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1. A REFORMA NO ACESSO À JUSTIÇA E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE

2.3 As Ordens do Amor

2.3.2 A Lei da Hierarquia ou de Ordem

A hierarquia familiar segue o fluxo temporal, a ordem de chegada na família, ou seja, a hierarquia se dá pela sequência cronológica com que se passa a pertencer àquele sistema (HELLINGER, 2004, p.25). Deste modo, os avós têm precedência sobre os pais e os pais sobre os filhos, assim como a primeira mulher tem precedência sobre a segunda, e os sogros têm precedência sobre o genro e a nora. É por conta dos que antes vieram que a família se mantém, portanto, merecem ser olhados com respeito e cuidado.

Assim, ainda que os filhos acreditem estarem tomando a melhor decisão no caso concreto, se colocarem como superiores aos pais pode ter efeitos bastante negativos no sistema e para eles próprios, como dificuldades financeiras, amorosas ou mesmo de saúde. Do mesmo modo, quando aqueles que precederam não são respeitados pelo que são, quando os descendentes tentam modificá-los ou quando tentam “carregar em lugar deles as consequências de suas culpas”, a família enfraquece, eis que entra em desequilíbrio pelo desrespeito à lei em análise (HELLINGER, 2004, p.26).

É muito comum termos casais que se separam e posteriormente casam-se de novo com outros parceiros. Sendo esse o caso, é importante que o companheiro ou companheira desse segundo relacionamento não tente tomar o lugar do primeiro esposo ou esposa. É comum os filhos não aceitarem bem um novo relacionamento em que a pessoa tenta modificar tudo, busca apagar o passado e desrespeita aquela ou aquele que chegou antes à família. A primeira esposa ou esposo sempre farão parte daquele sistema e tentar ir de encontro a isso apenas trará instabilidade ao novo casal. Do mesmo modo, segundo a lógica da cronologia, os filhos do

primeiro casamento têm precedência sobre o relacionamento com o segundo parceiro e os filhos dele gerados (TESCAROLI; GONÇALVES, s.d. b).

O mesmo ocorre em sistemas onde o filho toma o lugar dos pais, comandando a vida daqueles, ou assim agindo na criação dos irmãos, por exemplo. Ou em sistemas nos quais a precedência da relação conjugal não é respeitada em face da relação de maternidade e paternidade (TESCAROLI; GONÇALVES, s.d. b).

É importante salientar que as Ordens percebidas por Bert Hellinger não obedecem à razão individual. É normal acharmos que podemos comandar a vida de nossos familiares caso eles tomem decisões que julgamos inadequadas, ou atitudes que consideramos inconsequentes, a Ordem Hierárquica, porém, não faz tal análise. Desse modo, é importante que respeitemos aqueles que nos precedem no sistema, ainda que não concordemos ou acatemos aquilo por eles colocado (TESCAROLI; GONÇALVES, s.d. b).

Quando um filho tenta assumir a culpa por atitudes de seus pais, por exemplo, ou tenta tomar suas obrigações, incorre numa presunção, ainda que esteja agindo inconscientemente, ainda que esteja agindo por amor. A boa intenção dos filhos não impede os efeitos negativos oriundos da violação da hierarquia. Durante as Constelações Familiares, portanto, deve-se perceber se alguém está arrolando para si um papel que não lhe pertence, para então colocar isso em ordem, de modo a tranquilizar o sistema (HELLINGER, 2004).

Numa família, o casal homem-mulher vem antes dos filhos, já que antes de serem pais, já eram um casal, já tinham uma relação. Portanto, o relacionamento mais importante no sistema familiar é aquele entre pai e mãe, a relação do casal tem prioridade sobre a relação entre os pais e seus filhos. Um casal que se casa por causa de uma gravidez, por exemplo, toma essa decisão por sua conta e responsabilidade, “eles não fazem isso por causa dos filhos, mas por aceitarem as consequências de suas ações”. O bebê, portanto, nada tem a ver com isso, culpa alguma, participação alguma nessa escolha e não devem sentir remorsos (HELLINGER; WEBER; BEAUMONT, 2002, p.75).

Por outro lado, quando o homem e a mulher trazem seus filhos de um relacionamento anterior para o novo, a precedência altera-se, eis que antes de serem um casal, já eram pais. Os filhos aqui não foram uma continuação de seu amor um pelo outro, mas sim precederam esse amor. Cabe então aos parceiros perceberem essa precedência do amor pelos filhos, que antes de serem um casal, já eram pais de seus filhos próprios e que seu maior amor e sua maior força devem antes fluir para eles. Se este novo casal vier a ter filhos juntos, então serão primeiramente pais de seus filhos próprios, depois um casal, e posteriormente pais dos filhos em comum, sendo essa a ordem natural, biológica e cronológica a ser obedecida (ARROJO, s.d.).

Hellinger (HELLINGER; HÖVEL, 2006, p.80), manifesta que, “normalmente, o homem tem prioridade nas constelações familiares”. Ainda que aduza tal preferência não se dar por uma questão de superioridade, e sim por sua função como responsável pela subsistência da família, manifestamos aqui nossa discordância, ainda que não pretendendo um maior aprofundamento e, muito menos, a exaustão da temática de gênero.

