• Nenhum resultado encontrado

Os batuqueiros e o repertório de ritmos do Boi Juventude

5 RESULTADOS E ANÁLISES

5.2 O Boi Juventude e a tradição de Bumba meu boi no Grande Pirambu

5.2.2 Continuidade x mudança: Os ritmos, a cantoria e a reinvenção da tradição

5.2.2.1 Os batuqueiros e o repertório de ritmos do Boi Juventude

São chamados de batuqueiros os brincantes do Boi Juventude que conduzem a parte percussiva do grupo. Geralmente, as pessoas mais afetas aos instrumentos musicais, ao

chegarem ao grupo, logo, procuram se engajar na “banda do Boi Juventude”. Elineudo,

André, Átila e Silvino, durante o período de minha pesquisa, conduziam os batuqueiros. Mas, em alguns ensaios, pessoas ligadas à comunidade e antigos brincantes foram avistados

conduzindo um ou outro instrumento durante as movimentações do “boi”.

Figura 25 - Os “batuqueiros”.

Fonte: Acervo do Boi Juventude.

Segundo Zé Ciro, antes os grupos de “boi” tocavam somente valsa e baião. E, os

versos eram entoados sobre esses dois ritmos. Atualmente, diz ele, o Boi Juventude toca valsa, baião, samba, marcha e bolero. Estas mudanças, diz, são efeito da postura dos novos brincantes que vão trazendo suas experiências particulares para as atividades dos grupos.

Hoje o que mudou, muito mesmo, foi as batida. Que primeiro era só naquela batidinha, tipo pé de serra. Tum Du, tuntistinguidum. Hoje tem essas virada que os menino faz né?! Hoje tem tarol. Só que eu achava bonito, porque de primeiro tinha aqueles velhos que tocava aquele banjo, né! Eles acompanhavam, ficava bonito rapaz, cavaquim, pandeiro, surdo, reco-reco, só o que tinha antigamente, e o ganzá. Só um de cada mesmo (...) Os ritmos é diferente, que antes eles num tocavam samba. Só era valsa e baião que tocavam. Hoje tem a valsa, o samba, tem o bolero, porque o bolero, a gente só toca mais ele quando é matança, né! Que é o quinze de novembro. “Quinze de novembro foi uma data fatal, em que se deu a morte do nosso general” (entonando) (ZÉ CIRO).

Hoje o grupo tem se apresentado com até três zabumbas de tamanhos variados, tarol e triângulo. Há, ainda, na sede do grupo pandeiro e caixas de toque que são pouco

utilizados. Zé Ciro nota que a tradição do “boi” sofreu variação, passando de um conjunto de

instrumentos de corda como acompanhamento musical para uma banda formada somente de percussão.

O processo de aproximação à banda, segundo Elineudo, se dá de forma espontânea, cabendo ao brincante, adequar-se a demanda que a tradição do Bumba meu boi requisita. Primeiro, diz ele, é imprescindível a pessoa se adequar ao que o grupo já tem produzido para somente depois sugerir e promover mudanças.

Ao chegar ao grupo Elineudo já possuía certa habilidade com a percussão, na escola já havia tocado tarol numa banda de fanfarra, o que facilitou o trabalho tanto do grupo como dele próprio no que tange a tradição musical do “boi”. Ao grupo coube transmitir as informações necessárias à identificação dos ritmos e sua adequação as especificidades dos versos e das músicas que compõem o repertório do Boi Juventude. Deividson foi o responsável por ensinar os ritmos tradicionais do “boi” à Elineudo. Nesta época, os dois

tocavam caixa de toque. Elineudo, então, introduziu o toque do tarol à “peça de boi”. Ele conta que já são “seis anos de experiência, criatividade e ensino” nas atividades do “boi”.

