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A Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, representou um significativo avanço na esteira da desjudicialização de procedimentos nos quais, dada a inexistência de conflito, a presença impositiva do Poder Judiciário mostra-se absolutamente dispensável. Veio, logo, a novel legislação se harmonizar com a tendência de simplificação e desburocratização das formas de dissolução da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial.

Consoante preconiza Christiano Cassetari (2007, p. 17),

trata-se do reconhecimento de que a dificuldade em realizar separações e divórcios acarreta a proliferação da separação de fato. Acreditamos que isso ocorre em razão do excesso de formalismo exigido, o que denota o rigor do intervencionismo estatal na vida do particular, em detrimento da autonomia privada.

A submissão de relações em que inexiste a litigiosidade à via judicial é situação de extrema desnecessidade, o que contribui para a sobrecarga do Poder Judiciário, que há muito já não logra êxito no afã de trazer ao cidadão uma prestação jurisdicional adequada e célere.

Passou-se a permitir, portanto, que os casais, capazes, que guardem entre si o consenso e não possuam filhos menores ou incapazes, recorram ao tabelionato de notas, assistidos por um advogado, a fim de ver dissolvido o enlace conjugal.

Embora, no contexto social em que se insere, seja recepcionada como uma figura inovadora, a legislação em comento apresenta ainda aspectos marcantes do conservadorismo outrora dominante no ordenamento brasileiro. Isso porque a nova lei impõe um grandioso número de exigências para que os casais se adéqüem aos seus ditames e possam, enfim, dissolver o vínculo mediante escritura pública.

Preconiza Yussef Cahali (2007, p.16):

Intencionalmente a Lei mostra-se tímida, quiçá cautelosa, e de incidência restrita, o que denuncia o caráter manifestamente experimental da inovação ora introduzida em nosso sistema legal, ainda que isto comprometa a sua motivação primária, que seria de imprimir maior celeridade à prestação jurisdicional. Efetivamente, possibilitando a separação consensual e o divórcio consensual por escritura pública apenas ‘não havendo filhos menores ou incapazes do casal’, a lei restringe a convenção apenas às relações que envolvem direitos conjugais recíprocos, sem envolver no acordo direitos indisponíveis de

terceiros. Nesse ponto, a separação judicial por mútuo consentimento desfruta de maior elasticidade, que poderia ter sido adotada como modelo.

Nessa esteira de discussões, tem-se a abrangência do “ser consensual” como alvo de intensos debates por parte dos doutrinadores e notários, para que então se possa precisar os seus contornos. A discussão opera-se em torno do seguinte questionamento: seria suficiente para a utilização da via administrativa o consenso tão-somente quanto ao fim do casamento, ou seria necessário que estivessem as partes também acordes no que tange aos demais aspectos que envolvem a separação e o divórcio? Não é questão das mais fáceis de responder, e tampouco se mostra uniforme a opinião doutrinária.

Outra hipótese ainda aviventada pelos autores diz respeito à possibilidade de, mesmo na existência de filhos incapazes, se separarem ou divorciarem os cônjuges em cartório, desde que não verse o acordo sobre direitos indisponíveis. Alguns autores vêm entendendo que prejuízo algum, por exemplo, é acarretado à prole quando seus interesses já restaram judicialmente tutelados em demanda antecedente, de forma que as partes procurariam o tabelião apenas com a intenção de formalizar sua situação pessoal e, no que tange às demais questões, ratificar o que foi decidido na via judicial.

Nesse norte, questiona Antonio Carlos Parreira (2007):

Mas e se os direitos indisponíveis dos filhos incapazes já estiverem judicialmente tutelados e as escrituras de separação e divórcio ratificarem as decisões judiciais, sem quaisquer alterações pelo casal? Qual prejuízo para os filhos incapazes? Nenhum. Assim, se for caso de mera conversão consensual de separação judicial em divórcio, no qual ficarão mantidas as cláusulas da separação relativas à guarda, direito de visita e pensão alimentícia dos filhos menores e maiores incapazes, obviamente que nenhum prejuízo poderá ocorrer para os filhos. Nessa hipótese se foram prejudicados, tal se deu no processo judicial da separação e sob as barbas do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça. Ora, também possível em processo contencioso ou consensual serem resolvidas as questões de alimentos, guarda e direito de visita dos filhos incapazes, podendo os cônjuges em escritura de separação ou divórcio consensual direto ratificar o acordo homologado ou a decisão imposta pelo Judiciário. Tal ocorrendo não há margem para prejuízo para os filhos.

Assim, de nenhuma importância seria o fato de haver ou não filhos menores ou incapazes, uma vez que os interesses destes teriam sido objeto de processo judicial, no qual se assegurou às partes todos os instrumentos adequados ao alcance de seu direito. Logo, a exigência eficaz para o resguardo dos respectivos direitos indisponíveis há de ser aquela que fiscaliza a devida tutela dos mesmos, não cerceando a liberdade dos cônjuges de verem seu estado civil formalizado quando não mais se vislumbram interesses da prole a serem defendidos.

O exemplo legislativo português é bastante semelhante ao que se apregoa por ora. O Código Civil Português, alterado pelo Decreto-Lei n. 163/95, em seu artigo 1.773º, preceitua que o divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido na conservatória do registro civil se o casal não tiver filhos menores ou, havendo-os, o exercício do poder paternal se apresentar judicialmente regulado.

É regulamentação que merece reverência, haja vista a melhor adequação a uma realidade lógica, em detrimento do excesso de formalismo demonstrado através de imposições que desconsideram situações em concreto. É evidente que impedir o exercício da via administrativa pelos cônjuges que, mesmo possuindo filhos menores ou incapazes, já bateram às portas do Judiciário para regular a obrigação que lhes incumbe como pais é ferir gravemente o respectivo direito de liberdade e a autonomia da vontade que lhes são assegurados.

