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3 A REFORMA GERENCIAL E A PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NA

4.3 A Lei 13.019/14 e suas contribuições ao controle das parcerias

A Lei 13.019/14, promulgada no dia 31 de julho de 2014, além de sedimentar alguns princípios e regras já aplicados, traz inovações importantes para o estudo aqui realizado. Essa lei nasceu no Senado Federal, a partir da CPI “das ONGs”, e foi sendo aperfeiçoada pelas contribuições decorrentes de audiências públicas com representantes do Governo, do Tribunal de Contas da União, das organizações da sociedade civil e das conclusões do Grupo de Trabalho Interministerial que contava com a participação de representantes governamentais e das entidades interessadas, nos moldes de uma genuína democracia participativa.

A questão é que os resultados da CPI provocaram grande repercussão social e uma séria desconfiança pública quanto ao funcionamento das organizações da sociedade civil em geral, agravada, ainda, pela ausência de uma regulamentação específica sobre a matéria. Dos resultados de seus trabalhos decorreram diversas ações em busca da solução dos vários vícios encontrados, tais como: a expedição de recomendações destinadas a vários órgãos do poder público, a fim de que adotassem medidas aptas a executá-las; o encaminhamento dos fatos apurados ao Ministério Público; e a elaboração de dois projetos de lei, um que se converteu na Lei 12.349/10, que trouxe mudanças na regulamentação de licitações e contratações públicas, e outro que viria a se tonar a Lei 13.019/14, a qual estabeleceu o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil.

Como essa necessidade de um marco regulatório do terceiro setor no Brasil já havia sido alvo de amplos debates por doutrinadores e representantes desse segmento da sociedade civil, que resultavam em diversas propostas para a sua elaboração, com base nos problemas por eles constatados, o Poder Público foi pressionado e, assim, diante da pressão exercida pela sociedade civil, foi finalmente publicada a Lei 13.019/14268.

267 FIGUEIREDO, Jéssica Antunes. O controle das parcerias entre Estado e terceiro setor e as contribuições da

Lei 13.019/14. In: CARVALHO, Fábio Lins de Lessa. Direito administrativo transformador. Curitiba: Juruá, 2017.

268 BRASIL, Lei 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias,

O diploma legal veio para esclarecer conceitos e estabelecer diretrizes gerais, sendo de abrangência nacional e valendo, em vista disso, para as três esferas da federação. Deste modo, vem sendo visto por muitos como o novo marco regulatório do terceiro setor.

Em virtude de seu processo legislativo participativo, visou englobar os pontos basilares abordados no debate interministerial, trazendo em seus dispositivos diversas previsões inovadoras. Baseou-se na facilitação do consensualismo e no gerenciamento de atividades, conferindo um maior enfoque também na elaboração de regras que favorecem a fiscalização da aplicação dos recursos públicos.

Entre as diretrizes fundamentais previstas, estão: o fortalecimento das organizações da sociedade civil, para que assim cooperem de forma mais eficiente com o poder público; a priorização do controle de resultados, que envolve o incentivo à ação integrada dos entes públicos e a capacitação de gestores públicos, principalmente aqueles que lidam diretamente com as parcerias; e a viabilização efetiva do controle social, utilizando-se de transparência e da publicidade, através da criação de mecanismos que ampliem o acesso à informação, de preferência nos meios eletrônicos (art. 6º).

Nota-se, portanto, que na previsão das diretrizes fundamentais houve um maior cuidado da lei em relação à efetivação dos mecanismos de controle e fiscalização das parcerias, em consideração aos problemas legislativos encontrados nas legislações específicas anteriores e apontados no último tópico e às demais problemáticas que envolvem a efetividade do controle apresentadas pela CPI e que se verá adiante.

Ademais, é relevante destacar a criação de instrumentos jurídicos próprios ao novo regime: o termo de fomento, o termo de colaboração e o acordo de cooperação, que são os meios de formalização das parcerias realizadas entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil para a consecução de atividades com finalidades de interesse público e recíproco.

