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Quatro 9 – Motivação Para o Ingresso no Curso

3 APRENDIZAGEM DIALÓGICA E O SABER POR MEIO DA INTERAÇÃO

3.1 A LEITURA ASSOCIADA AO PENSAMENTO CRÍTICO REFLEXIVO

O curso de Direito tem uma característica peculiar de ampla carga de leituras. Os acadêmicos são vistos, desde o primeiro período, carregando seus códigos, frequentando bibliotecas, adquirindo livros em feiras. Resta saber como essa leitura vem sendo trabalhada e, ao mesmo tempo, elaborada por esses indivíduos, já que a competência em leitura é diuturnamente requerida por esses profissionais.

A competência em leitura é uma das habilidades mais importantes, não só para o sucesso em todas as áreas do saber durante a escolarização formal, mas também para o exercício da cidadania e

a participação plena do indivíduo em uma sociedade moderna e democrática (SANTOS; BORUCHOVITCH; OLIVEIRA, 2009, p.13,

grifo nosso).

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito (RESOLUÇÃO CNE/CES N° 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004) preconiza que as IES precisam propiciar aos estudantes habilidades e competências inerentes ao campo da leitura, o que fica explícito em seu artigo 4º:

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II - interpretação e aplicação do Direito; [...]

VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de

persuasão e de reflexão crítica;

VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente

compreensão e aplicação do Direito. (BRASIL, 2004, grifo nosso).

A mesma resolução aponta ainda que o Curso de Direito precisa assegurar que os egressos aprimorem, ao longo da graduação, capacidade de reflexão e desenvolvimento da visão crítica para correta aplicação das normas jurídicas, o que pode ser aprimorado por um trabalho de formação de leitores desde as séries iniciais do curso em tela.

Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania (BRASIL, 2004).

Enquanto docente, uma das queixas que se ouve dos formandos do Curso de Direito, e posteriormente dos bacharéis desta área, centra- -se na dificuldade de compreensão de alguns textos e a posterior elaboração de suas peças7. E esta lacuna pode estar relacionada no modo como esses sujeitos foram educados na escola de base. Sua educação pode ter sido ancorada na alfabetização e não no letramento.

Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um

código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para

atingir diferentes objetivos (RIBEIRO, 2003, p. 91, grifo nosso).

Com o termo letramento procurou-se ampliar o sentido de leitura. A capacidade de ler está ligada ao pensar. Resta saber se, no ensino superior, estamos possibilitando ao aluno desenvolver sua capacidade de pensar e refletir. Será que as universidades e, especialmente, os cursos de Direito, possibilitam a reflexão e a tomada de posição, despertadas pelo ato de ler?

A leitura vem facilitar o surgimento da reflexão e da tomada de posição. Reflexão significa a apropriação do nosso ato de existir,

através de uma crítica aplicada às obras escritas. Tomada de

posição significa o confronto dos significados desvelados e a participação na busca da verdade. Por isso mesmo, a leitura deve ser colocada como um instrumento de participação e renovação cultural (SILVA, 2011, p. 11, grifo nosso).

A leitura no contexto atual se configura, para uma boa parcela da população universitária, como uma mera decodificação de palavras, dissociada do pensamento. Alguns alunos alegam que em virtude da sobrecarga de trabalhos, provas e disciplinas, cada uma com sua carga (peso, fardo) de leitura, acabam “passando os olhos” nos textos, não lendo e estabelecendo uma conexão com o que está grafado. Paulo Freire revelou em uma de suas palestras e, posteriormente, registrou no Livro “A importância do ato de ler”, que os estudantes “lutam com as extensas bibliografias que são mais devoradas do que realmente lidas ou estudadas.” (FREIRE, 2011, p.22).

A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade (FREIRE, 2011, p. 14).

Impressiona dizer que no ensino superior é preciso reaprender a ler. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto, e isso pode ser viável nos cursos de graduação. Nesse contexto, o professor representa um papel fundamental de mediador, auxiliando o alunado com estratégias de estudo/leitura.

Segundo a literatura que assumimos, pode-se considerar que uma leitura é eficiente quando, ao final do processo, o aluno consegue relacionar o que

acabou de decodificar com algo de sua experiência de vida pessoal ou profissional; se consegue, por ele próprio, elaborar novos conceitos e novas situações a partir daquele ponto. É o que se compreende do pensamento de Ingedore Koch (1997), quando afirma que o sentido do texto só se dá durante a interação texto e sujeito. Sem isso, aquele não passa de meras manchas no papel. Nesse processo, cabe ao professor ser um mediador na formação do aluno.

O saber não se reduz, exclusiva ou principalmente, a processos mentais, cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos, mas é também um saber social que se manifesta nas relações

complexas entre professores e alunos. Há que situar o saber do

professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como um todo (TARDIF, 2002, p.16, grifo nosso).

O entrelace leitor/texto é estabelecido à luz da interação social (VYGOTSKY, 1991b), visto que entendemos a formação das pessoas mediante o outro, na dialogicidade possível, como escreveu BAKHTIN (1995). Fundamenta-se nesse pressuposto a idéia de

mediação, tão importante na formação de leitores (REZENDE, 2009,

p. 43, grifo nosso).

A experiência desta pesquisadora, enquanto docente universitária permite ponderar que a leitura não é algo que se faça em uma única aula, demanda tempo, ao contrário dos inúmeros atrativos ofertados pelo universo virtual, que já trazem a resposta imediata para a maioria das questões, sem que o sujeito reflita sobre aquele determinado texto ou tarefa proposta pelo professor. Esta prática se estende aos Escritórios de Prática Jurídica, espaço em que os graduandos do curso de Direito estagiam e utilizam-se de modelos prontos para resolverem as questões trazidas pela população a que têm que atender.

Preguntas pueden ser planteadas por el docente de modo tal que resulten dubitativas respecto a la respuesta lógica y razonable que corresponde dar, o a lo que es habitual leer en los libros de texto, o a lo que surge del fallo aún siendo la solución adecuada [...] Algunas de las preguntas, desde luego, no tienen respuesta satisfactoria ni uniforme, y esto es parte del método: hacer pensar a propósito del

fallo, inquietar el espíritu jurídico, quedarse com dudas e

interrogantes para seguir pensando, antes que con respuestas, soluciones o verdades que lo tranquilicen falsamente y frenen su

constante reflexión. (GORDILLO, 1995, p.62, grifo nosso)8.

Torna-se mais fácil motivar o aluno para a leitura se o professor souber contextualizá-la, ir além do que vem escrito, o que não significa levar respostas prontas. A leitura no ensino superior, se mediada pelo professor, poderá conduzir o aluno a repensar conceitos e a construir valores. Esta mediação pode começar pela escolha do texto.

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