Da mesma forma ocorre quando, mesmo não estando em consenso quanto à partilha e aos alimentos recíprocos, mostram-se os cônjuges firmes em relação ao fim do matrimônio, e ambos desejam a separação ou o divórcio. Não há motivos a justificarem o impedimento de que esse casal se favoreça com a utilização da via administrativa, a fim de ver rapidamente solucionada, ao menos, sua situação pessoal. As outras implicações decorrentes poderão ser discutidas em processo judicial próprio, sem quaisquer reflexos no direito dos consortes se verem livres de uma relação tormentosa.

Na lição de Christiano Cassetari (2007, p. 20):

Com isso, verifica-se ser possível escriturar somente a separação e o divórcio e deixar a partilha de bens ou a discussão sobre alimentos do cônjuge para outro momento. Esse é o motivo pelo qual afirmamos que a discordância do casal quanto à partilha de bens e à fixação dos alimentos não pode ser óbice para que eles, de comum acordo, realizem a separação ou divórcio extrajudicial por escritura pública. O interesse dos cônjuges em realizar a escritura pública, deixando questões como partilha e alimentos para discussão posterior, pode se dar em razão do desejo de já iniciar a contagem do prazo para a conversão da separação em divórcio, ou ainda para permitir a celebração de um novo casamento, mesmo sendo sabido que, na hipótese de divórcio sem partilha de bens, os divorciados perdem a liberdade de escolher o regime de bens, já que o art. 1.641, I, do Código Civil impõe o regime de separação obrigatória.

E, opina o autor (CASSETARI, 2007, p. 20) que, em ocasiões como essa, poderão os cônjuges declarar na escritura que concordam em pôr fim à sociedade conjugal, mas que, no

entanto, deliberarão sobre a partilha de bens ou sobre a fixação de pensão alimentícia posteriormente, seja em âmbito judicial ou extrajudicial.81

Não há como negar, nesse caso, que o consenso existe. Não só está presente, como deve ser suficientemente capaz de levá-los ao caminho que doravante escolherão para si.

Invocando o princípio da cindibilidade do acordo, Yussef Cahali (2007, p. 16-17) apregoa que a escritura pública de separação não tem a obrigação de exaurir desde logo e de forma integral as relações jurídicas pessoais e patrimoniais que pairavam entre marido e mulher. Afirma o autor, ainda, que certamente a jurisprudência pretoriana, em breve, haverá de adotar esse fatiamento da escritura pública de separação extrajudicial, restringindo-se tão-somente à dissolução da sociedade conjugal, sem, pois, interferir nos deveres dos genitores perante à prole.

Destarte, nada impede que o legislador vá adiante e permita que, em quaisquer situações nas quais inexistam mais interesses a ser resguardados pelo Poder Judiciário_ seja porque já o foram tratados anteriormente pela via judicial, ou porque, adequando-se aos ditames da lei, as partes encontram-se plenamente concordes e não possuem filhos menores ou incapazes_ , possam os consortes resolver sua situação conjugal mediante escritura pública, de forma quase instantânea, estando livres daquele relacionamento que há muito findou e no qual não se vê viabilidade em retomar uma vida em comunhão.

Inclusive, em recente notícia publicada na imprensa mundial, teve-se conhecimento de que, em Portugal, abriu-se possibilidade para que os cônjuges procedam ao divórcio via internet82. Aos casais que não possuírem filhos menores e bens a dividir será permitido o uso da ferramenta virtual para desconstituírem o vínculo, que, segundo informado, terá duração de aproximadamente uma hora. As partes utilizarão, para tanto, o denominado cartão cidadão, recém criado naquele país. O referido documento consiste em uma identidade eletrônica em que constam todos os dados do cidadão, além de funcionar como assinatura eletrônica.

81 Esse foi, inclusive, o posicionamento da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, através da Portaria

n. 1/2007, em seu item 5.8, já transposto na página 48 desse trabalho.

82 A notícia restou divulgada no endereço eletrônico da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado

do Rio de Janeiro – Arpenrj, onde se comenta o programa de desburocratização criado pelo governo de Portugal (Divórcio via internet passará a ser usado em Portugal. Disponível em: http://www.arpenrio.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1109&Itemid=83. Acesso em: 05/11/08).

O pedido de divórcio via internet é instantaneamente enviado ao cartório, sendo que eventuais pendências poderão ser resolvidas com uma confirmação do casal perante um juiz, ou através de um procurador nomeado pelos mesmos.

Trata-se de instrumento que objetiva racionalizar e desburocratizar o procedimento de dissolução do vínculo matrimonial, tornando-se célere a obtenção do resultado pretendido pelas partes. Reflete, por conseguinte, os efeitos dessa nova tendência, que alcança igualmente outros países, de forma até mesmo radical, como é o exemplo português.

No Brasil, tal paradigma ganha forças com o passar do tempo, porém com vestes de timidez. Vislumbra-se ainda muito caminho a ser percorrido, embora se tenham iniciado mudanças com a promulgação da Lei n. 11.441/07.

Desta feita, nada obstante represente o sinal de um novo momento no âmbito do direito de família, a Lei n. 11.441/07, em sua configuração atual, merece reparos por parte do legislador e dos próprios julgadores quando de sua aplicação, de forma a alargar sua incidência a situações que, sem motivos plausíveis, encontram-se à margem dessa legislação. O devido aperfeiçoamento desse diploma legal trará maior eficácia e celeridade aos procedimentos de que cuida, objetivos estes certamente almejados pelo legislador quando de sua idealização.

3.5 PROPOSTAS DE REFORMA LEGISLATIVA NO ÂMBITO DA DISSOLUÇÃO DO