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2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.3 A Linguística Aplicada e suas interfaces com os estudos de letramento

Considerando a área de conhecimento em que se insere este estudo, é preciso deixar claro como compreendemos a relação entre o tema estudado e a Linguística Aplicada.

Conforme Moita Lopes (2009), pode-se dizer que a Linguística Aplicada contemporânea tem se inserido no campo das Ciências Sociais, buscando compreender e explicar as ações humanas a partir dos usos linguísticos que fazem no dia a dia. Os estudos da linguagem, que caracterizam o início das pesquisas em Linguística Aplicada, de acordo com o linguista, encontram-se diretamente relacionados à necessidade prática de resolver um problema situado, como, por exemplo, possibilitar uma comunicação imediata entre diferentes nações, entre povos falantes de diferentes idiomas, como aconteceu durante a 2ª

Grande Guerra. Após essa exigência emergencial, a Linguística Aplicada, com base em Moita Lopes (2009), encarrega-se de transpor essa forma de trabalho com a língua para o contexto escolar, passando a atuar como uma espécie de didática de línguas. Mediante esses fatos, surge, então, o primeiro foco de pesquisas na área: ensino e aprendizagem de línguas.

A primeira virada nos estudos em Linguística Aplicada emerge, basicamente, de uma crítica a uma das principais características da área nesse período, em que se concentrava na aplicação de estudos teóricos advindos da Linguística. Em vista disso, Moita Lopes (2009) apresenta um posicionamento de Widdowson que foi de suma importância para postular uma característica essencial da “Linguística Aplicada Indisciplinar” que defende atualmente, ou seja, um direcionamento no sentido de entender as pesquisas como sendo de natureza interdisciplinar. Para o autor, a Linguística Aplicada não é simplesmente aplicação da Linguística, mas uma área que medeia estudos linguísticos e de ensino e aprendizagem de línguas, já que a Linguística não conseguiria, sozinha, dar conta dos problemas e questionamentos dessa natureza. A Linguística Aplicada torna-se, então, uma área de estudo interdisciplinar e mediadora, essencial, portanto, para se compreenderem, no caso desta investigação, os estudos de letramento em seus diversos contextos.

Como é possível verificar, a Linguística Aplicada vem se expandindo para além dos contextos específicos do ensino e aprendizagem de línguas. Moita Lopes (2009, p. 17-18) afirma que:

A Linguística Aplicada expande o campo de estudos para pesquisas em contextos diferenciados de ensino e aprendizagem de língua materna, para os estudos sobre letramento e de outras disciplinas do currículo, focando, também, outros contextos institucionais (mídia, empresas, delegacia de polícia, clínica médica etc.). Essa necessidade de expandir o contexto de pesquisa faz com que a Linguística Aplicada passe, cada vez mais, a buscar outras formas de pensar e atuar, na teoria e na prática. Assim, constitui-se um repensar sobre a própria forma de fazer pesquisa. Os contextos institucionais precisavam ser conhecidos, já que eles passavam a ser significativos para a pesquisa. A Linguística Aplicada, portanto, vem se preocupando com aspectos práticos de linguagem em contextos institucionais específicos, escolares ou não.

Traçando o percurso da Linguística Aplicada, foi preciso repensar as práticas de pesquisa em Ciências Sociais, criar outras possibilidades de fazer pesquisa. Para tanto, foi necessário ouvir aqueles que até então estavam excluídos, como os que não foram alcançados pelo sistema de ensino ou que se encontram fora desse contexto, pois vislumbram-se aí ganhos teóricos e práticos para a própria existência humana. Essa (re)teorização, esse

repensar sobre as práticas contemporâneas foi apresentada com a publicação da obra “Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar”, de 2009, na qual Moita Lopes abre a discussão sobre essa abordagem de Linguística Aplicada. Considerando que o título da obra pudesse ser mal interpretado, Moita Lopes (2009, p. 19) discorreu sobre os sentidos atribuídos ao termo “indisciplinar” que compõe o título.

A Linguística Aplicada é indisciplinar tanto no sentido de que reconhece a necessidade de não se constituir como disciplina, mas como área mestiça e nômade, e principalmente porque deseja ousar pensar de forma diferente, para além de paradigmas consagrados, que se mostram inúteis e que precisam ser desaprendidos para compreender o mundo atual.

