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A lenta transição para as artes liberais

Capítulo 1 Fundamentação metafísica

1.3 A lenta transição para as artes liberais

O início da transição da arquitetura para as artes liberais relaciona-se com duas questões fundamentais. A primeira prende-se com a elevação do desenho, juntamente com a pintura e a escultura, a uma categoria intermédia, entre arte e ofício, aproximando-se da ciência, da matemática e da literatura, como forma apriorística de definir um edifício, como ferramenta de pensamento, de desenvolvimento e investigação de ideias e intenções, e como processo operativo. A interpretação renascentista subjacente ao termo disegno

aproxima-se da noção de ideia, ou conceito abstrato, não significando tanto o desenho propriamente dito, ou o projeto especificamente, mas mais a ideia intelectual do artista, passível de ser representada em termos gráficos, e nesse sentido o processo intelectual tornava-se mais importante do que o próprio resultado. Pode dizer-se que, no Renascimento, o desenho arquitetónico é pela primeira vez entendido enquanto criação individual do

artista, ao reivindicar o seu poder autónomo e ao adquirir um significado sem precedentes enquanto ferramenta concetual. Ao passo que a ideia platónica tem uma essência transcendental, e a sua representação corresponde apenas a uma imitação imperfeita desta, a ideia renascentista adquire a sua própria identidade e concetualização através da representação. Isto significa que o desenho adquire um potencial duplo. Por um lado constitui-se gradualmente como ferramenta imprescindível de mediação entre o projeto e a sua concretização, por outro passa a ser um instrumento de conceção. O desenho, a invenção da perspetiva, e o aparecimento de construções tridimensionais (maquetas), contribuíram decisivamente para que os arquitetos ganhassem controlo sobre a produção dos edifícios. A arquitetura libertou-se, paulatinamente, dos mestres construtores e a figura do arquiteto adquiriu uma relativa autonomia em relação à construção propriamente dita, contrariamente à Idade Média em que arquitetura e construção civil tinham o mesmo significado e, à exceção de alguns clérigos de renome, era realizada por mestres pedreiros talentosos. Deste modo pode afirmar-se que se verificou, pela primeira vez, a separação entre desenho, projeto e construção do edifício.44 O resultado foi a elevação do status do arquiteto, anteriormente conotado com uma atividade eminentemente manual e da sua crescente responsabilização perante as obras projetadas, dada a natureza cada vez mais inequivoca dos seus desenhos.

A segunda, em estreita relação com a primeira, relaciona-se com o aparecimento de uma discussão teórica em torno da arte e da arquitetura com o início da produção tratadística — substituindo a dispersão de obras e de autores da Idade Média — que gradualmente se afasta de uma fundamentação assente na esfera do divino rompendo com a mesma.

Estas transformações tiveram como principais protagonistas Filippo Brunelleschi (1377-1446) — uma figura de referência na redescoberta da cultura clássica e um dos primeiros a trabalhar assumidamente em arquitetura enquanto profissão, desenvolvendo as leis e princípios da perspectiva —; e Alberti, designadamente pela enunciação da

44 O sistema de aprendizagem Medieval perpetuou-se durante muitos séculos através da instrução prática contínua prestada por associações de profissionais. Na École des Beaux-Arts em Paris, por exemplo, os “estúdios” só foram incorporados no currículo na segunda metade do séc. XIX.

arquitetura enquanto pré-requisito para o desenvolvimento da sociedade — desde o indivíduo à família —, através da transformação do mundo edificado de modo a satisfazer as necessidades do homem, desde as atividades publicas às privadas.

Fig. 1.13 Eugenio Battisti, Il faut périr en perspective, reconstrução do dispositivo de

Brunelleschi para testar o seu desenho em perspetiva por comparação com a visão real

(1980).

