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A magnum opus de Plantinga: Warranted Christian Belief

CAPÍTULO 2: O MODELO A/C, O MODELO A/C ESTENDIDO E A CRENÇA

2.1 A magnum opus de Plantinga: Warranted Christian Belief

Durante os sete anos transcorridos entre a publicação simultânea de WCD e WPF e a posterior publicação de Warranted Christian Belief,62 Plantinga trabalhou em outros projetos e lidou com muitas e variadas objeções à sua teoria do aval epistêmico e, como vimos, até mesmo realizou algumas modificações importantes em decorrência das diversas objeções levantadas.63 Warranted Christian Belief (daqui em diante WCB), fruto de anos de trabalho filosófico, é a aplicação do modelo epistemológico de função própria, que o autor desenvolveu inicialmente em WCD e que teve sua consecução em WPF, ao tópico da crença teísta (sobretudo cristã).

WCB é uma obra de fôlego, magistral; aborda uma ampla gama de assuntos em filosofia e epistemologia religiosa, trazendo a lume e clarificando diversos aspectos do debate contemporâneo sobre a linguagem religiosa, a racionalidade da crença em Deus, dentre outros tópicos interessantes.

Em linhas gerais, Plantinga primeiro discute em WCB a possibilidade de se referir a um ser tal como o Deus cristão; em seguida, analisa a natureza da objeção ao status epistemológico da crença em Deus; depois, aborda a objeção a respeito da impossibilidade da crença cristã possuir aval epistêmico. Para tal, ele formula um modelo que descreve a forma na qual a crença teísta, em geral, e cristã, em particular, possuiria aval. Por fim, o autor aborda a possibilidade de que, mesmo que o modelo proposto por ele esteja correto, possa haver anuladores para a crença cristã que exijam a rejeição desta, ou talvez façam com que o crente a mantenha menos firmemente, talvez ao ponto de que essa crença não possa mais contabilizada como conhecimento. Em nossa apresentação e discussão de WCB, nos concentraremos apenas na natureza da objeção à crença em Deus e no modelo

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Oxford: Oxford University Press, 2000. (Edição em português: Crença cristã avalizada. São Paulo: Vida Nova, 2018).

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Contudo, como vimos no capítulo anterior, sua linha principal de argumentação permanece a mesma. As principais respostas de Plantinga às objeções levantadas contra sua teoria do aval epistêmico podem ser encontradas em PLANTINGA, Alvin. Reliabilism, Analyses, and Defeaters. In: Philosophy and Phenomenological Research, 55/2 (June 1995), p. 427-467. E também na seção Respondeo em KVANVIG, Jonathan (ed.). Warrant in Contemporary Epistemology. Maryland: Rowman & Littlefield, 1996, p. 307-378.

proposto pelo autor para uma crença cristã avalizada, tendo em vista que nosso propósito neste capítulo é discutir os modelos Aquino/Calvino e Aquino/Calvino estendido (daqui em diante A/C e A/C estendido), o cerne da epistemologia religiosa madura de Plantinga, e consequentemente a possibilidade do aval epistêmico da crença teísta.64

No prefácio de WCB, Plantinga descreve os objetivos de seu projeto,

Este livro pode ser visto pelo menos de duas maneiras bastante diferentes. Por um lado, é um exercício de apologética e filosofia da religião, uma tentativa de demonstrar o fracasso de várias objeções à crença cristã. As objeções de jure, argumento, ou são obviamente implausíveis, como as que se baseiam na tese de que a crença cristã não está ou não pode estar justificada, ou então pressupõem que a crença cristã não é verdadeira, como àquelas que se baseiam na tese de que a crença cristã carece de racionalidade externa ou de aval. Logo, não há objeções de jure decentes que não dependam de objeções de facto. Tudo depende, na realidade, da verdade da crença cristã; mas isso refuta a sugestão comum de que a crença cristã, seja ou não verdadeira, é intelectualmente inaceitável.

Por outro lado, contudo, este livro é um exercício de filosofia cristã: ao empenhar-se em considerar e responder questões filosóficas — os tipos de questões que os filósofos levantam e respondem — de um ponto de vista cristão. O que defendo para o modelo A/C estendido [...] é duplo: primeiro, este modelo mostra que a crença cristã pode perfeitamente ter aval, e mostra como pode tê-la, refutando assim várias objeções de jure à crença cristã. Mas também afirmo que o modelo fornece uma boa maneira de os cristãos pensarem acerca da epistemologia da crença cristã, em particular a questão de a crença cristã estar ou não avalizada.65

