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A Mercantilização do Capital: Gê nese e Evolução do Mercado e do

Sistema Financeiro Regionais

Mas, talvez, o principal componente re- presentativo da internalização dos fluxos de re- cursos gerados na cafeicultura e sua reaplicação

em um processo de acumulação de capital na re- gião seja a emergência de um sistema financeiro próprio no interior da economia agroexportadora da Mata. Aqui encontramos, desde meados do século XIX, espaços importantes de inversão do excedente gerado na cafeicultura, por exemplo, pela atuação de emprestadores individuais no mercado de hipotecas (erroneamente considera- dos como meros agiotas por parte de boa parte da historiografia financeira), empréstimos reali- zados muitas vezes para negociação de imóveis e fazendas, mas onde a presença de recursos mo- netários também não esteve ausente.

Além disto, na grande maioria dos casos a origem e o destino dos recursos se encontram no mesmo espaço econômico. Do ponto de vis- ta dos tomadores de recursos não deixava de ser vantagem assumir empréstimos com os provedo- res locais, uma vez que, como estamos lidando com mercados ainda não completamente capi- talistas, muitas vezes as formas de transmissão de informações (essencial nos mercados que lidam com o fluxo de recursos no tempo) eram essencialmente personalizados, predominando relações como amizade, parentesco, vizinhança e outras, mas que, em nossa opinião, não se redu- zem necessariamente às redes de negócios (hoje

tão em voga) em especial quando as análises se limitam exclusivamente às relações de parentes- co (PIRES, 2009; ALMICO, 2009). A personali- zação dos canais de transmissão de informações era uma forma importante de redução dos custos de transação e absolutamente mais eficiente em uma comunidade relativamente pequena em que a reputação, definida como a forma de avaliação e percepção pública do indivíduo, vai predomi- nar muito mais do que propriamente as relações de parentesco entre pessoas que habitavam (ou não) o município (MULDREW, 1999). Depen- dendo desta avaliação, as taxas de juros (supos- tamente usurárias) caiam a níveis bastante aces- síveis, em especial quando estamos lidando com grandes fazendeiros de café, comerciantes ou mesmo industriais, tornando o empréstimo res- gatável e permitindo sua continuidade fosse qual fosse o destino dos recursos assumidos.

Do ponto de vista do credor, talvez fosse mais importante a segurança do pagamento do empréstimo, mesmo que devidamente cauciona- do, o que lhe era fornecido também pela reputa- ção do devedor no interior da comunidade. Desta forma, o mercado hipotecário teve nos agentes individuais de crédito um dos seus componen- tes mais importantes, mesmo depois da abertu- ra de bancos e outras instituições provedoras de recursos de longo prazo (MARCONDES, 2002). Além disto, a reputação e a persona- lização dos canais de informação permitiam o contato pessoal e di- reto entre provedores e credores, o que, muitas vezes, representou uma importante forma de viabilizar empréstimos Commodity Chains e Evolução dos Padrões de Mercado: O caso da EconomiaCafeeira da Zona da Mata de Minas Gerais

Decênio Valor Total Número

de Con- tratos

Valor

Médio Média das Taxas de Juros – mês Média das Taxas de Juros – ano 1853-1859 1.203:730$ 129 11:666$ 1,17 14,04 1860-1869 4.469:447$ 356 12:153$ 1,09 13,08 1870-1879 3.257:350$ 200 13:967$ 0,95 11,40 1880-1889 5.283:170$ 340 16:229$ 0,89 10,68 1890-1899 10.583:499$ 660 14:826$ 0,89 10,68 1900-1909 9.357:173$ 537 15:872$ 0,92 11,04 1910-1919 15.201:492$ 791 18:985$ 0,89 10,68 1920-1929 17.107:048 420 40:360$ 0,94 11,28 1930-1939 9.822:499$ 229 38:286$ 0,86 10,32 FONTE: Registros de Hipotecas - 1853-1939 – AHPJF

Tabela 3 - Hipotecas em Juiz de Fora - Valor total agregado por década 1853-1939

diretos do setor agrário de exportação para in- dústrias específicas, invariavelmente com a fun- ção de investimentos por parte destas empresas e, muitas vezes, permitindo seu devido cresci- mento e reprodução enquanto tal (PIRES, 2009, tabela 84, pp. 372-380).