O desenvolvimento da perspetiva linear realizado por Brunelleschi, paralelo à descoberta de novas técnicas de representação geométrica, foi de extrema importância, definindo uma passagem gradual e complexa de uma teoria clássica da visão para uma racionalização matemática e geométrica da imagem.45 Além da óbvia possibilidade de

45 Muito antes de Brunelleschi, outros tinham entendido a importância da perspetiva, mas até então ninguém havia conseguido elaborar uma fórmula matemática para a mesma e definir as suas regras, enquanto sistema codificado. A perspetiva, de modo intuitivo já se vinha realizando, como exemplificam alguns desenhos de Villard de Honnecourt do séc. XIII, como o interior do coro e o exterior da capela da catedral de Reims, considerados os primeiros antecedentes da perspetiva utilizada em arquitetura. Uma das primeiras representações perspéticas realizadas por um arquiteto surge no tratado de Filarete para representar o interior da Casa das Virtudes, sendo no entanto uma construção que não está correta e que é meramente intuitiva, uma vez que a linha do horizonte se encontrava à altura dos pisos mais altos e estes têm todos a mesma altura. Estas deformações perspéticas, que se encontram em muitos desenhos da época, não se deviam simplesmente a um desconhecimento da ciência da perspetiva, mas precisamente ao desejo de atenuar as deformações nas plantas,

representar bidimensionalmente uma cena tridimensional o mais fiel possível à realidade, a perspectiva tornou-se, mais do que uma técnica de aproximação, num “modelo científico” de leis da perceção que relacionavam sujeito e objeto, de modo que os princípios matemáticos de Beleza fossem passíveis de apreensão.46 O interesse dos arquitetos na perspetiva prendia-se com a sua preocupação em revelar uma ordem matemática, capaz de demonstrar a presença do transcendental, apesar de ter representado o primeiro passo para uma imagem visual racionalizada separada da imagem medieval teocêntrica.47

No entanto, aquilo que é mais relevante é que Brunelleschi, ao formular os princípios da perspetiva artificialis, através das suas experiências com a imagem do batistério de Florença, com o objetivo de investigar e observar a realidade visível de modo cientifico- matemático, reivindicou para o desenho a categoria de experiência intelectual e,

cortes ou alçados provocados pelos efeitos perspéticos e, deste modo serem uma manifestação mais arquitetónica do que pictórica. De acordo co Pérez-Gómez, as obras medievais que se debruçaram sobre a questão da perspetiva — como as de Ibn Alhazen, Alkindi, Bacon, Peckham, Vitello e Grosseteste — incidiam sobretudo sobre o fenómeno físico e fisiológico da ótica. No contexto da Idade Média a sua aplicação relacionava-se especificamente com a matemática, o veiculo privilegiado para o entendimento da verdade teológica. Deste modo Perspectiva Naturalis, procurando a clara visão do homem, não se relacionava com questões de representação artística, mas com o entendimento dos modos de presença de Deus. Ainda de acordo com o mesmo autor, o novo entendimento da imagem perspética durante a renascença permaneceu diretamente relacionado com a ciência ótica e sua metafísica subjacente. Vitrúvio, que havia discutido a questão da correção ótica em arquitetura demonstrava já a noção de distorção provocada pela posição do observador, igualmente patente nos grandes exemplos da arquitetura da antiguidade que procuraram evitar a distorção perspética. Durante o séc.XVI, os tratados sobre perspetiva procuraram traduzir este entendimento empírico da perspetiva num sistema, distanciando-se dos tratados sobre ótica, sendo de destacar a obra póstuma de Giacomo Vignola (1507-73) Duo Regole della Prospettiva Prattica (1583). Sobre este assunto ver PÉREZ-GÓMEZ, Alberto; PELLETIER, Louise — Architectural Representation and the Perspective Hinge. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1997.

46 Este tipo de vistas, elaboradas a partir de um corte, e a combinação da visão da estrutura com o efeito do volume interior foi, de acordo com Jorge Sainz, institucionalizado graças a Donato Bramante (1444-1514), aproximando-se mais de representações axonométricas — das quais se pode considerar percursor — do que propriamente perspéticas, procurando uma maior aproximação à essência do que à aparência do objeto arquitetónico.

