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A legislação bíblica sobre a pena de morte

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2.3 O DECÁLOGO

2.3.2 A legislação bíblica sobre a pena de morte

Existem delitos, entretanto, que não garantiam o restabelecimento da ordem através de reparação do dano, de natureza indenizatória, que é a coluna central do direito veterotestamentário. São aqueles que tocam os limites da vida ou da culpa de sangue, que pode ser expiada somente por meio de sangue do autor da ofensa. A vida deve ser protegida e abrange a família, cuja fonte é considerada a mulher, pois esta na criação dos seres humanos (Gn 2-3), recebe o nome de “Eva”, “vida”, motivo pelo qual tem em alta a relação entre homem e mulher, na forma jurídica consistente no matrimônio, e procura protegê-la de modo especialmente eficaz, razão pela qual o adultério é passível de sanção de morte. Também para os delitos sexuais e a maldição ou agressão física contra os pais, Ex 21,15-17, há previsão da pena de morte (GRÜNWALDT, 2009, p. 60).

Outro grupo de delitos, de natureza religiosa, como citado em Levítico 4, também possuem como sanção a pena de morte. Portanto, a seguir, serão destacadas três categorias da legislação sobre pena de morte: matar, ameaçar o matrimônio e a família, e delitos no âmbito religioso.

2.3.2.1 Quem ferir mortalmente um homem será morto (Ex 21,12)

vida, embora não tenha tal princípio com a vingança privada, mas num vínculo que decorre da identificação de sangue e da própria vida ceifada (Gn 9,4-6).

Na narrativa de Caim e Abel (Gn 4,10), designa o grito por socorro pedido a Deus e das pessoas oprimidas e sofridas por justiça, pois o sangue não expiado ainda guarda dentro de si o poder da vida, como no estranho rito de Deuteronômio 21,1-9, quando uma vítima de homicídio sem encontrar o culpado da morte, os anciãos da cidade lavavam suas mãos e afirmam a sua inocência. Para o Antigo Testamento não havia distinção entre o assassinato e o homicídio involuntário, este registrado em Números 35, como a forma de matar, a relação pessoal entre a pessoa acusada e a vítima, a distinção básica entre um e outro, já existia em Êxodo 21, 12-14 (GRÜNWALDT, 2009, p. 62-63).

Especificamente nos casos de vingança de sangue, a execução da sanção capital recaía sempre sobre o parente masculino mais próximo da pessoa morta, como se contempla em Juízes 8,4-21; 2 Samuel 3,22-7 e 2 Reis 14,5. Tal vingança não era entendida como assassinato, assim como o ato de matar na guerra, pois no mandamento proíbe-se apenas o assassinato (GRÜNWALDT, 2009, p. 64-65).

2.3.2.2 Quando um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, serão castigados com a morte tanto homem adúltero como a mulher adúltera (Lv 20,10)

Para o Antigo Testamento, o homem casado comete adultério tão-somente no caso em que ele “interfere” em um casamento alheio já existente, ou com uma mulher prometida. Caso haja a relação sexual com uma mulher não casada, tal ato não era considerado adultério, interpretava-se como uma eventual promessa de casamento, pois para o homem era permitido o casamento múltiplo.

Refere-se a esse caso a lei, em Ex, 22,15-16, válido para homens casados ou não, em que se pagava o dote para escusar-se ao casamento, caso não fosse ela prometida a outrem. Para a mulher casada, porém, cada ato específico, pela impossibilidade de permissão de outros parceiros matrimoniais, violaria o próprio casamento. A morte, assim, visa a proteção do espaço vivencial da família,

pois a esposa é considerada o cerne da vida da família, pois os filhos são a sua riqueza. Prova disso é o exemplo de Sara em Gn 11, em que Agar se tornou arrogante para com a sua ama; também em Ana 1 Sm 1, pois um homem tinha várias esposas, com todas elas por direito acerca de relações sexuais e gravidez (Ex 21,10) (GRÜNWALDT, 2009, p. 65-66).

Outros delitos sexuais, igualmente, também possuem como sanção a pena capital, como em Levítico 18 e 20. São eles o incesto, a homossexualidade, as relações sexuais com animais e com mulher menstruada, também proibidas, como se vê em Levítico 18,12-13, tal como a relação sexual com a nora, como abominação (Lv 20,12).

Tais normas visavam a proteção da família, uma vez que a família é um instituto que deve ser respeitado, não só como o parentesco consanguíneo, mas o legal proveniente do matrimônio, obstáculo para contatos sexuais com nora ou cunhada, fundem-se no âmbito familiar, sob a palavra e proteção YHWH. Para a mulher menstruada, existe ameaça de alijamento do povo ou excomunhão, pois o sangue renova a fonte da vida, que reponta a fertilidade, que provem o status de tabu (GRÜNWALDT, 2009, p. 68-70).

Com relação aos atos sexuais com animais, a norma é mais clara. Tal ato é qualificado como abominação, não se permitindo a mistura entre homens e animais. Tal ato toca a esfera do sagrado, sendo considerado, portanto, um delito religioso (GRÜNWALDT, 2009, p. 70-71).