Tanto no termo de fomento quanto no termo de colaboração há a transferência de recursos financeiros por parte do Estado, todavia, no primeiro, a proposta de parceria é feita pela Organização da Sociedade Civil, enquanto no segundo a proposta é realizada pelo Poder

sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com instituições da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. In: PALÁCIO DO PLANALTO. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13019.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.

Público, de acordo com sua necessidade (art. 2º, VII e VIII). Já o acordo de cooperação, distintamente dos dois primeiros, pode ser proposto por qualquer um dos interessados, porém não envolve a transferência de recursos financeiros (art. 2º, VIII-A).

É relevante salientar que a lei excluiu o convênio como uma das modalidades de formalização de parcerias com as organizações da sociedade civil, excetuando-se quando disser respeito à área da saúde. Desse modo, resta o instrumento, em regra geral, reservado aos entes públicos.

Tal exclusão é vista como um avanço, uma vez que os convênios, por serem despidos de certos formalismos previstos para outros institutos – como a qualificação especial prévia, a publicação de edital para a seleção da organização parceira e a necessidade de limitação do objeto ‒, eram os instrumentos mais utilizados para finalidades ilícitas, muitas vezes por meio de “parcerias de fachada”, constituídas com base na troca de favores políticos.

Assim sendo, a previsão de instrumentos jurídicos próprios, voltados especificamente à formalização de parcerias com o terceiro setor, foi o primeiro passo em direção à efetivação das demais regras positivadas.

Além dos instrumentos próprios, outro significativo avanço trazido diz respeito ao momento da seleção das entidades. Enquanto anteriormente não havia critérios claros e bem definidos para escolha, a nova lei trouxe a obrigatoriedade de chamamento público para selecionar objetivamente as organizações da sociedade civil antes da celebração do termo de colaboração ou de fomento (art. 24), com a previsão de requisitos a serem preenchidos e vedações a serem respeitadas, nos artigos 33 e 39, respectivamente.

Entre os requisitos, destacam-se a exigência de tempo mínimo de existência, experiência prévia, condições físicas para manter a organização e, sobretudo, o impedimento da celebração de parceria com entidades cujas prestações de contas contiveram algum vício em um momento anterior ou que possuam, entre seus dirigentes, pessoas que já geraram problemas de cunho financeiro enquanto prestavam serviços à Administração.

Já quanto à fiscalização das parcerias, que é o estágio basilar do controle, a lei adotou como sustentáculo o gerenciamento das atividades, que é feito em dois momentos principais: o monitoramento e a avaliação da prestação de contas. O primeiro deverá ser realizado pelo gestor da parceria e pela Comissão de Monitoramento e Avaliação (CMA) e tem natureza preventiva e saneadora. Já a avaliação da prestação de contas é, igualmente, realizada pelo gestor e deverá analisar os meios de utilização dos recursos públicos, bem como os resultados alcançados. Se

forem constatadas irregularidades, pode haver sanções para a organização da sociedade civil parceira.

A prestação de contas apresentada pela organização é um meio de viabilizar o controle de seus resultados, devendo conter, num primeiro momento, o Relatório de Execução do Objeto (art. 66, I), “com a descrição pormenorizada das atividades realizadas e a comprovação do alcance das metas e dos resultados esperados, até o período de que trata a prestação de contas” (art. 64).

Na hipótese de descumprimento das metas ou de indícios de irregularidade, deverá ser apresentado o Relatório de Execução Financeira do termo de colaboração ou termo de fomento firmado, “com a descrição das despesas e receitas efetivamente realizadas e sua vinculação com a execução do objeto” (art. 66, II).

Para fins de monitoramento, a prestação de contas deve ser apresentada anualmente pela Organização da Sociedade Civil, no final de cada exercício, quando a parceria tem duração superior a um ano, bem como ao final da parceria (art. 67, § 2º). Caso a duração desta seja inferior a um ano, basta a apresentação da prestação de contas final.

