANO, Op. Cit., p. 105. S. DONADONI, O Egito sob domínio romano, p.205.. 23.

(25) (249-251) e Deocleciano (244-313), muitos cristãos foram assassinados por que se recusavam a participar do culto ao Imperador. O culto consistia “em queimar alguns grãos de incenso como saudação ao Imperador” 19. Depois do reconhecimento do Cristianismo como religião e a sua adoção pelo Imperador Teodósio, começaram as disputas internas entre os cristãos que se diziam seguir a verdadeira ou falsa doutrina. Entre as heresias que surgiram, o arianismo teve impacto maior não somente no Egito, mas em todas as dioceses da África do norte, no Oriente e até em Roma. O arianismo afirmava que “Jesus tinha duas naturezas, uma humana e outra divina. A humana era simples aparência” 20. As heresias surgiram depois das perseguições. Em 313, o Edito de Milão deu liberdade de culto aos cristãos. Depois do Édito, as leituras e meditações, a necessidade de confrontar os Evangelhos com diversas culturas gerou várias intepretações, muitas vezes antagônicas. O que levou a discussões, disputas, condenações, perseguições, injúrias, divisões, violências simbólicas e físicas. As disputas focavam-se na natureza de Jesus de Nazaré (era humano ou divino?). Contra o Nestorianismo que negava a divindade de Jesus e a maternidade divina de Maria, surgiu o monofisismo, pregado pelo patriarca de Alexandria, Dióscoro, que acreditava que Jesus Cristo tinha uma única natureza, ao mesmo tempo divina e humana. O representante do monofisismo era o sábio Eutíquio21. O arianismo dividiu bastante as comunidades cristãs primitivas. Essa doutrina “negava a unidade e a consubstancialidade das três pessoas da Santíssima Trindade e também a igualdade perfeita de Jesus Cristo com o Pai”. 22. . O patriarca. Atanásio era adversário dessa doutrina. O patriarcado de Bizâncio era contra o monofisismo, professava a doutrina afirmada em Niceia (325). Segundo essa doutrina, “Cristo é consubstancial (homousios-homo ousia, mesma essência) com o Pai e não criatura” 23. A guerra doutrinária estava aberta por muitos anos. Nos primeiros séculos, o Cristianismo se desenvolveu consecutivamente em Jerusalém, Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria. Esses centros eram chamados de patriarcados, sendo que um desses patriarcados, Alexandria se encontrava 19. Ibid, p. 208. S. DONADONI, Op. Cit., p. 208. 21 Tekle T. MEKOURIA, Op. Cit, p. 435. 22 Ibid, p. 429. 23 Renato Viana BOY, Debates sobre a natureza do Cristo no Oriente no primeiro milênio e sua relação com a crise iconoclasta, p.2. 20. 24.

(26) no Egito. Alexandria se tornou um grande centro filosófico e teológico, dialogando diretamente com Constantinopla. Ali se encontrava a famosa Escola Catequética, com objetivo de colocar em diálogo o Cristianismo e o neoplatonismo. A filosofia grega serviu como pano de fundo para a formulação dos primeiros dogmas sobre a natureza de Jesus. Para resolver essas disputas teológicas, vários concílios foram organizados (por exemplo, Calcedônia, Niceia). A Escola de Alexandria serviu também para divulgar o processo de helenização, isto é, “justificar determinados conceitos novos e integrá-los no amplo quadro da filosofia e filologia da Antiguidade”. 24.. A maior parte de intelectuais de Alexandria. tinha como sobrenome o mesmo nome da cidade (exemplo: Filo de Alexandria, Clemente de Alexandira, etc.). Filo de Alexandria (séc. I d.C) procurou dar às Escrituras um sentido grego e universal. Organizou-se também um Didaskaleion (livro da catequese), versado em filosofia grega25. Além do Filo de Alexandria, os grandes representantes da Igreja de Alexandria: Orígenes (185-252 d.C) famoso professor da Escola Catequética de Alexandria, Amônios Sacas; Antão (que iniciou a vida monástica). Os bispos de Alexandria: Clemente (145-210), Atanásio (295-367) e Cirilo (370-442). O bispo Atanásio combateu o Arianismo; e Cirilo, o Nestorianismo26. Nesse período, apesar de ter definido já o Canon da Igreja, circulavam muitos apócrifos, com diferentes versões sobre a vida de Jesus. Neste mesmo lugar, começa o movimento dos Anacoretas, eremitas ou monges que fugiam no deserto para viver o evangelho em sua pureza. Alí, não só rezavam, mas também trabalhavam. Essa saída não tinha somente motivo religioso, mas também político. As pessoas buscavam a perfeição cristã na fuga contra as adversidades da vida cotidiana, também para evitar o pagamento dos impostos. “Os monges encontravam nos conventos a satisfação não somente de suas aspirações religiosas, mas também de um desejo profundo àquela época: a fuga às dificuldades da vida e a proteção contra uma autoridade discricionária” 27.. 24. Ibid, p. 209. Ibid, p.208. 26 Lista completa dos Santos Padres e Doutores da Igreja disponível em http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/os_santos_padres.html, acesso 10/06/2014. 27 S. DONADONI, Op. Cit, p. 210. 25. 25.