47 PÉREZ-GÓMEZ, Alberto; PELLETIER, Louise — Architectural Representation and the Perspective Hinge. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1997, p.25.

consequentemente, do domínio das artes liberais (Fig. 1.13). Deste modo, a perspetiva era um meio e não um fim, passando a ser utilizada não como método exclusivo de representação do objeto arquitetónico, mas antes como instrumento de investigação, como ferramenta conceptual precisa que relacionava ótica e perspetiva, de forma a assegurar o efeito visual pretendido a partir de todos os pontos de observação para a idealização arquitetónica — em resumo um método crítico ou um processo de configuração espacio- formal. Conforme Giulio Carlo Argan (1909-92), Brunelleschi procedeu a uma reforma radical: “a definição de uma noção geométrica do espaço, a identificação de estruturas arquitetónicas com as estruturas espaciais, a teorização da perspetiva como princípio formal unitário da visão da natureza e da construção de edifícios”48. Os princípios da perspetiva permitiram a artistas como Leonardo, Serlio e Palladio criarem a sua própria visualização de um objeto, distinta da sua aparência real e mais próxima da sua natureza concetual. Bruneleschi procedeu ainda à instauração de um novo sistema de proporções baseado na escala humana, definindo moderna e coerentemente as ordens arquitetónicas.49

48 ARGAN, Giulio Carlo — História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.107. 49 Vitrúvio já havia descrito a ordem jónica como uma reprodução das proporções do corpo masculino e a jónica do feminino. Apesar do Tratado de Vitrúvio circular durante a Idade Média, em 1414 Poggio Bracciolini, um funcionário papal, descobriu uma cópia manuscrita praticamente completo e em perfeitas condições na biblioteca do mosteiro de Saint-Gallen na Suíça, sendo a partir desta altura que os seus capítulos foram sendo transcritos e enviados para Florença, onde se encontrava a maior comunidade de estudiosos humanistas, e terá sido por esta via que Brunelleschi, apesar de não ter estudado arquitetura — uma vez que não existia ainda o seu ensino institucionalizado — e de ter inicialmente desenvolvido a sua prática como escultor e ourives, se terá familiarizado com a sua obra.

Fig. 1.14 Sebastiano Serlio, Libro Primo (1545), relação entre o observador e os elementos

arquitetónicos com correção ótica.

A obra de Alberti, De re aedificatoria libri decem (1442-52), e apesar deste não ser arquiteto mas simplesmente um humanista, tem sido apontada como o “documento inaugural da arquitetura moderna”, e o seu autor como aquele que soube “estabelecer a perfeita ligação da teoria à prática”50, tendo sido o primeiro, na cultura ocidental e depois de Vitrúvio, a desenvolver a ideia de um tratado de arquitetura e a reflectir sobre a formação e o âmbito profissional do arquiteto.51 Apesar da reverência pelo número e pela proporção como ordem subjacente ao universo ser tão grande que Alberti poderia ter subscrito todas as noções vitruvianas subjacentes a um sistema proporcional fixo de ordens, a verdade é que Alberti transcende a leitura crítica do tratado de Vitrúvio — não obstante socorrer-se, deliberadamente, da sua estrutura, que perdurará enquanto categoria de arquétipo da forma de teorizar sobre arquitetura durante muitos séculos. No entanto, a sua experiência decorrente dos estudos que realizou sobre a arquitetura romana fizeram-no

50 TAVARES, Domingos — Leon Baptista Alberti. Teoria da Arquitetura: Sebentas de História da Arquitectura Moderna. Dafne Editora, 2004, p.9.

51 De re aedificatoria é desenvolvido no seio da nobreza da corte em Ferrara e o manuscrito, em latim, apresentado ao Papa Nicolau V em 1450, sendo somente em 1550 que surge a primeira tradução para o italiano. A primeira versão impressa data de 1485, embora produzido em pleno contexto de difusão da imprensa.

duvidar da fórmula de Vitruvio, sendo a sua relevância decorrente das suas reflexões sobre o papel do arquiteto e sobre uma ideia de arquitetura que se quer distinguir da mera construção e elevar-se a uma atividade eminentemente intelectual e política, na medida em que a considerava um pilar do desenvolvimento social e cultural da sociedade. Contrariando a tradição perpetuada desde a antiguidade, a ele se deve a primeira distinção, ainda que não muito explícita, entre arquitetura e construção, opondo arquiteto a operário e projeto a execução, como expõe logo no prólogo:

Devo explicar exatamente a quem me refiro como arquiteto; […] o carpinteiro é apenas um instrumento nas mãos do arquiteto. […] o arquiteto sabe, certamente através do raciocínio e do método, simultaneamente como conceber através de sua própria mente e energia, e realizar através da construção aquilo que melhor corresponda às nobres necessidades do homem […] Para fazer isso deve ter uma compreensão e conhecimento de todas as disciplinas mais elevadas e nobres. […] A segurança, dignidade e honra da república depende largamente do arquiteto: é ele o responsável […] por vivermos de forma digna e livre de qualquer perigo. Tendo em vista o prazer e a maravilhosa graça de suas obras, e de quão indispensáveis provaram ser, bem como o benefício e conveniência das suas invenções e do seu serviço para a posteridade, a ele deve, sem dúvida, ser concedido louvor e respeito, e ser considerado entre os mais merecedores de honra e reconhecimento da humanidade.52

De re aedificatoria constitui, por isso, e em sintonia com a opinião de Argan, a primeira tentativa de estabelecer entre o antigo e o presente uma relação dialética que não pretendia deduzir dos antigos as leis da construção, nem qualificar enquanto ciência a sua prática. Apesar de não fixar uma “clara separação entre o momento intelectual de idealização e o momento mecânico da execução”, Alberti estava mais interessado em discutir a génese da arquitetura do que a arquitetura propriamente dita.53 O desenho, até

52 Trad. livre. ALBERTI, Leon Battista — On the Art of Building in Ten Books. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1988, pp.3,5.

então de pouca importância tornou-se essencial à prática arquitetónica dada a nova divisão do trabalho que ocorreu nos séculos XV e XVI, com a separação do arquiteto do local da obra, que distanciaram o ato de projetar da construção e do local de construção. Contrariamente a Vitrúvio — que descreve como os edifícios foram construídos — Alberti é propositivo, pretende prescrever como é que a arquitetura futura deve ser construída, contribuindo para a elaboração de uma “ciência da arquitetura”.

Partindo da civitas, da estrutura social que se forma no quadro da cidade, toda a arquitetura deveria ser ordenada segundo critérios que permitissem reconduzi-la ao seu aspeto social, resultando daí uma hierarquia cujo topo era ocupado pelos edifícios religiosos (templos, basílicas e túmulos), seguido das construções públicas (ruas, praças, pontes, bibliotecas, escolas, hospitais, etc.) e, por fim, da arquitetura doméstica (casas,

villas e jardins). O oitavo livro de De re aedificatoria, por exemplo, pretende ser um “catálogo tipológico” de edifícios públicos greco-romanos, embora a informação sobre os mesmos seja proveniente de fontes literárias antigas, dificilmente acessíveis ou apenas visíveis em ruínas, no sentido de uma interpretação e descrição de variantes a um tema. Esta hierarquia, que implica duas dimensões — uma, ética e social; a outra, formal e estética—, era controlada por um conjunto de leis através das quais os elementos da arquitetura podiam ser combinados, segundo o número, proporção e ritmos convenientes (decorum e concinnitas).54 Totalmente desprovido de quaisquer elementos gráficos ou ilustrações visuais, à exceção do frontispício, este refere especificamente que o seu tratado dispensava o recurso a imagens, bem como a quaisquer figuras geométricas — à data Alberti poderia perfeitamente ter optado por uma publicação em vez de um manuscrito — e

54 Apesar de não ter aprofundado o significado mais amplo da correspondencia harmonica dos intervalos musicais e as proporções das ordens, acreditava que o universo se encontrava submetido a uma ordem racional baseada nos números, a realidade oculta por detrás de todas as aparências e, da mesma forma que se podiam entender esses números era igualmente possivel apreciar a mão do Criador no mundo natural, daí que projetar um edifício com proporções numéricas seria dotá-lo de uma aura de divindade. De acordo com Alberti, no Livro IX, capítulos 5 e 6, os intervalos musicais podiam aplicar-se às dimensões de largura e comprimento das ordens: 1:7 ordem dórica; 1:8 jónica, 1:9 para a corintia. Chegou a estas proporções através de uma série de medidas aritméticas, utilizando as dimensões humanas (menor 1:6 e maior 1:10). A relação entre as proporções das colunas e as do ser humano enfatizam a associação do uso das proporções em arquitetura com a irrefutável norma da natureza que oferece não só a autoridade como a justificação do projeto arqquitetónico.

