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2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 Agência e agentes de letramento

Ao se tentar definir e compreender a noção de agência e agente de letramento, faz- se necessário, segundo Dieb (2014), se apropriar de uma corrente teórico-conceitual fundamentada no campo da Ciências Sociais para jogar luz acerca do referido tema. A partir dessa corrente, se estabelece um diálogo com os ideais dos novos estudos de letramento com base em Street (1984), Barton e Hamilton (1998) e Kleiman (1995, 2006). Nesses estudos, o conceito de agência de letramento, segundo Kleiman (1995, p. 20), “tem sido recorrente para tratar sobre diferentes espaços onde o letramento ocorre, sendo “a escola a mais importante das agências de letramento”. O uso desse conceito está relacionado, segundo Temóteo (2019, p. 86), “com a ideia do professor como um agente do conhecimento, um agente do saber, aquele que instrui, que ensina e intervém no processo de aprendizagem, criando possibilidades para que o aluno alcance o objetivo, que é a aprendizagem”. Assim, “o agente se engaja em ações autônomas de uma atividade determinada e é responsável por sua ação”. (KLEIMAN, 2006, p. 414). Constrói-se, portanto, fruto desse diálogo, o entendimento de que toda pessoa, para além de agente e ator nos espaços de letramento, é também um sujeito e, por isso, segundo Dieb (2014, p. 3), “possui a capacidade de mobilizar recursos materiais (tecnológicos) e humanos (psíquicos), incluindo a si próprio como um desses recursos, a fim de apropriar-se do mundo em sua volta, por meio da linguagem”. Assim, é capaz, a partir da leitura, escrita ou oralidade, transformar os significados institucionalizados do mundo que lhe envolve e que se encontra estabelecido.

Nesse sentido, apresenta-se a noção de agência de letramento na perspectiva de Emirbayer e Mische, de acordo com Dieb (2014, p. 4) “como capacidade dos atores para formular criticamente suas próprias respostas a situações problemáticas”. Nesse percurso de elaboração responsiva dos indivíduos, a agência se configura, pois, como “um processo de engajamento social permeado de temporalidade” (DIEB, 2014, p. 4), uma vez que as pessoas estão continuamente reconstruindo seu passado, em razão dos fenômenos e situações que emergem no presente, ao mesmo tempo que se utilizam das reflexões advindas dessa relação

passado/presente para projetar e modelar suas respostas em um futuro que lhe parece previsto.

Por ser a agência uma configuração do processo de engajamento social, consideram- se, portanto, agências de letramento, segundo Justo e Rúbio (2013, p. 7),

as instituições próprias de uma sociedade globalizada e tecnológica, que engloba uma grande variedade de modos discursivos e também uma variedade de gêneros textuais e práticas de leitura como a família, a escola, a igreja, o local de trabalho, a rua, a internet, os sindicatos etc.

Os espaços onde a pesquisa se realizou, como a igreja evangélica, EBD e família, são entendidos como agências de letramento, pois os eventos e práticas de letramento existentes nesses espaços são constituídos de leituras e escritas de gêneros pertencentes ao domínio discursivo religioso em diálogo com outros gêneros e contextos.

Posta a definição e compreensão de agência, aceita-se a ideia de que o agente é o indivíduo que é conduzido pela leitura e a escrita para uma vida ética, crítica e democrática, e, ao mesmo tempo, constitui-se ator e sujeito de sua história nas relações intra e interpessoal. Esse agente se relaciona com a ideia de agente de letramento defendido por Kleiman (2006) e Temóteo (2019), pois se constitui como o ser que pode conduzir o precesso de ensino e se tornar responsável por suas ações. Por esse viés de aceitar o agente como ator e sujeito, entende-se que ele

desenvolve sua capacidade de movimentar-se e de comunicar-se dentro da estrutura de um campo de relações sociais, no qual ele se encontra situado, elaborando seus modos de ser e de estar nesse espaço de relações, podendo sempre, a partir de suas intenções e vontades, tentar a reconfiguração das estruturas de pensamento e de ação por ele recebidas para elaborar estratégias de ações futuras. (DIEB, 2014, p. 4).

Esse agente, não obstante as pressões recebidas das estruturas hierarquizadas nos campos onde ele atua como a escola, igreja, EBD, família, dentre outros, tem a possibilidade de transformar e mudar essas estruturas, a partir de sua imersão nos diferentes letramentos e nas relações sociais que seja capaz de estabelecer. Nesse sentido, isso se justifica porque as disputas entre agentes e estruturas hierarquizadas, conforme Dieb (2014, p. 4), “são mediadas pelo uso da linguagem, estão sempre orientadas por regularidades e por normas partilhadas socialmente, mas, em algumas circunstâncias, podem ser ultrapassadas pelos próprios agentes desse campo ao exercerem sua condição de sujeitos” e promoverem as transformações necessárias no espaço social em que estão inseridos.

Os agentes de letramento no contexto desta pesquisa são representados pelos participantes da EBD, além de considerar as pessoas com quem eles interagem. Conforme afirmam Berger e Luckmann (1985, p. 70), “o ser humano em seu desenvolvimento não somente se relaciona com um ambiente natural particular, mas também com uma ordem social e cultural específica”. Portanto, compreende-se que o ser humano, social e psicologicamente, reflete o contexto social em que vive. Com base nesse pressuposto, é possível dizer que os agentes de letramento, independente da posição social em que se encontram, são pessoas capazes de se tornarem sujeitos, intruirem, participarem do processo de ensino/aprendizagem e produzirem eventos de letramento, e diria mais, com base em Dieb (2014), são capazes de se apropriar do mundo e de construir saberes. No contexto desta pesquisa, os agentes aqui representados pelas professoras, alunos, mães, pastor e/ou Dirigente da igreja podem, em suas interações construir esses saberes que se materializam pela linguagem, pelo letramento, entendido, conforme Dieb (2014, p. 5), “como a capacidade de aprender/saber-fazer bom uso da língua em movimento nas esferas sociais de comunicação, configura-se também como um constituinte da agência humana”. Essa agência humana se constitui, portanto, de seres únicos e singulares, capazes de construir e reconstruir sua própria história e a história de quem está nessa interação.

Postos esses conceitos básicos para agência e agente, ambos relacionados ao letramento nos mais diversos contextos, destaca-se sua importância para o letramento no contexto da EBD, entendendo que ela, como já citado, constitui-se uma agência de letramento. Além disso, ressalta-se que a temática abordada também é de relevância para os estudos da Linguística Aplicada, conforme abordagem na próxima seção.