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3 CONHECENDO O CONTEXTO DA PESQUISA

3.1 Cultura quilombola

3.1.2 A música e seus instrumentos

A música, por estar relacionada às manifestações culturais, não necessariamente de grupos étnicos, tem sua importância, pois está relacionada com a cultura, pois no interior desses espaços se exploram identidades e significados de cada grupo e são específicos dentro de cada ambiente social e cultural (HOOD, 1971; NETTL et al., 1997; QUEIROZ, 2002).

Considera-se importante levar em conta os variados tipos de música da presente época, e de que forma são difundidos pelos sujeitos de determinados grupos, verificando as suas vivências para entendimento desse grupo étnico ou cultural. Napolitano (2002), afirma que nesta variedade musical, o reconhecimento das diversas manifestações predominantes na cultura brasileira configura a identidade cultural, representada por diferentes demonstrações culturais, entre elas, a música.

Conforme Moura (1998), “[...] a música é um dos fatores que explicita para essas comunidades quem são verdadeiramente.” (p. 1). Para a autora (ibid.) para cada evento existe um tipo específico de música, e nos quilombos atuais as festas existentes

seguem rituais com a finalidade de se tornarem eternas as tradições de cada comunidade.

Compreender a vivência musical pertencente a outras culturas existentes, e suas variadas maneiras de difusão da música em espaços e contextos culturais distintos nos permite o entendimento das mesmas. Segundo Videira (2010), a linguagem musical aplica-se no aumento da assimilação e da compreensão, que auxiliam na superação de pré-conceitos, que pode contribuir para realização de trabalhos interdisciplinares em que a música, tendo como foco o ser humano, pode ser relacionada com outras áreas do conhecimento.

Na comunidade quilombola do Curiaú, ainda segundo a autora (ibid.), Tiago de Oliveira Pinto15 foi o “[...] responsável por registrar e analisar a influência negra na

música nas comunidades negras do Amapá, dando contribuições importantes sobre a cultura afro-amapaense e fazendo algumas aproximações encontradas em algumas culturas africanas.” (p. 74).

No Amapá, o marabaixo é o gênero peculiar da cultura amapaense, existente não apenas no Curiaú, mas também nas comunidades do Maruanum, Favela, Mazagão e Laguinho, localizadas na capital do Estado, Macapá. Os instrumentos predominantes são os tambores do tipo bombo (ou “caixa”) que são carregados pelos músicos e percutidos com duas baquetas (VIDEIRA, 2010). Representados, desde 1948, pela Figura 3.

15 Professor catedrático da "Transcultural Music Studies", antropólogo, musicólogo, curador de

Figura 3 – Tocadores de marabaixo em Macapá desde 1948.

Fonte: Blog Porta Retrato (responsável pelos arquivos históricos em formato digital).

Conforme Videira (2010), para se tocar esse instrumento, os músicos também atuam como dançarinos e puxadores do canto. A dança é feita em grupo, e deslocam- se em movimentos circulares anti-horários em relação aos percussionistas, e acompanham cantando o refrão dos versos puxados pelos tocadores.

Para Queiroz (2006), o marabaixo e o Batuque16 são ritmos e dança local dos

quilombos do Amapá que divertem as festas ocorridas durante o ano. Para o marabaixo os instrumentos utilizados para tocar são as “caixas” e os tambores, no batuque são pandeiros e tambores, a dança simboliza o arrastar dos pés, como se estivessem amarrados. Além disso:

16 É uma batida com os pandeiros (grandes pandeiros de couro) e os tambores – batidas muito

As músicas e os ritmos produzidos nestes eventos tradicionais das populações negras do Amapá são tão originais quanto sugerem os seus nomes: marabaixo, sairê ou zimba. Mesmo o batuque no único remanescente de antigo quilombo no estado, o Cria-ú, em muitos aspectos diverge dos batuques do sul do país, devido à presença de grandes pandeiros, tocados a três ou quatro, acompanhando dois tambores em forma de cilindro, feitos de tronco de árvore, deitados rente ao chão e “montados” pelos seus tocadores. (PINTO, 2000 apud VIDEIRA, 2010, p. 77).