Se tomarmos alguns padrões compa- rativos existentes, podemos ter uma ideia mais precisa do volume de crédito envolvido com o mercado local. Renato Marcondes, estudando o mercado hipotecário de Lorena e Guaratinguetá encontra, para o conjunto do período de 1865- 1887, um total de 914 registros (347 para Lore- na e 567 para Guaratinguetá), envolvendo um total de 3.804 e 5.927 contos respectivamente; o valor médio transacionado foi, também respec- tivamente, de 10:962$934 e 10:452$912, MAR- CONDES, 2002,154) volumes relativamente inferiores aos que vinham sendo realizados no município de Juiz de Fora se considerarmos, por exemplo, os quinquênios de 1875-1879 e de 1880-1884 (nos quais, aliás, as transações envol- vendo fazendeiros predominam). Se admitirmos, como faz corretamente o autor, uma relação en- tre o volume do crédito e o patrimônio, teríamos uma riqueza mais substancial no município da Mata na época, o que vem ao encontro das dife- renças entre as condições históricas e evolução econômico-financeira entre as regiões do Vale do Paraíba e Zona da Mata mineira que delineamos acima. De resto, cabe salientar que os recursos envolvidos nas negociações de crédito de longo prazo, principalmente naquele período em que os agentes do Rio já não se faziam presentes de forma significativa, dão uma ideia da dimensão que pode ter assumido o mercado financeiro lo- cal, sempre ressaltando a predominância da con- fluência entre oferta e procura de recursos finan- ceiros em um mesmo espaço econômico.

Mas são os bancos, de uma forma ge- ral, que merecem destaque nesta análise, assim

como a sua participação no crescimento indus- trial do município. É a partir de 1887, quando foi fundado o Banco Mercantil e Territorial de Minas Gerais, em plena fase de interiorização do sistema bancário do país pelo estímulo for- mado pela conjuntura do Encilhamento, que a cidade começa a testemunhar a formação e al- gumas vezes a falência de instituições bancárias. O próprio Banco Territorial e Mercantil, através de sua agência do Rio de Janeiro acabara por se envolver de forma tal com a especulação bursá- til dos anos de 1891 e 1892 que teve uma falên- cia estrondosa ainda nos anos de 1892 e 1893 (CROCE, 2008). Seguiu a ele uma experiência bem mais segura e duradoura, quando em fins de 1888 foi inaugurado o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, de importância ímpar na cidade pelo grande predomínio que exerceu nas ativi- dades desta natureza e particular penetração na economia de toda a região. Inaugurado como um banco de crédito real, suas primeiras funções es- tavam envolvidas com empréstimos hipotecários realizados com recursos fornecidos pelo governo federal, mas logo em 1891 lhe é fornecido o di- reito de realizar empréstimos comerciais de curto prazo, principalmente em conta corrente e des- conto de letras e títulos de curto prazo (LOPES DE SÁ, 1992).

Para além dos benefícios fornecidos pela abertura de qualquer estabelecimento bancário (como a função de multiplicador dos meios de pagamento) a função de descontos de letras e empréstimos em conta corrente foi de particular importância para a industrialização do município que tinha exatamente na retenção de lucros a sua principal forma de acumulação e crescimento. No contexto de uma economia ainda marcada em grande parte por suas características pré-ca- pitalistas, além das várias políticas monetárias restritivas no âmbito macroeconômico, a escas- sez de recursos monetários era uma preocupação

corrente e o Banco, ao realizar a atividade do desconto, provia exatamente a liquidez que os portadores destes títulos necessitavam para não apenas continuar seus negócios, como também para permitir que seus lucros retidos fossem rea- plicados na ampliação da produção. O mesmo raciocínio obviamente pode servir para as ativi- dades comerciais e outras.

