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CAPÍTULO I A VERTENTE FUNCIONALISTA

1.2 Os níveis da Gramática Discursivo-Funcional

1.2.1 O Nível Interpessoal

1.5.2.3 A marcação de plural no Português Brasileiro

Funchal que, ao enunciarem, marcaram o determinante e não aplicaram o morfema de plural - S no núcleo, porém, de imediato, remodelaram o enunciado através de outro SN, tendo sido o primeiro caso reformulado no plural (12), e o segundo, no singular (13). Os outros seis casos, para Brandão (2016), são provenientes de falhas de processamento discursivo, hesitações ou lapsos. Tal interpretação encontra-se respaldada no fato de que os oito SNs que se portaram variáveis foram proferidos por sete indivíduos diferentes, ou seja, as falhas de processamentos discursivos ocorreram tanto na ilha como no continente, fator que fortalece o apontado.

Para Vieira e Brandão (2014), por meio de critérios quantitativos e sem apego a aspectos sociais, o PE caracteriza-se como categórico, ou seja, como uma variedade que se apresenta com marcas de plurais em todos os elementos do SN, independentemente de posição, e diferentemente do PB, que sofre variação.

1.5.2.3 A marcação de plural no Português Brasileiro

Para Camacho (2016b, p.467), a concordância referente à marcação de plural corresponde à repetição de marcas com mesmo material informacional em diversos pontos da cadeia sintagmática, portanto considera-se como redundante a variante de maior prestígio por se basear na tradição gramatical. No que tange ao uso da concordância nominal plural, a que Camacho (2016b) se refere como de número, por meio de estudos sociolinguísticos, pode-se dizer que é um processo passível de variação, motivado por fatores extralinguísticos, como identidade e o contexto social no qual o falante encontra-se inserido. Tais fatores formulam forte contraste, pois, no imaginário da comunidade de fala, aquele que utiliza uma linguagem culta e dentro das normas gramaticais possui prestígio, porém, o ser humano que se utiliza de uma linguagem fora do contexto gramatical sofre recriminação.

Segundo Camacho (2016b) e Salomão (2010), a concordância de número na variedade brasileira se pauta em processos variacionistas, em contextos nos quais o falante encontra-se inserido. Assim, considera-se, como aspectos relevantes para a não utilização de concordância: (i) a menor escolarização, ou seja, pessoas que não participaram do processo normativo característico da escola tendem a não realizar concordância nominal e verbal; e (ii) o fator estilístico, já que a concordância não ocorre em todos os contextos vivenciados pelos seres humanos, como em meios informais ou em ambiente familiar. Portanto, a maneira como a

gramática concebe a pluralidade e os processos de variação não se fixa de forma unânime em diferentes contextos sociais.

Através da variação linguística, de acordo com Camacho e Salomão (2012), é possível indicar um enunciado mediante formas diferentes, sem que ocorra a mudança de referentes. Os autores indicam ocorrências comprovando tais informações, as quais se encontram a seguir (CAMACHO; SALOMÃO, 2012, p. 1074):

(14) os orelhão ø de lá não é igual ø aqui (15) os orelhões de lá não são iguais aos daqui

Os autores apontam que, na ocorrência (14), a marca de plural por meio do morfema -S encontra-se apenas no determinante, rompendo com o mecanismo de concordância. Já no exemplo apontado em (15), as marcas de pluralidade estão inseridas no determinante e demais elementos da oração, ou seja, no núcleo do SN sujeito e do predicativo, e a marcação ocorre também em cópula verbal.

Para Camacho e Salomão (2012), a falta de marcas de pluralidade nas ocorrências apontadas não se configura como impedimento para que a pluralidade seja denotada, pois a marcação de número no determinante possui especificidades que indicam para o leitor que o sintagma ou oração encontram-se em contexto de pluralidade.

Camacho e Salomão (2012) recorrem a Scherre (1988), com o intuito de explicar fatores como a marcação de pluralidade no determinante e ausência nos demais elementos do sintagma, e chegam ao posicionamento de que, por meio de princípios funcionais, a marcação de pluralidade no determinante tornaria desnecessária a marcação nos demais elementos sintagmáticos, pois buscam a economia e, assim, rompem com a redundância que rege a concordância nominal padrão. Também se admite como explicação a motivação por meio do paralelismo, que ocorre tanto na presença de marcas como em sua ausência.

De acordo com Salomão (2010), vários aspectos podem influenciar no uso da concordância nominal; a priori, é possível citar, como já mencionado, o baixo nível de escolaridade dos falantes e o uso da língua em contextos informais.

Para Scherre e Naro (1998), o português vernacular brasileiro difere do português de Portugal, pois apresenta variação de ordem sistêmica na concordância de número, expressando variantes explícitas e variantes (0) de plural em elementos verbais e nominais. Seguem, em (16- 18), exemplos de concordância entre elementos do sintagma nominal, segundo os autores (SCHERRE; NARO, 1998, p. 1):

(16) “os freguesES; as boas açÕES; essas coisas todas” (variantes explícitas); (17) “essas estradaS nova0; do0 meus pais” (variantes explícitas e variantes zero); (18) “as codorna0; as porta0 aberta0” (variantes explícitas e variantes zero).

Como se pode notar, por variantes explícitas entende-se a marcação de plural em todos os elementos do sintagma e por variante 0 a falta ou omissão do morfema de plural -S em determinados elementos do sintagma.