(27) Nesses monastérios, podiam-se encontrar “grandes organizações, proprietários de terras, animais, oficinas, lojas e instalações agrícolas”. 28.. Havia uma população. numerosa nos monastérios, chegando a dezenas de milhares. Os monges, com a sua teologia, alimentavam um espírito de resistência nos alexandrinos que sofriam as pressões políticas e religiosas de Constantinopla29.. O cristianismo floresceu nessa. região até a chegada dos árabes em 642. Com a chegada desses, houve uma drástica redução do Cristianismo e levando até a sua extinção em algumas regiões, como veremos mais adiante. Ainda hoje, esse modelo de Cristianismo continua através das Igrejas copta e ortodoxa do Egito, que representam 10% da população. 1.2. Cartago30 Cartago foi um dos maiores impérios da antiguidade, como os impérios egípcio, fenício, grego, assírio, persa, romano, otomano, bizantino e muçulmano. A cidade foi fundada por fenícios por volta do século VIII a.C e o nome da cidade em fenício “Kart Hadasht” significa “Cidade Nova”31. Cartago é um império que rivalizou com o império grego, guerreou contra os romanos atingindo o seu apogeu entre os séculos VI ao século III a.C. A então Roma nascente foi o seu vássalo e várias outras cidades do mediterrâneo e do sul da Espanha. “No século VI antes da Era Cristã, Cartago tornouse autônomo e passou a exercer supremacia sobre outras povoações fenícias de Ocidente, assumindo a liderança de um império na África do Norte, cuja criação teria profundas repercuções na história de todos os povos do Mediterrâneo Ocidental” 32. Os maiores imperadores cartagineses são Almílcar e Aníbal. As extraordinárias guerras púnicas, entre cartagineses e romanos duraram boa parte do século III e terminaram com a derrota de Cartago em 202 a.C, logo a seguir a sua destruição em 149 a.C. Na África do Norte além de Cartago, havia cidades importantes como Numídia Tripolitana e Mauritânia. A presença cristã nessa região é entre o século I ao VII d.C. A África do norte passou sucessivamente sob domínio romano, germânico e bizantino. Sob domínio romano, ela passou por um intenso processo de urbanização, atingindo 500 cidades.. 28. Ibid, p.210. Ibid, p. 212. 30 Cartago pode se situa entre a atual Algéria e Tunísia. 31 B.H. WARMINGTON, O período cartaginês, p.476. 32 Ibid, p. 476. 29. 26.