Ainda com a finalidade de monitoramento, o gestor público poderá realizar visitas in loco durante a execução da parceria (art. 66, parágrafo único, I) e lhe é facultado, também, realizar pesquisas de satisfação com os beneficiários do plano de trabalho, quando superior a um ano (art. 58, § 2º). Ele poderá utilizar os dados obtidos nestes atos como subsídio para eventual parecer conclusivo publicado no Relatório Técnico de Monitoramento e Avaliação. Neste aspecto, “a Administração Pública poderá valer-se do apoio técnico de terceiros, delegar competência ou firmar parcerias com órgãos ou entidades que se situem próximo ao local de aplicação dos recursos”, como expressa o artigo 58, § 1º e § 3º, da lei em estudo.

O Relatório Técnico de Monitoramento e Avaliação, todavia, não é obrigatório para todas as parcerias vigentes, ainda que a análise da prestação de contas o seja, com o intuito de se evitar a sobrecarga do órgão administrativo. Para parcerias firmadas com a União, por força do Decreto nº 8.726/16, em seu artigo 60, ele é indispensável apenas quando a parceria for selecionada por amostragem ou, por meio do monitoramento, for identificado o descumprimento injustificado das metas parciais ou, ainda, for aceita denúncia de irregularidade. Para parcerias realizadas com outros entes que não a União, as condições específicas deverão estar dispostas nos respectivos decretos regulamentares por eles publicados.

Algumas inovações também foram implementadas no que diz respeito à prestação de contas final. Entre elas, evidencia-se a estipulação de prazos para ambos os acordantes cumprirem as obrigações firmadas, ou seja, tanto para a organização parceira apresentar a prestação de contas quanto para a Administração Pública se manifestar sobre estas, o que gera maior segurança jurídica para a entidade e impede que o gestor seja omisso e não as analise. Foi estipulado o prazo de até 90 dias a partir do término da vigência da parceria para a organização prestar contas finais (art. 69), e o prazo de 90 a 150 dias para a Administração Pública apreciá-las, contado da data de seu recebimento (art. 71).

Outra novidade é que o parecer técnico que o gestor deverá emitir após a análise da prestação de contas final, em consonância com a diretriz da priorização dos resultados, deve mencionar: os resultados alcançados e seus benefícios; os impactos econômicos ou sociais já produzidos; o grau de satisfação do público-alvo com o serviço prestado pela entidade parceira; e a possibilidade de sustentabilidade das ações depois de alcançados os objetivos da parceria (art. 67, § 4º). Com essa obrigatoriedade, tenta-se evitar a produção de pareceres técnicos “em massa”, pois as informações são específicas para cada caso, para que seja possível realmente avaliar a viabilidade da realização de parcerias com determinado objeto, bem como a qualidade do trabalho prestado por determinada organização.

Por fim, um dos maiores avanços da Lei 13.019/14 foi a preocupação com a viabilização do controle social. Ela pode ser vista ao longo de todo o texto normativo, pois as exigências de transparência e de publicidade, essenciais à efetivação do direito à informação, estão presentes em todas as etapas da parceria, desde sua fase preparatória, com o chamamento público, até a análise da prestação de contas final.

Atualmente, o endereço eletrônico “Mapa das OSCs” do IPEA traz uma catalogação das organizações da sociedade civil existentes, de acordo com a localidade, bem como dos editais abertos de parcerias. No entanto, até então, não está disponível a listagem das parcerias firmadas ou informações acerca das prestações de contas desses instrumentos. Espera-se, porém, que tais dados estejam disponíveis em breve, permitindo a análise dos seus resultados pela própria população, mormente através dos meios digitais.

Apesar de tantos avanços legais, como já mencionado, mesmo com a Lei 13.019/14, continuam sendo aplicáveis as leis das OSCIPs e das OSs e podem ser firmados convênios na área da saúde, o que faz com que as normas que vem sendo criticadas continuem a existir e os problemas e consequências encontradas ao longo de todos esses anos sejam mantidos. A sua

criação, porém, apesar de não resolver os problemas, foi um grande passo nessa direção. Por ora, é importante continuar a observar como se dará a sua efetivação.

5 DEFICIÊNCIAS DO ATUAL CONTROLE DAS PARCERIAS, A PARTIR DOS