Outra faceta da Linguística Aplicada é a natureza interdisciplinar. Para Monteiro (1999, p. 113), “a natureza interdisciplinar da LA é inquestionável, pois o corpo de conhecimento teórico a ser utilizado pelo linguista aplicado dependerá das condições de relevância do problema a ser estudado”. Assim, considera-se que pesquisas que envolvam os usos da linguagem em espaços para além do contexto educacional sejam relevantes no âmbito da LA.

O caráter interdisciplinar da LA permite estabelecer relação entre letramento e os estudos da LA. Por meio de uma abordagem interdisciplinar, pode-se dar conta do fenômeno do letramento, principalmente, como afirma Monteiro (1999, p. 111), “em virtude das várias acepções que o processo tem recebido e também pela possibilidade de analisá-lo sob diversificadas perspectivas”. O letramento, como já definido, extrapola questões de leitura e de escrita. É possível dizer que em espaços públicos ou privados onde circula material impresso não há grau de letramento zero. É o caso, por exemplo, das igrejas evangélicas que usam predominantemente a Bíblia Sagrada em suas liturgias dos cultos e outras reuniões, a exemplo da EBD, espaço de realização dos eventos de letramento religioso. É necessário dizer que as pessoas participantes dos eventos de letramento religioso, mesmo sendo analfabetas, por meio do contato com o texto religioso escrito e a liturgia das reuniões, seja nos cultos ou na EBD, estão em letramento.

Destaca-se ainda que, como afirma Moita Lopes (2009), as pesquisas em LA envolvem formulação teórica. Embora focalize a resolução de problemas específicos e opere com conhecimentos teóricos de outras disciplinas, a LA pode formular seus próprios modelos teóricos. O autor resume seu entendimento sobre o que vem a ser LA, destacando que:

A LA é uma ciência social, já que seu foco é em problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social, isto é, usuários da linguagem (leitores, escritores, falantes, ouvintes) dentro do meio de ensino/aprendizagem e fora dele (por exemplo, em empresas, no consultório médico etc.). Pesquisa que focaliza a linguagem do ponto de vista processual. Coloca-se foco na linguagem da perspectiva do uso/usuário no processo da interação linguística escrita e oral. Portanto, a teoria linguística que interessa ao linguista aplicado deve dar conta dos tipos de competências e procedimentos de interpretação e produção linguística que definem o ato da interação linguística. (MOITA LOPES, 2009, p. 22-23).

Assim, fazem parte da agenda das pesquisas em LA posicionamentos de pesquisa que ultrapassem as barreiras disciplinares, os cânones do conhecimento, que busquem produzir conhecimentos ditos mais responsivos com os sujeitos sociais, conhecimentos que possibilitem compreender o mundo social, ouvindo aqueles que se situam não apenas no centro, mas também na periferia. (SANTOS, 2006).

A interface entre os Estudos de Letramento e a LA se estabelece quando o foco está nas práticas de linguagem em situações sociais, com pessoas reais e a partir do seu contexto real de uso. Essas práticas de linguagem emergem em situação de trabalho, lazer e entretenimento, dentre outras.

Uma percepção aprimorada sobre os estudos de letramento no Brasil permite-nos perceber que estes têm ampliado o seu campo de trabalho para diferentes domínios sociais além da escola – hospitais, empresas, indústrias, comércio, igrejas, famílias, entre outros –, no intuito de compreender os fenômenos que ocorrem nesses espaços por meio dos estudos da linguagem.

Nesses termos, tem aflorado o seu “caráter mestiço e transdisciplinar”. (MOITA LOPES, 2009, p. 100). De acordo com Costa (2017), os trabalhos de Moita Lopes têm buscado não somente se abastecer de conhecimentos e vivências de diversas áreas para abordar aspectos da linguagem nos inúmeros domínios, mas também trazer para seu campo de atuação o estudo de tópicos ainda sem vinculações com essa área do conhecimento, com o objetivo de destacar questões a serem discutidas e redimensionadas pelas pessoas em seus respectivos espaços sociais.

Em vista disso, faz-se necessário pensar o papel do pesquisador em LA no que se refere ao seu compromisso com a sociedade nos diferentes espaços e práticas sociais. Pesquisando sobre a linguagem e as questões sociais nos diversos domínios, inclusive no domínio religioso, espaço teórico no qual este trabalho é orientado, buscam-se caminhos para discussão e compreensão dos eventos de letramento produzidos pelas pessoas no

contexto da igreja evangélica. Para dar continuidade à discussão, na próxima seção, faz-se menção às habilidades linguísticas que integram o cenário sobre o qual me debruço.