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A memória do caminho feito à conversa com as crianças

PARTE III – A INVESTIGAÇÃO AÇÃO PARTICIPATIVA COMO PERCURSO

1. A memória do caminho feito à conversa com as crianças

1.1. Os motivos da partida

41 numa pequena freguesia, situada numa zona rural e piscatória, pertencente ao concelho de Ovar, deve-se ao facto de aí residir. O facto de ter escolhido as crianças com 8 anos de idade, de uma escola de ensino básico, decorreu não só da abertura da escola e disponibilidade da professora mas, também, de ser um grupo que poderia expressar a sua experiência e opinião pela escrita.

A permissão da instituição foi uma condição necessária para chegarmos às crianças e convidá-las a participar no projeto de investigação. Começamos no dia 1 de outubro de 2013, quando me dirigi ao agrupamento de escolas para falar com a diretora/coordenadora. Explicamos o que pretendíamos, quais os objetivos, com quem, onde e o tempo de duração estimado para o projeto. A coordenadora não levantou qualquer impedimento solicitando, apenas, que enviasse um e-mail com a informação. No dia 8 de outubro de 2013, obtivemos o consentimento da coordenadora do agrupamento de escolas de Ovar. Fomos então pela primeira vez à escola E.B. 1 para conversar com a diretora da respetiva escola e a professora titular da turma do 3º ano. Partilharam comigo a sua preocupação de que as crianças permanecem demasiado tempo na escola e com atividades relacionadas com a mesma. Ambas demonstraram interesse no projeto de investigação, disponibilizando-se para qualquer tipo de ajuda.

Surgiu assim a oportunidade de desenvolvermos o projeto de investigação durante o período escolar, às quintas-feiras, entre as 15:00 até às 16:00. Fomos então ao encontro da turma, constituída por 19 crianças, das quais 5 frequentavam as AEC´s e a maioria o ATL.

No dia 24 de outubro, fizemos o primeiro contacto com as crianças, a pretexto da observação da sua experiência, mas esta observação seria recíproca e isto era o que nos interessava para que o grupo não me atribuísse o “ofício de professora”. Estivemos um dia na escola, entre a sala de aula e o recreio, tentando aproximar-nos das suas tarefas, interações e brincadeiras das e entre as crianças.

As crianças, curiosas com a minha presença, questionaram:

- “Vais fazer alguma coisa connosco?”; “O que estás aqui a fazer?”.

Procurei responder e comportar-me para que me identificassem mais com a sua posição do que com a da professora ou outro adulto, participando nos exercícios da aula e brincando no recreio. Surgiu assim o contexto para lhes fazer o convite num segundo encontro, em que me foi dado tempo pela professora para apresentar o projeto e o convite de participação às crianças. Disse

“Hoje estou aqui para vos fazer um convite, mas antes de vos fazer o convite quero saber as vossas opiniões acerca do que aqui vou apresentar”.

42 A conversa prosseguiu enquanto apresentávamos as questões do projeto:

- “Quase todos andamos na catequese”. - “Eu ando nos escuteiros”.

- “A minha mãe obriga-me a tomar conta da minha irmã, mas eu não gosto”. - “E a mim obriga-me a ir ao shopping, mas eu não quero, prefiro ficar a brincar”.

O mais inesperado ocorreu pelo facto das 19 crianças quererem comprometer-se com o projeto. Queriam todas participar como parceiros de investigação pelo que tive que encontrar uma solução que fosse considerada interessante e justa por elas.

- “Como todos querem ser investigadores, vamos ter de formar dois grupos de investigação. Teremos de formar um grupo de recolha de informação e um outro grupo de comunicação da informação. Este último grupo será responsável por comunicar a toda a escola o que será descoberto pelo outro grupo”.

As crianças decidiram quem pertencia a cada um dos grupos, segundo o seu interesse pelas diferentes responsabilidades. Após decidirem quem pertencia a cada grupo, decidiram criar um nome de grupo.