A audiência e os propósitos do autor são, portanto, múltiplos. A audiência de Plantinga com respeito ao seu primeiro propósito são aqueles leitores em geral, quer sejam eles cristãos, agnósticos ou mesmo ateus; e seu propósito é demonstrar o fracasso das objeções levantadas contra a crença cristã. Contudo, o segundo propósito do autor é menos óbvio e pode ser mais facilmente mal-entendido. Sua proposta de articular, a partir de uma perspectiva cristã, uma descrição plausível da forma na qual a crença cristã pode ser justificada, racional e avalizada possui uma audiência especificamente cristã. Isto é, ao desenvolver o modelo A/C estendido, Plantinga parece estar tentando responder à questão: “Como os cristãos podem pensar a respeito de suas crenças do seu próprio ponto de vista?”. O que obviamente não é a mesma coisa que tentar abordar esses assuntos da perspectiva

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Desse modo, ainda que certamente interessante, não iremos abordar a questão da natureza e capacidades referenciais da linguagem sobre Deus; também não trataremos da questão dos anuladores aqui, ainda que brevemente mencionados, tendo em vista que dedicaremos o próximo capítulo para tratar desse assunto.

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do cético ou do naturalista. Ao decidir por essa abordagem interessante e muitas vezes polêmica, o autor está seguindo o próprio conselho de sua famosa aula inaugural intitulada Advice to Christian Philosophers66 quando assumiu uma cátedra na University of Notre Dame: ele pensará as questões fundamentais de sua epistemologia religiosa de uma perspectiva completamente cristã.

Contudo, James Beilby nos diz que independentemente dos esforços de Plantinga para tornar claros os dois propósitos de seu projeto,

Muitos vão interpretar mal tal projeto, especialmente no que diz respeito ao seu segundo propósito. Obviamente, do ponto de vista do naturalista metafísico (ou mesmo da perspectiva do naturalista metodológico), a proposta de Plantinga é irremediavelmente mal orientada e lamentavelmente inadequada. Os críticos irão, sem dúvida, apontar que é um raciocínio circular invocar o papel do Espírito Santo na formação da fé em qualquer argumento para o aval da crença cristã. Claro que qualquer tentativa de argumentar a favor do cristianismo com base em uma descrição que pressupõe o cristianismo seria viciosamente circular. Mas Plantinga não está assumindo tal tarefa. Não faz parte de seu projeto argumentar a favor da verdade do cristianismo com base em premissas que todos julguem aceitáveis.67

Assim, para se compreender corretamente a metodologia de Plantinga devemos primeiro compreender as metas que o autor estabeleceu para seu projeto, bem como sua audiência. Caso contrário, nossa avaliação de seu projeto pode ser equivocada e consequentemente falha, bem como nossas críticas podem ser completamente mal orientadas.68 De forma geral, as afirmações fundamentais do autor em WCB são múltiplas: primeiro, ele argumenta que aquilo que alguém toma como avalizado depende daquilo que alguém considera como verdadeiro e que, consequentemente não há objeções de jure bem-sucedidas contra a crença cristã, pois para que as objeções contra a crença teísta (e cristã) sejam bem-sucedidas elas devem ser de natureza de facto, devem atacar a veracidade do teísmo cristão, 66 PLANTINGA, Alvin. 1984, p. 253-271. 67 BEILBY, James. 2005, p. 114. 68

Por Plantinga ser um autor abertamente cristão, é recomendável compreender seu background pessoal e eclesiológico a fim de entender sua epistemologia da religião. Porém, cabe ressaltar que os compromissos filosóficos do autor não são apenas direcionados às questões teológicas, mas também são profundamente afetados, em nível conceitual, por seus comprometimentos teológicos. Estamos cientes que os compromissos filosóficos de Plantinga são altamente impactados por seus compromissos teológicos, tanto que sua principal obra, Warranted Christian Belief, é o ápice de um projeto filosófico com a finalidade de demonstrar que a crença teísta é racional e aqueles que a sustentam não faltam com nenhum dever epistêmico, de qualquer ordem. Infelizmente, por falta de tempo e espaço, não temos como tratar destes assuntos aqui. Para compreender o background para a epistemologia religiosa de Plantinga, ver BEILBY, James. Epistemology as Theology. Aldershot: Ashgate, 2005, p. 3-32; PLANTINGA, Alvin. A Christian Life Partly Lived. In: CLARK, Kelly James (Ed.). Philosophers Who Belief, p. 45-82.

não suas credenciais epistêmicas; segundo, Plantinga argumenta que os modelos da crença teísta e cristã conforme propostos por ele mostram como a crença teísta em geral e cristã em particular pode ser avalizada; por fim, argumenta que o modelo A/C estendido (o modelo específico da crença cristã) fornece um bom caminho pelo qual os cristãos podem pensar a repeito do status epistêmico de suas crenças religiosas.69