2.3.2.3 Quem sacrificar aos (outros) Deuses será votado ao interdito (Ex 22,19)

A segunda, de seu turno, imiscui a palavra “interdito”, muito difundido em atos de conquista e tomada de terra contra estrangeiros, portanto consagradas a Deus, que podiam ser mortas, até mesmo com seus familiares. Torna-se claro, porém, a severidade com que são perseguidos os delitos contra Deus, somente compreensível em Israel, que não se formou politicamente, pois a experiência central que levou à reunião do povo de Israel foi a libertação da escravidão do Egito (GRÜNWALDT, 2009, p. 71-72).

isso a adoração a outras divindades abala esse fundamento e abre-se uma fenda vital do povo, em decorrência da aliança firmada com Deus. Essa é a razão pela qual a adoração de outras divindades comina-se sanção tão severa. Percebe-se tal importância, até pela sua catástrofe estatal, primeiramente no Reino do Norte (722 a.C.), posteriormente também no Reino do Sul (598/597 e 587 a.C.). Na obra historiográfica Deuteronomista, do Quinto Livro de Moisés até o Segundo Livro dos Reis, Israel se auto acusa da transgressão desse mandamento, quando da conquista do Reino do Norte pelos assírios, em que pecaram contra o senhor seu Deus, porque passaram a temer outros Deuses (2Rs 17,7-8) (GRÜNWALDT, 2009, p. 72-73).

Caso curioso pode ser observado em Dt 13,1-6, que relata o ato de um profeta ou vidente convidar a comunidade a seguir outras divindades. O legislador exige que ele não seja seguido, mas sim morto. Caso semelhante encontra-se nos versículos 7-12 de Deteuronômio, quando um membro de uma família tenta levar os seus parentes para o culto de outras divindades. Neste caso está previsto: “Tua mão será a primeira a causar-lhe a morte”. No caso de toda a população de uma cidade adorar outra divindade, todos devem ser queimados. A pena capital será aplicada a filha de um sacerdote caso torne-se prostituta, sendo que a morte será pelo fogo (Lv 21,9) (GRÜNWALDT, 2009, p. 74-75).

Os espaços sagrados, também, são protegidos com sanções legais, como no caso de alguém não autorizado tocar algo sagrado. Ele deve ser morto (Nm 1, 51; 3,10-38; 18,7), pois o sagrado pode profanar-se, perturbando a relação entre Deus e o crente. Nas leis cúlticas veterotestamentárias ao local do serviço divino é conferida especial proteção, como por exemplo em Lv 1-7; 11-16.

O primeiro sábado, o sétimo dia da semana, como proibições de trabalhar, remonta o fato de ter encontrado seu lugar entre os Dez Mandamentos (Ex 20, 8-11; Dt 5,12-15). É enraizamento de dia de descanso da obra da criação (Gn 1, 1-2, 3), pois o próprio Deus instituiu ao tempo uma ordem (Gn 1), que corresponde ao próprio Deus, em que os homens devem viver segundo o repouso sagrado e a ordem santa, por isso a páscoa goza de especial proteção, porque resulta do ato salvívico de Deus fazer sair o povo de Israel do Egito (Ex 12) (GRÜNWALDT, 2009, p. 77-78).

2.3.2.4 Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou (Gn 1, 27)

Elucida-se outras três passagens importantes sobre do Antigo Testamento, apenadas com a morte, como assassínio do tipo homicídio, são elas: transgressões na esfera familiar (sexualidade) e transgressões contra o Primeiro Mandamento e a Esfera Divina em tempo e espaço. Paralelamente a isso, também existem com a mesma sanção, os seguintes delitos: amaldiçoar o Rei ou o Príncipe (Ex 22, 27; 1Rs 21,10); o rapto de uma pessoa para matá-la (Ex 21,16) e acusação indevida de alguém de um crime que acarretaria a sanção de pena capital (Dt 19, 16-19).

Tal fato pode ser explicado, talvez, tendo em vista o motivo teológico presente no mandamento “Não matarás” (Ex 20, 13; Dt 5, 17). Com exceção de Números 35, 30, designa um ato legal, por isso aplicar a pena de morte e matar na guerra não era tido como proibitivo. O argumento mais decisivo contra a pena de morte é o de a humanidade possuir a qualidade de ser imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-28). É por esse motivo que a dignidade do ser humano é inviolável, indisponível e imperdível. Ninguém tem o direito de violá-la, ninguém tem o direito de tirá-la (GRÜNWALDT, 2009, p. 80-81).

Talvez por agir de modo desumano, a perder sua dignidade, alguns países têm, atualmente, sanções para a pena de morte pois não deve o agente violar direitos de outras pessoas. Deve-se julgar condutas, mas avaliação do ser humano, evidentemente, para julgá-lo, só poderá fazê-lo Deus (GRÜNWALDT, 2009, p. 81- 82).

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