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4. O SIGILO BANCÁRIO NO BRASIL

4.1 O sigilo bancário antes da Constituição Federal de 1988

4.1.6 A Lei do Sistema Financeiro Nacional de 1964

Com o surgimento da Lei nº. 4.595/64, em seu art. 38, permitiu-se, ao Poder Judiciário, ao Legislativo, às Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI, e também ao Executivo, por seus agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda, a quebra do sigilo bancário dentro de determinadas condições:

Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo de suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º. As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§ 2º. O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

§ 3º. As Comissões Parlamentar de Inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº. 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco central do Brasil.

§ 4º. Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º deste artigo deverão ser aprovados pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§ 5º. Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houve processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§ 6º. O disposto no parágrafo no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes elas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.

§ 7º. A quebra de sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. (grifo nosso)

Esta Lei surgiu sob a égide da Constituição de 1946, cujo artigo 141 – dos direitos fundamentais - não previa expressamente qualquer direito referente à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados (exceto a inviolabilidade da correspondência – art. 141, § 6º). Dessa forma não se cogitava de sua inconstitucionalidade.

Nesse contexto, mas sob um ângulo mais recente, idos de 2000, a questão do sigilo bancário, nos foi apresentada pelo Deputado Federal Mussa Demes, que em tom saudoso, lembrou de uma época em que vigia o regime de exceção, em que o cidadão não tinha a guarida constitucional. O parlamentar, na Comissão de Reforma Tributária da Câmara, assim se manifestou:

Recordo muito bem que em 1968 ou 1969, se não me engano, eu que era fiscal do Imposto de Renda e, naquela época, não existiam as dificuldades que vemos hoje com relação ao sigilo. Naquela época, a Constituição não proibia que se pedisse esse tipo de informação aos bancos. Tanto é verdade, que por força de uma portaria do Ministério da Fazenda naquela época, o hoje Deputado Delfim Neto, os fiscais quebravam o sigilo bancário mediante a simples apresentação ao gerente de um banco de um termo de início de ação fiscal elaborado contra qualquer pessoa física ou jurídica. 32

Saudosismo à parte, importa frisar que o sistema Financeiro Nacional foi previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 192, devendo ser regulado por lei complementar, devendo esta dispor sobre as diretrizes normativas especificadas na Carta Magna. Entretanto, como tal norma ainda não foi elaborada, há entendimento de que a Lei nº. 4.595/64, por versar sobre a matéria foi recepcionada pela atual Constituição Federal. 33

Embora recepcionada a norma, MAIA FILHO entende que:

A prestação de informações sigilosas aos agentes do fisco, como previsto no art. 38, parág. 5º da LBSF, não foi recepcionada pela Constituição de 88, que só admite a quebra do sigilo para fins de investigação criminal ou instrução processual

penal (art. 5º, XII), sendo este um caso exemplar de conflito entre uma norma legal

com um dispositivo da Carta magna, devendo preponderar, dada a hierarquia das normas em colidência, a disposição posta na Constituição.

32 Apud MELO, Zenóbio Simões de. Quebra do sigilo bancário. p.2. 33 QUEZADO, Paulo. LIMA, Rogério. Sigilo bancário. p. 11.

Por conseguinte, as exceções administrativas ao sigilo bancário, nos termos dos arts. 37 e 38 da LBSF, são exclusivamente os casos de informações ao BACEN e às CPI’s; nos demais casos, somente por ordem judicial específica.(sic) 34

Esse entendimento parece guardar consonância com o entendimento com o entendimento do Ministro Marco Aurélio quando expôs a compreensão semântica que adotava com relação ao inciso XII do art. 5º, da CF/88:

No texto [do inciso XII do art. 5º], vejo o emprego de dois conectivos “e” a revelar que temos, na verdade, não quatro casos, mas apenas dois: o primeiro, abrangendo a “correspondência” e as “comunicações telegráficas”: “é inviolável o sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas”; o segundo, a envolver “dados” e “comunicações telefônicas”. Se estou certo neste enfoque, rechaço a possibilidade de se ter o sigilo relativo a “dados” como inafastável. O sigilo, a meu ver, pode ser

afastado mediante a aplicação do que se contém na parte final do preceito,

conforme a expressão: “salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. (grifo nosso) 35

No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Demócrito Reinaldo, decidiu, acerca da questão, que não basta o processo administrativo para quebrar o sigilo bancário, mas o processo judicial instaurado e a requisição do juiz. Em voto proferido no julgamento do REsp 37.456-5, Manifestou-se no sentido de que a interpretação integrada dos parágrafos do art. 38 da Lei 4.595/64 reporta à expressão “processo instaurado” o significado de processo judicial, em razão de estar o interesse do Fisco em pólo oposto ao direito à privacidade e, para a resolução da questão, é necessária a “prévia autorização da autoridade judicial competente

para que sejam franqueadas ao Poder Tributante as informações bancárias atinentes ao contribuinte. (...) conclui: Pondero, ademais, que no Estado Democrático de Direito, o poder de intromissão dos entes públicos na privacidade do cidadão deve subordinar-se às

34 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Dois estudos de processo: a garantia do sigilo bancário em face da instrução processual penal / Da justa causa para a ação penal nos crimes contra a ordem tributária. p. 44/45.

limitações que lhe impõem as leis, cujo exame e correta aplicação estão constitucionalmente cometidos ao judiciário. Trata-se de salvaguarda jurídica, que não obstaculiza a legítima atividade do fisco, mas antes veda-lhe o proceder arbitrário. 36

Adiante veremos que outros pronunciamentos nessa linha foram emitidos pelos tribunais superiores.

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