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5 UMA ANÁLISE SOBRE A GERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIFUSÃO DOS

5.2 Sobre a organização

5.2.2 Saberes relacionados à confecção das caixas

Ao analisar os excertos dos participantes entrevistados foi possível verificar que além dos saberes matemáticos, também utilizaram-se de outros saberes associados a diferentes áreas do conhecimento. A necessidade fez com o artesão A reorganizasse o modo como era confeccionada a “caixa”, segundo ele “[...] na época tinha apenas um cidadão que fazia as “caixas” chamado Joaquim Sussuarana, aí o papai falou pra mim: - Leva a tua “caixa” para o Joaquim ajeitar rapaz.” (A09), e partindo desde questionamento ele começou a pensar que se era o pai que construía, ele poderia aprender, e hoje conta que “eu vivo a história toda né? Eu utilizo a madeira reciclada né?” (A12).

Partindo da necessidade em se trabalhar com outro tipo de material que não fosse a madeira proveniente das matas, ele buscou outras alternativas, e ao detalhar o processo de construção das “caixas”, outros saberes necessários para a construção, se evidenciam, como a preparação do couro, “[...] o couro é boi é usado para confecção do tambor, para confecção das “caixas” utilizo couro de cabra.” (A37). O artesão A compreende a especificidade do couro para cada tipo de instrumento. Já, o artesão B destaca a necessidade da limpeza desse material e como obtê-la: “[...] a gente estica o couro e deixa no sol, como aqui é uma área aberta, os urubus tiram toda a carne que ainda fica.” (B24). O modo como o couro é preparado e secado está ilustrado na Figura 13.

Figura 13 – Preparação do couro

Outro saber destacado pelos artesãos diz respeito à fôrma utilizada para preparar os aros da “caixa”, são medidas que não seguem um padrão de tamanhos, eles são usados conforme os moldes e são compostos por sobras de material utilizado para confeição de caixotes de som. A figura 14 representa um modelo de caixote de som, a madeira do espaço vazio é reaproveitada pelos partcipantes para moldar o aro, pois, segundo o artesão A “[...] as pessoas confeccionam “caixas” de som, alto falante, essa medida é a que eles jogam fora, aí eu passo e pego, peço!” (A44).

Figura 14 – Caixotes de som, material reciclado utilizado para produção dos aros.

Fonte: Extraído de do Blog Mariano André (2013).

Após o processo de construção da “caixa”, é feita a marcação das réguas que constituem toda a área lateral do cilindro, conforme mostra a Figura 15. A próxima etapa é realizar a obstrução das falhas entre as réguas, pois o objetivo é que haja o isolamento acústico de toda a área lateral da “caixa”.

Figura 15 – “Caixa” após a marcação com as réguas.

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016).

Para que o isolamento seja realizado, o artesão A organizou seu saber de modo que alcançasse seu objetivo, o isolamento do som, “[...] depois que as réguas estão pregadas, eu faço uma mistura de muinha com cola para isolar qualquer greta que tenha.” (A91), o artesão mostra, de acordo com a Figura 16, o processo da serragem da madeira para que seja inserida a cola, conforme ilustra a Figura 17.

Figura 16 – Serragem da madeira

Figura 17 – Preparação com cola para selagem da madeira

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016).

Ao preparar a mistura, o artesão A reforça: “[...] a muinha e a cola fazem uma camada para vedar, se não selar as falhas não sai som, não presta. Faço isso para não ter interferência no som” (A92), então toda a mistura é aplicada entre todas as réguas conforme mostram as Figuras 18 e 19.

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016). Figura 18 – Preparação da “caixa” durante a selagem.

Figura 19 – Preparação da “caixa” durante a selagem

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016).

Finalizada essa etapa o artesão A ressalta: “Deixo uma tarde inteira secando para poder lixar e depois de colada, eu vou lixar, aí fica a meu critério pintar ou não pintar. Quando a lixa vem, a cola que passei, veda.” (A93). A mistura da serragem de madeira e a cola criam uma camada grossa no entorno da “caixa”, e ao lixá-la torna a superfície sólida, sem falhas, diz ainda que “[...] depois de lixada eu envernizo toda, dependendo do proprietário posso fazer alguma pintura. Deixo no sol até secar completamente” (A94), conforme mostra a Figura 20.

Figura 20 – A “caixa” sendo pintada com verniz

Após secagem do verniz, inicia-se então o processo para ser inserido o couro e as cordas, para manuseio do couro é necessário que o mesmo seja lavado para então ser envolvido nos arcos e ser posicionado sob a “caixa”, isso é possível de ser comprovado pelas ilustrações das Figuras 21 e 22, além dos excertos: “[...] após a lavagem dos couros, eu envolvo todo o couro no arco e prego com tarraxas e coloco sob o cilindro.” (A96); “Nessa hora já tem que ir fazendo os ajustes porque tem que arrumar para o couro ficar todo esticado.” (A97); “Depois de colocar o couro nos arcos de cima e de baixo começo a fazer o encordamento [...]” (A98).

Figura 21 – Medida do arco para colocação do couro.

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016). Figura 22 – Posicionamento do couro sob o arco

Com a preparação do couro no arco, é possível inseri-lo na “caixa” e seguir o procedimento para encordamento da “caixa”, e aro onde será realizado o encordamento é posicionado sobre o couro, melhor representado na Figura 23, e explicado pelo artesão A nos excertos: “Daqui desse momento, vem ver, vou furar esse aro para fazer o encordamento, para receber as cordas, [...].” (A100); “O encordamento é necessário para afinação do instrumento [...]” (A103);

Figura 23 – A “caixa” após encordamento e colocação do couro.

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016).

É necessário que o encordamento seja realizado, pois ajudará na afinação do instrumento, os artesãos possuem a técnica que para que seja feito um laço, denominado de orelha representado pela Figura 24, feito com a corda que auxilia nessa afinação ao se fazer “puxões” nessa corda. Esse procedimento é muito bem explicado pelo artesão A: “[...] esses nós são um tipo de laço para poder esticar, ajuda na afinação, a afinação ela já sai daqui com a orelha tudinho [as cordas], [...]” (A104); “Eu afino quando vou tocar, porque depois que a gente faz, a gente toca ou não, mas antes das rodas ela é afinada sim.” (A107).

Figura 24 – O laço dado na corda para afinação do instrumento.

Fonte: Imagem capturada pela autora (2016).

Esses saberes apresentados na confecção da “caixa” nos mostram possibilidades de um estudo interdisciplinar, pois não se trata apenas de saberes matemáticos. Verificou-se saberes sobre música, Física e artes, que podem ser chamados, na perspectiva dessa pesquisa de etnosaberes porém relacionados ao que Ferreira (1007) denomina de saberes da Etnociências.

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