O grupo de recolha de informação - que designámos como “Clube de investigadores o Tempo das Crianças” - ficou assim constituído:

AEC's ATL's

Outras atividades Indicadores de participação Nat.

psicopedagógica

Cultural,

desportiva Assiduidade Freq/Int

Maria Não Sim Não

Hip Hop; escuteiros;

catequese

Muita Muita

Mário Sim Sim Não catequese Futebol, Muita Muita

Orlando Não Sim Não Escuteiros, catequese Muita Muita

43

Anabela Sim Não Sim Catequese Muita Alguma Catarina Não Não Sim Catequese Muita Alguma

Rute Não Sim Não catequese Karaté, Muita Alguma

Duarte Não Não Sim Catequese Muita Pouca Ricardo Não Não Não Catequese Muita Muita

Rui Sim Sim Não Catequese Muita Pouca

Quadro 6 - "Clube de investigadores o Tempo das Crianças"

Para o grupo de investigação de comunicação da informação - denominado como “Clube dos investigadores os Maxes” - foram selecionados: Leandro, Paulo, Martim, Melo, Isabel, Bianca, Vanessa, Rogério, Vera.

AEC's ATL's

Outras atividades Indicadores de participação Nat.

psicopedagógica

Cultural,

desportiva Assiduidade Freq/Int

Leandro Não Sim Não catequese Futebol, Muita Muita

Paulo Não Sim Não

Futebol, escuteiros,

catequese

Muita Alguma

Martim Não Sim Não catequese Futebol, Muita Muita

Melo Não Não Não Catequese, escuteiros Muita Muita

Isabel Sim Não Sim Catequese Muita Pouca Bianca Não Não Não Catequese Muita Alguma Vanessa Não Não Não Catequese Muita Pouca

44

Rogério Não Não Sim Catequese Muita Pouca Vera Não Não Não Catequese Muita Pouca Quadro 7 - "Clube dos investigadores os Maxes"

É importante salientar que os nomes acima mencionados, são fictícios por uma questão de ética e confidencialidade. Como afirma Graue & Walsh (2003) “temos de respeitar a privacidade dos outros. Devemos tratar com cuidado questões como o anonimato e a confidencialidade” (p.81).

1.2. A invenção conjunta de outro lugar social, com voz, com as crianças

Respeitando os princípios éticos da investigação com crianças, depois de as informar sobre o projeto e definir as condições da sua realização, procurámos criar condições de compromisso recíproco no desenvolvimento da investigação. Para este efeito elaborámos um contrato de cooperação com cada grupo, em que cada criança se comprometeu a ser parceiro de investigação no projeto: (“Como as crianças ocupam o seu tempo de trabalhar, descansar e brincar”), carimbando a sua mão e assinando (ver anexo, ilustração 9).

De seguida, pretendemos que as crianças aprofundassem o sentido de si mesmas como sujeitos participantes num processo em que passariam a reconhecer-se, a apresentar-se e a serem reconhecidos como atores sociais na qualidade de investigadores e de agentes de informação/comunicação social pela comunidade escolar. Com esta atividade pretendíamos também aumentar o conhecimento de cada um sobre os outros elementos como participantes no grupo.

Para tal, fizemos um jogo de apresentação inicial designado por: “Estes somos nós… Quem

sou eu?”.

Relativamente às suas experiências e preferências na escola, constatámos algumas diferenças de disposição entre os dois grupos constituídos.

No primeiro grupo (de recolha de informação), a disciplina favorita da maioria das crianças é a matemática (ver anexo, quadro 1). A maioria das crianças diz sentir-se feliz quando brinca com os seus familiares e o que mais gosta de fazer é brincar. As suas brincadeiras favoritas são as escondidinhas, casadinhas, cola e descola, o futebol ou jogos tecnológicos. Os melhores amigos são os seus colegas de sala.

45 No segundo grupo (de comunicação/informação), nenhuma destas crianças refere a matemática como sua disciplina favorita (ver anexo, quadro 2). Os seus melhores amigos são os da turma e a grande maioria das crianças do que mais gosta de fazer é brincar. A profissão idealizada pelas meninas é serem veterinárias e nos meninos serem jogadores de futebol. O futpark e o Macdonalds são os locais mais mencionados pelas crianças como preferidos para brincarem.

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