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CAPÍTULO I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

4. Surdez: conceitos, definições e diagnóstico

5.2 A língua gestual, uma porta para a comunicação

Partindo dos pressupostos, anteriormente apresentados, de que a comunicação é essencial ao homem; que esta implica uma troca e de que ninguém se desenvolve sem

Achamos ridículo e impossível, no senso comum, comunicar com um invisual através da imagem, mas ensinar um surdo por meio da fala não nos causa estranheza. Não será esta uma visão completamente aterradora do que é a comunicação?

Durante muitos anos os surdos foram sendo privados de partilhar com o mundo os seus anseios e necessidades, de mudar e ser mudado por ele. Para melhor entender a dimensão desta privação transcreve-se de seguida um excerto do livro “o Grito da Gaivota” de Emmanuelle Laborit (p. 11):

“Desde a minha infância que considerei as palavras uma coisa bizarra. E digo bizarra pelo que inicialmente continham de estranho.

O que queria dizer aquela mímica das pessoas à minha volta, com a boca num círculo ou esticada em diferentes caretas, os lábios formando trejeitos esquisitos? Eu «sentia» a diferença quando se tratava de zanga, de tristeza ou de alegria, mas o muro invisível que me separava dos sons correspondentes àquela mímica era ao mesmo tempo de vidro transparente e de betão. (…)

Quando percebi, com o auxílio de gestos, que ontem significava atrás de mim e amanhã à minha frente, dei um salto fantástico”.

Se para uma criança ouvinte, sem aparentes problemas, procuramos enquanto pais e professores a melhor estratégia de lhes transmitir o nosso conhecimento, a nossa cultura, as ferramentas que consideramos indispensáveis à sobrevivência e vivência em sociedade, porquê continuar a dificultar a comunicação e aprendizagem da criança surda? William Stokoe no seu artigo A língua Gestual como primeira língua da humanidade. (BISPO et al., 2006) defende que o gesto precede a palavra, isto é, antes de existir uma palavra para designar uma coisa ou ação, teve de existir um gesto que levou à sua criação (exemplo os conceitos de junto/separado), por isso, segundo o autor a comunicação por gestos deu origem à língua.

Para a pessoa Surda, a maior parte da informação recebida é visual, pelo que se torna pertinente e urgente a aquisição da Língua Gestual (LG), quer pelas crianças surdas, quer pelos que, de alguma, forma lidam com elas, como uma porta para a comunicação, para o seu desenvolvimento integral. É, pois, um direito de todo o surdo o acesso ao ensino da LG como primeira língua, bem como à interação com outros surdos. No entanto, ao longo dos séculos nem sempre foi assim, a história da LG é marcada por vários avanços e retrocessos, ora defendida por Sócrates, 360 a.C., “por considerar que era aceitável que os surdos comunicassem usando as mãos e outras partes do corpo, por não terem audição” (CARVALHO, 2007, p.13), ora proibida pelo congresso de Milão em 1880.

Neste seguimento importa definir língua gestual, é assim uma língua visuo-motora que recorre aos gestos das mãos e braços acompanhados da expressão facial e corporal. Esta língua possui uma estrutura gramatical e frásica própria. Em Portugal foi reconhecida oficialmente, em 1997, na Constituição da República Portuguesa (artigo 74, nº 2, alínea h), onde se pode ler que é da responsabilidade do Estado “Proteger e valorizar a LGP, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e igualdade de oportunidade.

Após esta declaração é previsível que, tanto no sistema de ensino, como no meio familiar e social, a criança aprenda a LGP como primeira língua, que servirá de ponte para a aprendizagem de uma segunda língua, a língua portuguesa.

No nosso país a LGP nasceu na primeira escola de surdos, criada em 1823, na casa Pia de Lisboa tendo sido influenciada pelo alfabeto manual introduzido pelo educador sueco Per Aron Borg. O alfabeto gestual ou datilologia é hoje utilizado apenas para comunicar o nome de uma pessoa, localidade ou palavra para a qual não exista um gesto. Havendo um domínio correto da LG, por parte da criança surda, da família e dos educadores estão criadas as condições para uma aquisição efetiva de conteúdos curriculares e competências sociais. A criança deixará de se sentir incompreendida e consequentemente excluída, pois poderá expressar o que pensa, as suas dúvidas obtendo para elas uma resposta. A superação desta barreira de recursos, de formação e organização permitirá que o sucesso educativo do aluno surdo deixe de ser aparente e inflacionado pela ideia de que o esforço de superação das dificuldades é condição única para a obtenção de resultados positivos.

A escola inclusiva deve por isso, ser “um espaço onde as expetativas acerca das competências sejam elevadas aos níveis do ensino regular, onde a única diferença seja baseada em aspetos linguísticos e culturais ”.

Quando existe um domínio real da LG, por parte de todos os intervenientes no processo de educação e formação, poder-se-á exigir do aluno surdo o que é exigível a um aluno ouvinte.

Pelo que se destaca, neste contexto, a criação das escolas de referência, que ao promoverem a concentração dos alunos surdos “inibe a constituição de guetos linguísticos e culturais e a condenação das crianças surdas ao isolamento e à incomunicabilidade”

Outro aspeto que merece a nossa atenção prende-se com a dificuldade no acesso da pessoa surda à informação veiculada pelos meios de comunicação social, esta lacuna foi, em parte, colmatada com a transmissão dos resumos das notícias em língua gestual, o que aconteceu no ano de 1995, no canal público RTP 2. Em 2003 surge, pela primeira vez, a tradução do noticiário em direto.

Conclui-se perante tudo que foi exposto que a LG é sem dúvida uma porta para a comunicação e para o sucesso e deve por isso, ser mais conhecida e valorizada por todos.

6. QUADRO LEGAL E NORMATIVO RELATIVO AO ENSINO DE SURDOS EM

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