é através das palavras que constrói diagramas espaciais mentais, nomeadamente quando se refere à família e à disposição relativa ideal dos vários compartimentos, de acordo com a natureza das relações humanas. Com esse objetivo, enuncia regras com frases como “é conveniente colocar as portas de tal maneira que estas permitam o acesso, da forma mais conveniente, a todas as partes do edifício", ou “o marido e a mulher devem ter quartos separados, não só para assegurar que o marido não é perturbado pela esposa, quando ela está prestes a dar à luz ou está doente, mas também para permitir que ambos, mesmo no verão, possam ter uma noite de sono ininterrupto, sempre que desejarem”, pelo que “cada divisão deve ter sua própria porta, para além de uma porta lateral comum, permitindo-lhes procurar a companhia do outro despercebidamente"55. Alberti expõe ainda algumas reflexões sobre a família num diálogo intitulado De la famiglia (1435-44) que, de acordo com Philippe Ariés desenvolveu os primórdios de um conceito que só se estabeleceu definitivamente no séc.XIX: discute o casamento, a educação das crianças, a cidade e a sua influência na felicidade material e espiritual do homem, no fundo, a estruturação de uma determinada ordem.56

55 Trad. livre, ALBERTI, Leon Battista — On the Art of Building in Ten Books. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1988, pp.29, 149.

Fig. 1.15 Andrea Palladio, planta do Palazzo Antonini, Udine (1556). As villas de Palladio poderiam ser a tradução arquitetónica de alguns

princípios enunciados por Alberti.

Paralelamente a estes aspetos políticos e sociais da arquitetura, Alberti refere ainda, como objetivo último da arquitetura, o prazer do Belo. Esta noção prendia-se com a relação de elementos arquitetónicos em termos de composição, que coordena números, estruturas e aparência (numerus, forma, facies) na correspondência exata de relações numéricas e proporcionais. A preocupação que Alberti demonstrava como a perceção da Beleza conduziu ao início da separação dos significados metafísicos, estéticos e epistemológicos da ideia platónica, podendo-se traçar um paralelo com alguns princípios aristotélicos, nomeadamente na forma como apresenta, organiza e estrutura aquilo que considera ser o conhecimento em arquitetura — a arquitetura propriamente dita. No entanto, apesar de ser considerado um dos precursores do humanismo renascentista, a estrutura do seu discurso e os seus métodos mantinham ainda a tradição escolástica medieval, já que considerava que a beleza assentava numa estética lógico-matemática decorrente das relações de proporção, harmonia e concordância.

O conceito de “disegno” foi inicialmente desenvolvido por Alberti em De re aedificatoria a partir da definição de “lineamenta”, isto é, do desenho esquemático a partir de pontos, linhas, contornos e ângulos, em si abstrações, como representações de uma

ideia. Mais tarde retomado por Vasari, a ideia é primeiro criada na mente do artista e depois traduzida em desenhos, ao que se segue um ajuste mútuo entre ideia concetual e ideia sensível. Além de Vitrúvio, Alberti descreveu também as descobertas de Brunelleschi, tendo ele próprio desenvolvido uma Teoria Geral da Proporção, intelectualizando a perspetiva e definindo o desenho enquanto arte criativa57. No entanto, considerava que a perspetiva pertencia ao domínio da pintura, devendo recorrer-se a esta apenas em situações excecionais, uma vez que distorcia as proporções e medidas específicas do objeto arquitetónico representado, falseando-o. Igualmente, o recurso a sombras era um método que considerava pertencer ao domínio da pintura. O desenho, nomeadamente a projeção horizontal ortogonal (planta)58, juntamente com a maqueta deviam ser os instrumentos utilizados para representar, da forma mais fiel possível, a arquitetura que se quer posteriormente construir. Para além desta qualidade de representação, a planta, para Alberti, definia e estava na origem de um bom projeto, um conceito que ganharia gradualmente enorme proeminência nos séculos seguintes.

57 Alberti aborda a problemática do desenho, de um ponto de vista teórico no seu tratado Della Pittura (1435). 58 De acordo com Jorge Sainz, as projeções ortogonais e a perspetiva já eram provavelmente utilizadas pelos gregos, de modo intuitivo e não enquanto correspondência sistemática da geometria descritiva, para representações de objetos tridimensionais sobre um plano, tendo sido posteriormente desenvolvidas pelos