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A maneira tradicional de versar e as novas músicas de boi

5 RESULTADOS E ANÁLISES

5.2 O Boi Juventude e a tradição de Bumba meu boi no Grande Pirambu

5.2.2 Continuidade x mudança: Os ritmos, a cantoria e a reinvenção da tradição

5.2.2.2 A maneira tradicional de versar e as novas músicas de boi

Zé Ciro diz que, hoje a cantoria no “boi” é dividida entre os versos, em forma de “toadas”, e as músicas. Segundo conta o vaqueiro, anteriormente, toda a “peça” do “boi” era

cantada em forma de versos com rimas. Com o decorrer dos anos, diz o mestre, trechos de músicas de domínio popular foram incorporados à tradição do boi no Grande Pirambu. Ainda, alguns brincantes do Boi Juventude, durante os anos de vida do grupo, compuseram suas

próprias músicas para o “boi”. Este tipo de iniciativa demonstra a adaptação que o grupo Boi

Juventude realizou em relação à cultura de Bumba meu boi. Muitas destas alterações, segundo informam alguns brincantes, são consideradas como a própria tradição do grupo. Como fica ressaltado na fala de Elineudo, o sentido de tradição do Boi Juventude não descarta as inovações promovidas por seus brincantes. Zé Ciro, também, considera importante que os

“meninos” efetuem essas mudanças, que hoje eles brinquem da forma como queiram, já que o grupo “não é meu, é nosso”.

Deividson, antigo brincante do Boi Juventude, quando ainda em atividade no grupo tocava caixa, cantava e assumia a vez de capitão. Ele compôs uma música chamada por

vários brincantes como “entrada”.

Ei você, / olha quem chegou, / Boi juventude pra brincar / com muito amor.

Olha pra cá, / mas preste bem atenção, / Boi juventude vai brincar (dançar) / neste salão.

Esta canção que eu fiz a primeira vez quando eu vi o seu olhar / Linda menina quero te ver, / Boi juventude hoje dança pra você.

Ao se levar na fantasia, na alegria e na atitude. Eu quero ver todos cantar: este é Boi juventude (2x)

Que vem dançando na batida do tambor, / com sua arte vem chamando atenção de todos.

Eu não consigo entender, / tanta alegria no rosto de quem só vive a penar .

Mas, todos juntos levanta a bandeira e vamos cantar: / é Boi juventude na cultura popular. (2x)

Tem minha ema, tem o meu bode, minha burrinha também não pode faltar. Em sua prosa, com todos mexe, estou falando do meu grande Jaraguá. Com sua saia e sua barra bem branquinha, o rei da festa que não podia faltar, com o seu porte de elegância e alegria, Boi juventude que chegou para brincar.

A música é divida em três partes, cada uma delas cadenciada num ritmo diferente, o que produz variações, também, na dança e na forma de cantar. Geralmente o Boi Juventude

inicia suas apresentações com esta música, a “entrada”, mas, em algumas vezes, outras

canções são entoadas ainda no momento inicial da brincadeira.

São duas as principais diferenças apontadas pelos brincantes do Boi Juventude em

relação às mudanças ocasionadas nas canções do “boi”, primeiro no nível dos temas

abordados nas letras e segundo na forma de composição dos versos. O sentido da música, ressaltando os valores contemporâneos do Boi Juventude, de certa forma descaracteriza um

pouco o ensejo original das “peças” de “boi”, que abordam a questão do sertão nordestino no

período do Brasil Colônia e o trato com o boi durante o ciclo do couro na caatinga brasileira. Como se pode constatar na música do Deividson, o público é levado a conhecer um pouco do caráter geral do grupo Boi Juventude. Outra música, composta por Juliana, também, ex- brincante do Boi Juventude, narra a estória de quando o grupo foi a Brasília para uma

apresentação. Hoje, além, do “boi” retratar a questão da fauna nordestina e de seus mitos através de uma brincadeira, nas letras das “novas músicas” o Boi Juventude chama atenção

para si, revelando e construindo sua própria identidade.

Quanto à composição das canções, nota-se que, anteriormente todas seguiam

esquemas de versos simples construídos em forma de rimas. As músicas “novas” do grupo

levam mais em consideração a melodia sob a qual a letra irá ser cantada do que a questão da rima. Também, quando as canções são em forma de entoações de versos rimados, como

ocorre com o jeito “mais antigo” de cantar, o improviso dos próprios versos torna-se algo

mais comum, demonstrando a espontaneidade do trabalho destes cantores. Agora vejamos a música conhecida como Calça azul:

Em certo dia acordei em alto mar Minha jangada fundeada, fui pescar

Um sonho que lembrava todo o meu passado Meu coração batia forte acelerado

Lembrei do beijo da morena que eu ganhei Que toda tarde lá na praia me esperava E foi de longe que eu logo avistei

A saia do meu boi na beira-mar me esperava

É calça azul é minha camisa comprida Se estás chorando, oi se consola minha querida Não fique triste se consola meu amor,

tenha paciência Boi Juventude aqui chegou

Diferente da música apresentada anteriormente, da qual conhecemos o compositor e seu destino, Calça azul é uma canção de domínio público. Segundo Zé Ciro e outros brincantes do Boi Juventude, Calça azul trata-se de uma música originária dos “terreiros de macumba”. A modificação proposta pelo grupo foi somente a adequação do termo boi

juventude ao contexto dos versos. Desse mesmo modo ocorre em várias outras canções “mais antigas”, que quando entoadas são acrescentados o nome do grupo, Boi juventude, em dado

momento dos versos. Basicamente se dá deste modo a adequação das músicas tradicionais, no sentido de antigo, à contemporaneidade do grupo. Também, no Boi Ceará ocorre o acréscimo do nome do grupo aos versos de domínio popular, dos quais não se sabem as origens, inclusive ocorrendo variações de uma mesma canção a partir dos dois grupos supracitados.

Embora, tenhamos percebido a boa recepção que os brincantes do Boi juventude têm às propostas de renovação do folclore do Bumba meu boi, este processo não ocorre de maneira inconsciente. Elineudo ao falar sobre a inserção de uma música de sua autoria à tradição do Boi juventude diz que primeiramente é preciso coletivizar a questão. Mostrar a música aos demais integrantes do grupo e construir os arranjos musicais para seu acompanhamento são apenas os primeiros passos neste sentido, o mais importante é que o grupo como um todo aceite e se engaje na tradicionalização destas mudanças.