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3 A REFORMA GERENCIAL E A PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NA

4.1 Mecanismos de controle instituídos desde a Reforma e sua aplicação pelos órgãos

4.1.1 Controle interno

É possível perceber a utilização do termo “controle interno”, no âmbito das parcerias com o terceiro setor, para três situações distintas. Na primeira, tem-se o controle interno da própria entidade, que age como um mecanismo de gestão, uma autoavaliação que auxilia no seu aprimoramento. Uma segunda utilização se refere ao controle que o poder público exerce sobre o órgão responsável pelo fomento, seja ele pertencente à própria Administração Direta (autotutela) ou Indireta (tutela). Já a terceira consiste no controle que a Administração exerce sobre a entidade do terceiro setor parceira, necessária por sua responsabilidade na transferência

de recursos públicos e na delegação de atividades. Esse tópico se restringirá à análise dessa última utilização.

Em linhas gerais, o controle interno sobre as entidades de direito privado tem por principal fundamento o artigo 74, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado198.

No entanto, ainda que esse artigo se refira apenas ao controle posterior, ou seja, à fiscalização da aplicação dos recursos, ele é facilmente visualizado em outros momentos no caso das parcerias com as organizações do terceiro setor.

Quando se trata dos contratos de gestão e dos termos de parcerias, instrumentos que exigem a qualificação da entidade para serem firmados, o controle estatal tem início com o processo de qualificação dessas entidades. É que nesses casos, diferentemente do convênio, em que a entidade conveniada não necessita de nenhuma qualificação especial prévia, o processo de qualificação como organização social e organização da sociedade civil de interesse público pelo Poder Executivo (referente aos contratos de gestão e aos termos de parceria, respectivamente) consiste em uma fase preliminar à formalização das parcerias.

Para a entidade se tornar OS, de acordo com a Lei 9.637/98, ela deve preencher todos os requisitos específicos dispostos em seu artigo 2º. Este elenca os temas que obrigatoriamente devem constar no ato constitutivo da entidade e condiciona a sua aquisição à aprovação pelo Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado, a depender da conveniência e oportunidade199.

Como se verá adiante, o dispositivo encontra severas críticas doutrinárias, pois submete a aquisição da qualificação à discricionariedade do Poder Público, já que, mesmo atendidos os requisitos formais, o pedido da entidade poderá ser negado pelo Executivo, com base na justificativa da oportunidade e da conveniência200.

198 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 199 Art. 2º da Lei 9.637/98.

200 VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. 2.

Para a entidade se tornar OSCIP, felizmente, a situação não é a mesma. A Lei 9.790/99, em seu artigo 1º, § 2º é clara ao determinar que o preenchimento dos requisitos ali dispostos é suficiente para a outorga da qualificação201, não havendo margem para discricionariedade.

O passo seguinte ao da qualificação é o da escolha das entidades parceiras, que também é momento de avaliação e controle. Esse é outro ponto que tem sido alvo por muitos anos de duras críticas doutrinárias diante de sua discricionariedade, pois o que se observava era a ausência de dispositivos que exigissem um procedimento de seleção eficaz para tal escolha. A promulgação do Decreto Federal 6.170/07, que tornou obrigatória a realização de processo seletivo, por meio do chamamento público, para a formalização de convênios, consistiu num grande avanço legislativo, que viria a ser seguido por outros instrumentos legais202.

Firmadas as parcerias, aplica-se o art. 93 do Decreto-Lei 200/67, segundo o qual toda entidade do terceiro setor que receba transferências de recursos públicos tem o dever de prestar contas aos órgãos de controle interno do órgão repassador. Caso contrário, cabe a instauração de uma tomada de contas especial pelo Tribunal de Contas203.

Assim, a organização escolhida passa a se submeter ao controle do órgão estatal supervisor da área de atuação correspondente à atividade fomentada e ao Conselho de Administração (OS) ou de Políticas Públicas (OSCIPs), além da Controladoria-Geral da União (CGU), quando em âmbito federal, por esta coordenar o sistema de controle interno da administração federal.

No caso dos contratos de gestão, a Lei 9.637/98, em seu art. 2º, I, c, exige que seja criado um Conselho de Administração, com atribuições normativas e de controle básicos, que deverá, após exercer a sua própria fiscalização, aprovar e encaminhar ao órgão supervisor os relatórios gerenciais e de atividade da entidade (art. 4º, IX e X). Esse Conselho deve ser composto por membros da comunidade e por membros do Poder Público, o último na proporção de 60% (art.

201 Art. 1º Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de

direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. § 2º A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos requisitos instituídos por esta Lei. BRASIL, Lei 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. In: PALÁCIO DO PLANALTO. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9790.htm>. Acesso em: 20 mai. 2015.

202 Art. 4º A celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos será

precedida de chamamento público a ser realizado pelo órgão ou entidade concedente, visando à seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do ajuste. Ibidem.

203 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro Setor e Estado: legitimidade e regulação: por um novo marco jurídico.

60, I). Com isso, observa-se que diferentemente do que foi inicialmente proposto para as entidades desse setor, o Conselho se encontra preponderantemente nas mãos do poder público e não nas da sociedade204.

A partir de então, o processo de fiscalização conta com alguns importantes atos discricionários que abrem margem à manutenção de fraudes e prestações de serviços ineficazes, a saber: o órgão ou a entidade supervisora é que indicará os especialistas, a seu critério, para compor a comissão de avaliação, com a função de analisar os resultados atingidos na execução do contrato (art. 8º, § 2º);e caso esta constate o descumprimento das determinações presentes no contrato de gestão, a desqualificação da entidade como organização social é possível, mas não obrigatória (art. 16 da Lei 9.637/98).

A princípio, isso não ocorre com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público que firmam termos de parceria, pois, neste caso, não foi determinado percentual algum para a composição de sua comissão de avaliação, devendo este ser definido em acordo entre o órgão parceiro e a OSCIP em questão205; além disso, a desqualificação é obrigatória, após processo administrativo ou judicial (art. 7º da Lei 9.790/98)206.

Por fim, resta salientar que, ainda que existam diversos mecanismos de controle previstos na legislação infraconstitucional a serem desempenhados pelo Poder Executivo, os dados resultantes desse controle, de forma geral, não estão disponibilizados para a consulta pública, impedindo uma pesquisa mais apurada e a sua evolução, e facilitando, ainda mais, influências políticas e desvios.