(28) Segundo autores clássicos da Antiguidade, havia sacrifícios humanos em Cartago. Os cartagineses cultuavam Baal-Hamon (deus da religião fenícia). Hamon significa “ardente”, deus solar. Mais tarde, ele foi sobrepujado pelo culto popular à deusa Tanit, ligado à fertilidade. As representações grosseiras de Tanit, com braços erguidos aparecem em centenas de Estelas em Cartago e em outras cidades. Os cartagineses cultuavam também Astarte, Eshmoun e Melqart33. “Nos recintos sagrados, foram descobertos urnas com ossadas, calcinadas de crianças, que frequentemente eram enterradas aos pés das estelas (...). Isso leva a supor que havia sacrifícios humanos oferecidos a Baal-Hamon (ou Tanit). As vítimas eram provavelmente as crianças do sexo masculino” 34. Essa prática caiu em desuso em 310 a.C. O que vale assinalar aqui é que a maior parte dos nomes cartagineses possuía uma terminologia sagrada. Amílcar, por exemplo, significa “protegido de Melqart”, Aníbal “protegido de Baal”. Além dos sacrifícios humanos, havia ritual complexo envolvendo sacrifício de outras vítimas, que era cumprido por um corpo de sacerdotes nomeados a título permanente35. Segundo Warmington, apesar de seu contato com o Egito, os cartagineses parecem ter dado pouca importância à ideia de vida após a morte, o que os aproxima dos primeiros hebreus. Os cartagineses cultuavam também Deméter e Perséfone. O panteão dos deuses númidos era composto de Netuno, Esculápio ou Serápis. “A maioria da população das províncias africanas cultuava Saturno”. 36.. Esse culto era a. continuação do culto a Baal-Hamon e da deusa Tanit, Juno Caelestes, Cereres (4 divindades agrárias). A religião oficial do Império romano se explica de fato que “a fidelidade a Roma devia exprimir-se principalmente pela observância das práticas religiosas, que faziam parte integrante da civilização romana” 37. Todos os habitantes do Império eram obrigados a prestar culto ao Imperador, especialmente os funcionários da administração a nível municipal, provincial e senatorial. “Os membros do “ordo decurionum” que atingiram o apogeu de sua carreira municipal desejavam ser investidos. 33. B.H. WARMINGTON, Op. Cit., p. 476. Ibid., p.488. 35 Ibid., p. 489. 36 A. MAHJOUBI, O período romano e pós-romano na África do Norte. Parte I, o período romano, p.538. 37 Ibid., p.538. 34. 27.

(29) da dignidade de flâmines perpétuos, sacerdotes que desfrutavam o privilégio de oferecer ao casal (imperial) deificado, as preces e os votos dos habitantes da cidade” 38. Além disso, segundo Mahjoubi, a assembleia provincial composta por deputados de todas as assembleias municipais, reunia-se anualmente em Cartago para escolher o flâmine provincial, o grande sacerdote cuja função era celebrar o culto oficial ao Imperador em nome de toda província39. Os romanos e os povos subordinados ao Império eram politeístas e o próprio Imperador romano era considerado deus. Em cada cidade, o culto da tríade capitolina, Júpiter, Juno e Minerva. Havia também culto a Marte, pai protetor do povo romano, culto a Vênus, Ceres, Apolo, Mercúrio, Hércules e Baco constituíam também outras formas oficiais da religião do Império e da vida espiritual grego-romana. Por toda parte, os templos e as estátuas, altares e sacrifícios celebravam essas divindades e muitas outras ainda, com a Paz, a Concórdia, a Fortuna, o gênio do Império e do senado romano, etc40. Os cartagineses cultuavam também divindades orientais como Ísis, Mitra ou Cibele. O culto a Baco e a Demeter era muito popular. Ainda segundo A. Mahjoubi há dois fatores que expliacam a implantação do Cristianismo em Cartago: “as estreitas relações que Cartago tinha com Roma e a existência de pequenas comunidades judaicas nos portos, principalmente em Cartago” 41. Segundo Tertuliano, havia uma presença grande de cristãos em Cartago no século II d.C. Provavelmente, essa presença começou já no século anterior. “De acordo com Tertuliano que viveu entre o final do século II e início do século III, naquela época, havia na África um número grande de cristãos, em todas as classes e profissões. Por volta de 220 d.C, foi possível reunir só em Cartago um sínodo de 71 bispos; outro realizado em cerca de 240 reuniu 90 bispos” 42. Os cristãos se tornaram cada vez mais numerosos em muitas cidades africanas a ponto de se constituir uma grave ameaça contra a religião do Império.. Eles se. recusavam de cultuar o imperador romano e de participar em outros cultos voltados ás divindades do Império. Razão pela qual essa atitude chamou atenção dos governadores de diversas províncias romanas no Mediterrâneo e do próprio Imperador. Esse abandonou seu liberalismo e tolerância, ordenando a perseguição e morte de cristãos. 38. Ibid., p.540. Ibid., p. 540. 40 Ibid, p. 540. 41 Ibid., p.540. 42 Ibid., p.542. 39. 28.