Conquanto o psicoterapeuta dedique tal alegação à pura observação empírica, eis que baseia as Constelações Familiares em uma análise puramente fenomenológica47, não se pode olvidar tratar-se de um método sistêmico48 e, portanto, que considera o ser humano como um microssistema, o qual está em inter-relação com vários outros sistemas, influenciando-se assim por fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Nas palavras de GAVLIK e VOLPI (2014, p.7), “cada indivíduo / sistema está inserido em outro sistema de relações (família, amigos), que por sua vez está inserido em um sistema maior que é a sociedade, e esta está inserida no sistema da cultura e da história do mundo”.

Consequentemente, ainda que a análise dos acontecimentos durante o procedimento de constelação deva se dar apenas sobre o fenômeno em si, desconsiderando demais teorias e preconceitos, aquele sistema não deixa de ser influenciado por diversos outros sistemas, dentre eles o sócio-histórico-cultural, responsável pelas concepções discriminatórias de gênero. O que buscamos com isso, é explicitar que a ideia de Bert “adequa-se” à sua realidade e tempo, não se constituindo tal precedência do homem sobre a mulher em critério natural ou biológico, mas sim em uma construção social, a qual pode, por conseguinte, ser descontruída e modificada.

A Lei da Hierarquia atua também no ambiente empresarial, de modo que os funcionários mais antigos têm precedência sobre as novas contratações, independentemente de estarem

47 Para a fenomenologia “a existência de algo não está separada da forma da sua percepção”, ou seja, tanto o objeto

quanto o sujeito envolvido na análise são fundamentais para aquela compreensão (NAMU, s.d. a). Busca, no entanto, ainda que entenda a influência do sujeito, analisar o fenômeno como se primeira pessoa fosse desnudando- se, assim, de eventuais teorias explicativas, pressuposições e preconceitos (NAMU, s.d. b). Neste sentido, o que se busca nas Constelações Familiares é lidar com os fenômenos conforme eles aprecem, independentemente de interpretações, conforme aduz Hellinger (2002), por exemplo, na seguinte passagem: Eu não estou falando do modo como uma coisa provoca outra, nem tentando descrever processos inconscientes: só descrevo o que vejo as pessoas fazerem realmente. Examino os sentimentos e comportamentos reais, investigando como estão sistemicamente associados uns com os outros. Não postulo nenhuma causalidade, apenas uma associação sistêmica”. Ainda, em sua obra As Ordens do Amor (2004), dispõe que o caminho fenomenológico exige que nos exponhamos à diversidade de fenômenos independentemente de qualquer ideia preexistente ou movimentos internos, sejam na seara dos sentimentos, das vontade, ou dos julgamentos.

48 Surgida na década de 20, a teoria sistêmica “propôs a substituição de um modelo de pensamento científico linear (causa-efeito) pelo circular (interativo), cuja ideia principal gravita pela noção de interação entre elementos constituintes de um sistema” (BAGGENSTOSS e FIEGENBAUM, 2017, p.6). A concepção metodológica sistêmica preocupa-se com a integração e o dinamismo do todo (BAGGENSTOSS, 2015, p.03), considerando um sistema como o conjunto interligado de elementos que formam um todo, rompendo com o dualismo e reducionismo cartesianos. Quanto ao ser humano, a abordagem sistêmica o entende como um sistema em si, o qual, relacionando- se com outros indivíduos, forma um novo sistema, que se relacionando gera mais um novo sistema, e assim por diante (GAVLIK e VOLPI, 2014, p.7).

obsoletos ou improdutivos. O não respeito aos antigos funcionários, seja pelo novo empregado, seja pelos administradores, tornará essa chega muito mais conturbada, gerando uma rejeição pelos que já ali estavam. Ainda, é possível que os sócios e herdeiros da empresa não alcancem uma administração tranquila da sociedade, caso não deem o devido respeito ao seu fundador. (HELLINGER, 2004).

Conforme aduz Hellinger (2004), nas organizações, além da vista ordem de chegada, existe uma hierarquia por função e desempenho. A precedência se dá para aquelas funções de chefia, administração, que garantam contatos externos e forneçam a base para a organização, seguindo então pelo nível de relevância. Como exemplo, o psicoterapeuta cita uma clínica médica, em que no topo hierárquico estarão chefes e administradores, posteriormente médicos, enfermeiros e por fim funcionários de serviços auxiliares. Dentro dessas funções atuará a hierarquia cronológica, de modo que, caso em um desses grupos seja incluído um novo chefe que antes não ali pertencia, este ocupará o último lugar na hierarquia interna, devendo agir como tal, mesmo que seja o dirigente. Ainda, existe uma hierarquia entre a ordem de inclusão de cada grupo funcional naquela organização. Assim, caso criado um novo departamento, este passará a último hierarquicamente, salvo se restar estabelecidos outros departamentos como a ele subordinados.

Essa ordem cronológica de precedência atua dentro de um mesmo sistema. De outro lado, contudo, externamente, entre sistemas, a ordem inverte-se: o sistema novo precede o antigo. Na sucessão de sistemas, portanto, a família atual tem precedência sobre a anterior e se isso não for respeitado entra-se em desequilíbrio (HELLINGER, 2004, p.25).