Quando eu entrei eles me ensinaram o que eles tinham mais hábito, a cadência deles. Xote, valsa, isso tudo eu tinha que me engaja e aprender junto com eles. Só depois de muito tempo foi que eles me deram liberdade preu tomar de conta do ritmo sozinho. Eu primeiro tive que me engaja com eles, me adaptar com a batida deles, o ritmo, a tradição, pra depois quando eu tivesse uma habilidade é que eu pudesse me dominar eu mesmo. Os mesmos ritmos agora sendo cadenciados diferente (ELINEUDO).

O aprendizado, a criatividade e o ensino, dos quais Elineudo fala, trazem da tradição do boi a marcação dos ritmos, sempre reativados na produção das mudanças efetivadas pelos brincantes na contemporaneidade do Boi Juventude. A cadência dos batuqueiros efetiva-se num som “dançante”, sob a regência do tarol e com a marcação forte

do ritmo e das viradas das zabumbas. “O que mudou muito mesmo foi só a parte da percussão, dos arranjo que eles faz, a virada, o contratempo” (ELINEUDO).

Outros brincantes, como Robertinho e André, disseram nunca ter tocado qualquer

instrumento musical antes de se envolverem com este tipo de atividade no “boi”. Robertinho conta que foi brincante do “boi” do finado Zé Maria, um dos expoentes da história do Bumba

meu boi no Grande Pirambu. Lá, Robertinho dançava embaixo do Jaraguá e tocava percussão.

Somente depois foi que começou a dançar no “boi”, diz ele.

Como bem diz André, no “boi” se aprende a dançar, a tocar, a cantar e a encenar.

No que tange ao elemento musical presente no Bumba meu boi, na realidade do Boi Juventude, o aprendizado dos ritmos e da cantoria que compõe a tradição se dá de forma bastante espontânea. Igualmente ao que ocorre com a dança, em que os brincantes mais jovens, na sua maioria crianças entre 3 e 12 anos, aprendem os passos tradicionais por meio da imitação, sem grandes interferências dos passistas mais experientes.

Na parte musical a tradição do “boi” se dá de forma bem semelhante. Como se

pode ver na próxima figura, Erick, a partir de sua iniciativa própria, posicionou, de maneira semelhante aos batuqueiros, a zabumba ao seu corpo, produzindo um ritmo de cadência compassada e forte. O mesmo menino, por algumas vezes, foi avistado por mim, em meio aos ensaios e apresentações, cantando ao microfone. De maneira peculiar, entre palavras e entoações, na tentativa de acompanhar a cantoria dos mais experientes, Erick aprende a lidar

com o Bumba meu boi. Também, no Boi Juventude e noutros grupos de “boi” do Grande

Pirambu, as pessoas mais velhas confeccionam fantasias e/ou adereços apropriados aos pequenos, os pais e a comunidade em geral são avistados incentivando a participação das crianças no folguedo.

Figura 26 - Erick, filho de Sídio (tesoureiro da Associação) e Stephanie (Rainha do “boi” e filha de mestre Zé Ciro com Dona Lourdes).

Fonte: Acervo fotográfico do autor.

Os ensaios sempre ocorrem ao ar livre, como foi dito anteriormente, o que permite

uma maior interação entre os brincantes do “boi” e seus admiradores, sem contar a

proximidade em relação ao grande público que utiliza o calçadão à beira-mar, onde ocorrem os ensaios. Desse modo, pude constatar que uma grande quantidade de crianças acompanha as atividades do Boi Juventude. Entre os mais velhos, isso é visto como um bom motivo para

continuar com as brincadeiras. Muitas vezes, o “boi” é apontado como um ótimo “remédio”

para tirar as crianças e os jovens das drogas. Alguns são mais curiosos e menos informados, como um menino que certa vez me abordou durante um ensaio. Ele queria saber se era

“macumba”. – “É macumba, né!? Continuei dizendo que se tratava do Bumba meu boi. E ele

perguntou se tinha todo dia.

Sem dúvidas é grande a admiração que as pessoas têm pela atividade do “boi”. E, dentre as pessoas, as crianças são o grande “diamante” do Boi Juventude. Atualmente vários

que se desenvolve o ensino e a aprendizagem da brincadeira valoriza a participação de todos e incentiva a tradição do Bumba meu boi.