A industrialização de Juiz de Fora, extre- mamente subestimada pela historiografia, possui suas especificidades, entre elas, se destacando um porte relativamente médio ou pequeno quan- do se compara com as grandes indústrias das capitais (talvez excetuando o setor têxtil). No entanto, com o passar dos anos o processo foi se tornando tão vigoroso que chegou a estimu- lar o surgimento de outros setores que tinham na própria indústria seus principais consumi- dores. Além disto, esta diversificação industrial ocorreu exatamente no mesmo momento que a “indústria nacional” (leia-se Rio e São Paulo) o experimentava, ou seja, após a Primeira Guerra Mundial e principalmente os anos 1920. Neste momento encontramos no município a fundação de inúmeras indústrias no setor intermediário, em especial embalagens, papel e papelão, além de algumas indústrias mecânicas que, originadas anteriormente, começam a produzir máquinas in- dustriais (PIRES, 2009).

Mas a genealogia do mercado de capi- tais na região permitiu uma complexidade muito maior na oportunidade de investimentos, em es- pecial no mercado de títulos industriais, em par- ticular ações e debêntures. Também aqui, a parti- cipação do capital agrário de origem agroexpor- tadora tem um papel essencial. Desde o período do Encilhamento que encontramos ações e títu- los de empresas do próprio município (anterior- mente predominando em muitos casos aquelas presentes no Rio de Janeiro), além de um nítido predomínio de títulos da dívida pública (PIRES,

1993, tabela 44, p. 169). Nesse caso, o portfólio de alguns fazendeiros demonstra visivelmente a presença de ações e títulos lançados na praça lo- cal e que foram realizados na mesma praça, sen- do difícil encontrar empresas com negociações regulares na Bolsa do Rio de Janeiro (exceto as ações do Banco de Crédito Real e da Companhia Mineira de eletricidade).

Quando verificamos os dados a partir do universo das empresas percebemos a impor- tância do lançamento destes títulos, quase todos envolvidos com projetos de expansão das empre- sas ou como forma de alongamento de débitos (PIRES, 2009, Tabela 84 pp. 370-384). Em todos os casos verificados a realização destes ativos, ou seja, sua conversão em moeda sonante ocor- reu na própria cidade, indicando nitidamente a presença de um mercado primário e informal de capitais no município, o que coloca em dúvida a importância das bolsas de valores, especialmente a do Rio de Janeiro, como os principais merca- dos de transação deste tipo de ativos financeiros.

Conclusão

Quando associamos fatores como a exis- tência de dinamização econômica a partir das exportações de um produto de exportação, sua diversificação interna em diversos setores tão importantes como o comércio por atacado, com- panhias de serviços públicos, bancos e empresas industriais, compreendemos que a região da Zona da Mata internalizou boa parte de suas condições de acumulação de capital a partir da constituição gradual, mas contínua, de mercados para bens, serviços e ativos financeiros que se destinavam a investimentos diversos com a origem e o destino dos recursos convergindo predominantemente para o próprio espaço em que se desenvolveu a região da Mata mineira, percebemos que esta foi na verdade, pelas suas especificidades, uma das principais bases de produção de uma cadeia Commodity Chains e Evolução dos Padrões de Mercado: O caso da EconomiaCafeeira da Zona da Mata de Minas Gerais

de mercadoria fundamentada nas exportações de café que se desenvolveram no país. A internali- zação de seus fluxos de recursos representa, nada mais, nada menos, que uma forma específica da genealogia dos diversos tipos de mercados que vão se delimitar regionalmente, permitindo que o processo de acumulação de capitais se reali- zasse predominantemente nos espaços da própria região, sendo ela própria, ainda por suas espe- cificidades e limites, particularmente importan- te porque demonstra nitidamente o potencial de internalização e a complexidade da constituição do capitalismo no Brasil, em particular quanto à sua feição e distribuição espacial, o que deve ser provavelmente confirmado se avançarmos nos estudos da história regional do país, com toda a riqueza e potencial de análise e pesquisa que es- tas regiões vão representar.

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