No exemplo (16), temos a norma padrão da língua portuguesa, com a marcação de plural em todos os elementos do sintagma, já, no exemplo (17), temos a omissão da marca de plural no adjetivo nova e na preposição de, e, por fim, no exemplo (18), temos o emprego de artigo pluralizado com ausência do morfema -S nas demais palavras dos sintagmas - nos substantivos “codorna” e “porta” e no adjetivo “aberta” -, ou seja, a marcação de plural ocorre fora do núcleo. Em sua tese de doutorado, Scherre (1988) propôs um estudo direcionado à marcação de plural através da reanálise do processo de concordância nominal em português, no município do Rio de Janeiro, por meio de duas óticas: a primeira atomística e a segunda não atomística. Na análise atomística, toma-se cada elemento sintagmático para investigação, já na não atomística estuda-se o sintagma em toda sua proporcionalidade, ou seja, por inteiro.

Sobre a análise atomística, Scherre (1988) pesquisou a concordância nominal valendo- se das seguintes variáveis: marcas precedentes e posição, saliência fônica, relação dos elementos do SN, formalidade dos substantivos e adjetivos, graus dos substantivos e adjetivos, animacidade dos substantivos, contexto fonético/ fonológico e função resumitiva. Por meio da análise não atomística, Scherre (1988) pesquisou a pluralidade, através das seguintes variáveis: pluralidade do contexto, configuração do sintagma nominal, saliência fônica, grau de formalidade do SN, pluralidade do SN, função textual e localização do SN.

Os dados das análises atomística e não atomística apontaram que os elementos do SN que se encontram marcados acabam transferindo as marcas para os demais elementos sintagmáticos, assim, marcas levam a marcas e zeros levam a zeros. Dessa forma, Scherre (1988) traz explicações sobre o processamento com paralelismo, o qual ocorre por meio do agrupamento de características de formas semelhantes; tal fenômeno ocorre por meio de processos mentais que se encontram no desempenho linguístico.

Outro princípio analisado por Scherre (1988) na variedade carioca consiste na saliência fônica, sobre a qual se postula que formas com maior saliência possuem maior perceptividade,

sendo, assim, mais marcadas. Verificou-se, ainda, predisposição em marcar as construções com maior diferenciação fônica na relação singular/plural ou que possuem marca de acento na sílaba na qual se encontra o morfema de plural.

A autora delimita a relação dos elementos não nucleares que se encontram em função do núcleo e a posição dos elementos nucleares no SN, por meio de análise atomística. Em sua tese, constatou que os elementos que não fazem parte do núcleo, quando antepostos, possuem maior marcação em comparação com os pospostos. Outros dados foram levantados e chegou- se à conclusão de que os núcleos que se encontram em primeira posição são muito marcados e os núcleos em segunda e terceira posição possuem menor marcação em comparação aos da primeira, porém não existe relação de igualdade de marcação nas relações que estabelecem entre si. Tais aspectos chegam a levantar a possibilidade de núcleos em terceira posição, quando comparados com os de segunda, que possuem maior marcação.

Constatou-se, no trabalho de Scherre (1988), que a configuração de SNs analisados por meio não atomístico fortalece os resultados encontrados por viés atomístico, constatando que os SNs que terminam por substantivo possuem maior marcação quando comparados aos SNs que terminam com adjetivo, quantificador ou possessivo.

A explicação para tais fatores, de acordo com Scherre (1988), encontra-se na iconicidade, pois o número de marcas de forma sequencial corresponde à função do grau de coesão sintagmática, que ocorre entre os constituintes do SN. Portanto, maior coesão provoca aumento do número de marcas e, em contrapartida, menor coesão acarreta diminuição da ocorrência de marcas.

No que tange à coesão, Scherre (1988) aponta que ocorre um maior nível de coesão nas relações que se estabelecem entre elementos não nucleares antepostos a seu núcleo, porém, em elementos nucleares pospostos ao núcleo, a coesão se encontra em menor nível. Sobre a relação sintagmática, frente ao substantivo, Scherre (1988) constatou que sintagmas que possuem mais de dois constituintes, sendo a última categoria um substantivo, apresentam maior coesão se comparados com sintagmas cuja última categoria não corresponde a substantivo.

Scherre (1997, p. 184) pontua que a maior parte de pesquisadores que levantaram dados sobre a concordância nominal no português tem relatado que, nas variedades brasileiras, ocorre uma tendência de marcar o plural no primeiro elemento do SN e de não marcar seus demais elementos.

Guy (2000) confirma tais apontamentos ao analisar o plural na região sul do país, especificamente em Porto Alegre, Panambi, Flores da Cunha e São Borja, já que, de acordo com o autor, a pesquisa aponta alta probabilidade de marcação de plural na primeira posição do

SN e reduções significativas em posições subsequentes. Sendo assim, palavras à esquerda do sintagma levam marcas de plural em maior constância em comparação com as palavras à direita. Guy (2000) considera esse fator como regra gramatical do português coloquial e, por se tratar de um fenômeno constatado por diversos estudos, o autor toma essa regra como válida em todo o território nacional. Ele aponta, ainda, a diversidade tipológica entre as línguas existentes no mundo quanto à marcação de plural em sintagmas nominais.

Assim como explicitado por Scherre (1997) e Guy (2000), no que se refere a processos de variação no PB, Brandão (2013) e (2016), indica que a variedade brasileira, ao contrário da europeia, se apresenta em processo de simplificação e perda de redundância, portando-se como variável, portanto de um total de 3716 ocorrências analisadas na comunidade de Copacabana por Brandão (2013), 284 se portaram ausentes de marcas em elementos sintagmáticos o que representa em porcentagem 7,6%, dessa forma marcou-se 92,4% das ocorrências, analisou-se, também a comunidade de Nova Iguaçu e de 3777 ocorrências verificadas 8,9% não se mantiveram marcadas, dessa forma marcou-se 91,1% das ocorrências, os dados são suficientes para indicar que nas localidades analisadas o PB se portou variável.

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