Nesse contexto tradicional quilombola, conforme Videira (2010), é comum classificar o marabaixo, como um ritmo mais presente na cultura amapaense, pelo papel que desempenha cada agente musical participante deste gênero genuinamente amapaense. Complementando:

Diferente do batuque, parece que o marabaixo absorveu elementos indígenas da região amazônica que se fazem presentes na maneira como o grupo dança em torno dos percussionistas. Não obstante a produção sonora ser de nítido cunho afro-brasileiro, a dança coletiva do marabaixo lembra os movimentos compassados de um grande grupo coeso que percorre ciclos infinitos, redesenhando o próprio espaço mítico dos torés indígenas e caboclos da região norte e nordeste do Brasil. (PINTO, 2000 apud VIDEIRA, 2010, p. 78).

A autora (ibid.) destaca algumas das influências culturais do Estado do Maranhão e do Pará na prática do marabaixo, da cultura maranhense é feito um paralelo com o tambor de crioula existente por lá; da cultura paraense é onde encontra- se a presença de semelhanças, por exemplo, no ritmo e na dança. O carimbó17 do Pará

utiliza como instrumento dois tambores de forma cilíndrica, similares aos do Maranhão, e portanto, ao batuque e marabaixo do Amapá. “Os instrumentos são percutidos da mesma forma, acrescidos apenas do batedor de duas “baquetas”18 na parte posterior

do corpo de um dos tambores, conforme ocorre em várias das comunidades do Amapá.” (VIDEIRA, 2010, p.79).

17 Dança de roda do litoral do Pará, no Brasil.

18 É um objeto em forma de pequeno bastão, geralmente, com uma das

Além disso, Videira (2010), confirma a existência das variações distintas entre o marabaixo e o batuque do Estado do Amapá, mas que ambas são essenciais para comprovação da difusão africana existente na música amapaense. Segundo Pinto (2000 apud VIDEIRA, 2010), os instrumentos do batuque possuem suas especificidades e reitera a importância desses elementos africanos, na cultura do Estado:

No conjunto do Cria-ú este elemento pode perfeitamente ser analisado em suas diferentes partes, coincidindo, de fato, com um princípio básico de organização sonora africana. A particularidade do Batuque no Cria-ú, que além dos dois tambores em forma de cilindro, inclui três a quatro grandes pandeiros no seu conjunto de instrumentos é especialmente instigante. (p. 81)

Outro fator analisado por Pinto (2000 apud VIDEIRA, 2010) é o interesse pelas músicas dançantes do Caribe, em evidência o zouk19 das Antilhas Francesas, que

devido à proximidade do Amapá com a Guiana Francesa, o ritmo tem influenciado nas festas dos grupos. No entanto, o evento cultural com maior influência dentro do Estado ainda está atrelado no ritmo do batuque e marabaixo, denominado “Encontro dos Tambores”20, sendo que a comemoração teve início em 1995, na comunidade

quilombola do Curiaú, na qual reuniu os povos negros do Estado do Amapá.

O “Encontro dos Tambores”, além de ser a maior festa realizada no Estado, já faz parte da tradição, sendo comemorada no período da Semana da Consciência Negra. Nele, as comunidades se reúnem, ocorrem vendas de comidas e bebidas típicas das comunidades negras do Amapá. Além disso: “É um momento de intensa religiosidade, que conta com a presença de descendentes diretos de escravos e que ainda moram quilombos, como o Quilombo do Curiaú.” (PINTO, 2000 apud VIDEIRA, 2010, p. 82).

Videira (2010) considera que essas manifestações culturais devem ser adaptadas aos demais meios de ensino, não devendo estar restrita apenas ao estudo

19 É um ritmo lento de lambada originário das Antilhas Francesas de Guadalupe e Martinica. 20 Este evento deu origem a uma primeira coletânea de registros sonoros do batuque, marabaixo,

da cultura africana, mas que essas heranças musicais afro-amapaenses sejam difundidas e desenvolvidas mais à frente nas distintas áreas do conhecimento.

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