(30) Segundo Mahjoubi, em 180 se dá o martírio de doze cristãos na cidade de Scilli. Esses foram decapitados por ordem de procônsul e no ano 203, houve martírio de Santas Perpétua, Felicidade e seus companheiros. Esses foram atirados aos animais na arena do anfiteatro de Cartago43. Apesar do martírio, muitos cristãos mantiveram o fervor e o zelo de sua fé e procuravam ardentemente morrer pela mesma. O cristianismo cartaginês está marcado pela vida de grandes teólogos como Tertuliano (160-220) e Agostinho de Hipona (354-430 d.C). Tertuliano era advogado eleigo. Foi um dos primeiros teólogos cristãos a escrever em latim. Agostinho era bispo de Hipona, deixou uma obra fenomenal no campo da filosofia e teologia, as mais importantes são as Confissões e Cidade de Deus. A tradição católica os considera como “Santos Padres” e “Doutores da Igreja”, isto é, pessoas que lutaram para defender a fé cristã que estava se formando e deram a sua contribuição na formulação da mesma. Muitos morreram mártires. Cipriano (210-258) foi bispo de Cartago. A invasão dos vândalos (germanos), comandada pelo rei Genserico (406 d.C) veio por fim ao domínio romano na região. Esses sitiaram Hipona em 430, quando morria o bispo Agostinho. Em 470 d.C, os vândalos tinham o controle total do norte da África e do Mediterrâneo44. No campo religioso, o clima de crise foi permanente. Os vândalos eram cristãos, mas professavam o arianismo, heresia intolerável para o clero católico tradicional. Seguiu-se uma repressão quase sistemática do clero por um poder central pouco inclinado a tolerar resistências dogmáticas. O furor anticatólico atingiu seu clímax após um pseudo concílio em Cartago no ano 48445. Em 533, o Império Bizantino conquistou toda região do Norte da África expulsando os vândalos, dominou-a até a chegada dos árabes em 698. Durante 165 anos, os bizantinos restabelecem o culto tradicional, isto é um tipo de Cristianismo ortodoxo, e proibiram o arianismo. Uma reaparição do donatismo foi reprimida considerando-o como contestação social. Segundo Salama, Bizâncio (os turcos) chegou a se dar o luxo de uma crise dogmática, a do monotelitismo, uma discussão fútil sobre a natureza de Jesus. Às vésperas da conquista muçulmana, o clero africano estava dividido sobre essa questão. 43. Ibid., p. 594. P. SALAMA, O período romano e pós-romano na África do Norte Parte II. De Roma ao Islã, p. 549. 45 Ibid., p. 549. 44. 29.

(31) 1.3. Núbia46 O Reino Núbio era composto pelos três reinos Nobadia localizado ao norte, Makuria que se encontrava no centro e por último Alodia ao sul. O reino da Nobadia tinha como capital Faras, o de Makuria, Antiga Dongola e de Alodia, a capital de Soba. A Núbia não pertencia ao Império Bizantino, mas tinha algumas relações. A missão do padre Juliano e Longino constituía em evangelizar a região47. Por causa das escarmuças entre os núbios e os árabes do Egito, os dois reinos se uniram (o do norte com o do centro). O rei Merkurios sucedeu ao grande rei Kyriakos, a quem estavam subordinados trintas governadores. Assim como os faraós do Egito, os reis núbios também eram altos sacerdotes, não sujam as suas mãos com o sangue humano48. Além de intervir em matérias de religião, desempenhavam certas funções religiosas. Segundo vestígios encontrados por arqueólogos, essa região foi cristianizada desde os primeiros séculos. Mas a conversão, oficialmente só se deu em 543. Assim como nos mostra Michalowski: “A imperatriz Teodora de Bizâncio enviou o padre Juliano em 543 na Núbia e todos os reis foram batizados” 49. A corrente teológica predominante naquela região foi o monofisismo.. Com a. invasão árabe em 641, a Núbia permaneceu isolada da cultura mediterrânea. Esse isolamento da Núbia não significa a extinção do Cristianismo. O rei núbio assinou um tratado político e econômico (baqt) com o sultão do Egito, o que lhe permitiu certa liberdade religiosa. O tratado “obrigava os núbios a dar um tributo anual de escravos e mercadorias em troca de uma quantidade razoável de roupas e alimentos que os árabes se comprometiam a oferecer-lhes”. 50.. O baqt permitia também a livre circulação os. egípcios e os núbios nos dois reinos, garantia segurança aos viajantes por respectivas autoridades, a recíproca extradição de criminosos, fugitivos e o pagamento anual de um tributo correspondente a 360 escravos ao governador de Assuã no Egito51. Esse tratado durou sete séculos, isto é, do século VII a XIV. E permitiu o desenvolvimento do Cristianismo na região.. 46. Núbia se situa no atual Sudão. K. MICHALOWSKI, A cristianização da Núbia, p.339. 48 Ibid., p.341. 49 Ibid., p.334. 50 Ibid., p.340. 51 Stefan, JAKOBIELSKI, A Núbia cristã no apogeu de sua civilização, p.233. 47. 30.

(32) Os principais missionários que evangelizaram a Núbia foram o padre Juliano e o bispo Longino.. Com o desenvolvimento da religião cristã, várias catedrais foram. construídas, como Qars, Ibrim, Faras e Dongola. “Em 707, o bispo Paulos construiu a catedral de Faras decorando-a com esplêndidos murais. Também a antiga Dongola, vários templos forma construídos, cobertos de magníficas pinturas”. 52.. A Núbia cristã. foi marcada pela prospediade econômica, Até o século IX, a Núbia gozou de um período inicial de prosperidade, sem ser muito perturbada pela vizinhança dos muçulmanos, em geral pacíficos (...). Em Faras, capital do reino, aristocratas e oficiais administrativos falavam grego como também os dignitários da Igreja. O clero compreendia inclusive o copta, que talvez fosse a língua de muitos refugiados53. No período cristão, na, Núbia foi marcada por grande progresso econômico. Só na região setentrional a população chegou a cerca de 50 mil. Com “saqia” (roda d’água), introduzida no período ptolomaico e romano, era possível aproveitamento das enchentes do Nilo, muito abundante naquela época. Cultivava-se o trigo, a aveia, o sorgo e vinha. Nas plantações das tamareiras, as fartas colheitas contribuíram para elevar o nível de vida da população (...). Makuria vendia marfim para Bizâncio, cobre e ouro para a Etiópia54. Com o advento dos Fatímidas, os coptas egípcios sofreram graves perseguições no final do século X sob o califato de Al-Hãkin (996-1021). Muitos se refugiaram na Núbia, inclusive o patriarca de Alexandria, Christodulos (1046-1071). Com a presença desse patriarca na Núbia, ele se tornou o sexagésimo sexto patriarca da Igreja núbia. A Igreja da Núbia era grande e “possuía 5 bispados (dioceses), sendo os bispados de Kurta, Kasr, Ibrim, Faras, Sai e Dongola”55. O reino da Alódia, por sua vez possuía seis bispados56. Além dos bispos, a Igreja da Núbia tinha presbíteros e diáconos. Segundo Jakobielski, “graças à lista dos bispos, incrita em um dos muros da catedral, igualmente em virtude de inscrições tumulares e grafites, pode-se estabelecer a completa cronologia dos bispos de Faras, desde a fundação da diocese, no século I, até 1175” 57. Na região, a liturgia era feita em grego, copta e núbio. Um fato interessante, é que a volta de 1080, Salaman, rei da Núbia, abdicara em favor do seu sobrinho, 52. K. MICHALOWSKI, Op. Cit, p.341. Ibid., p.349. 54 Ibid., p.342. 55 Stefan JAKOBIELSKI, Op. Cit, p.253. 56 Alberto da Costa e SILVA. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses, p. 247. 57 K. MICHALOWSKI, Op. Cit, p. 253. 53. 31.

Referências

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