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Efeitos de Encadeamento, Diver sificação Econômica e Genealogia

dos Mercados: Um Exame sobre

o Mercado Financeiro na Zona da

Mata Mineira

Se a percepção generalizada das regiões produtoras do café deixa Minas Gerais e a Zona da Mata em uma posição intermediária no qua- dro geral da evolução da produção e exportação de café no Brasil, convém explicitar, inicialmen- te, os fatores que determinaram esta situação. Localizada no sudeste de Minas Gerais, limítro- fe do estado do Rio de Janeiro, a Zona da Mata se colocou, em um primeiro momento, como uma fronteira no avanço da cafeicultura do es- tado vizinho. Por isso, sua produção entra em decadência em um período bastante posterior àquele do Vale do Paraíba, em torno do final da primeira guerra mundial e início da década de 1920 (DESTRO, 2006). Além disto, se conside- rarmos o avanço da cultura da rubiácea em três tempos e três espaços distintos em seu próprio interior, percebemos nitidamente, pela evolução dos principais municípios produtores, uma divi- são interna também em três áreas distintas: o sul, onde se encontra seu polo urbano de referência

e capital regional, Juiz de Fora, manteve o pa- pel de hegemonia desde o início do cultivo na região, em torno da década de 1850, até mais ou menos os anos de 1880 e 1890; o centro, onde se encontra importantes municípios produtores, como Muriaé, que assume a hegemonia em torno destes anos até o início do século XX; e o norte/ nordeste, onde se destacaram municípios como Manhuaçu, que, por sua vez, tomaram a posição de liderança a partir deste período até o final dos anos 1930 e mesmo depois. A expansão da rede ferroviária pela região, iniciada ainda nos anos de 1860 e 1870 permitiu o avanço regular e con- comitante da fronteira agrícola no interior do ter- ritório matense (BLASEHEIM, 1994).

Foi assim que, quando ocorre a abolição da escravidão e as relações de trabalho implica- ram em alguma remuneração monetária, os re- cursos gerados pelas exportações dinamizaram a economia no pós-abolição, permitindo uma diversificação econômica extremamente signifi- cativa, em especial pelos efeitos de encadeamen- to prospectivos e retrospectivos que gerou. Ao mesmo tempo, a expansão ferroviária e o cresci- mento da produção da região que propiciou iam criando inúmeros centros urbanos de maior ou menor significado, de tal forma que já no início de século XX temos uma rede urbana relativa- mente articulada entre si e fortemente marcada por uma hierarquização que paulatinamente co- locava Juiz de Fora como seu núcleo mais im- portante (PIRES, 2009).

Caracterizados os aspectos básicos da evolução da produção da região, são suas rela- ções de comercialização e distribuição que to- mam a primazia neste exame. Localizada em um território interiorano e destituído de um espaço próprio de exportação, foi o Rio de Janeiro o principal porto responsável pelo escoamento do café originado na Mata para o mercado mundial. Aqui encontramos de imediato uma contradição Commodity Chains e Evolução dos Padrões de Mercado: O caso da EconomiaCafeeira da Zona da Mata de Minas Gerais

que irá determinar, definitivamente, todo o pa- drão de evolução econômica da região em seu conjunto, além de delinear uma de suas especifi- cidades mais importantes: a morfologia própria que assumiu o capital comercial bem como as importantes funções que desempenhava no in- terior de uma economia que ia gradualmente se constituindo e organizando em torno de distintas formas de mercado (dada a fase transitória do ca- pitalismo) e de sua delimitação como economia produtora de café com um perfil próprio quando comparada aos seus pares.

Este aspecto é de fundamental impor- tância, uma vez que, como previsto na teoria da cadeia de mercadorias, cada fase de articulação desta cadeia era constituída por agentes e agru- pamentos sociais com distintas forças de poder e influência, determinando a retenção de maior ou menor parte dos lucros gerados no processo de acumulação de capital típico da produção de café.

Neste sentido, entre os três casos aqui em referência há uma nítida diferenciação, a tal ponto que se utilizássemos o termo morfologias do capital comercial não nos afastaríamos muito da realidade.

Em um trabalho hoje clássico, Flávio Saes (1986) mostra como se deu a organização e atuação do capital comercial associado à ex- portação de café em São Paulo, segundo o autor, significativamente diferente do modelo “clássi- co” dos comissários do Rio de Janeiro. No caso paulista, teria havido uma separação entre o nú- cleo urbano de referência (a cidade de São Pau- lo) e o centro que concentrava as funções de co- mercialização e exportação de café (a cidade de Santos), situação que teria provocado, inclusive, inúmeras disputas entre ambas as cidades. Como consequência desta distinção, a força política e poder econômico dos agentes sociais envolvidos

(os comissários) teriam sido muito menores que aqueles presentes no Rio de Janeiro, onde havia um predomínio absoluto destes sobre os fazen- deiros de café, devido sua atuação como agentes de financiamento e comercialização e um pe- sado encargo de juros de empréstimos e lucros de comercialização, tornando-os um dos grupos mais privilegiados na distribuição e retenção dos recursos gerados na produção. No caso de São Paulo este poder era muito menor, cabendo aos exportadores (invariavelmente casas estrangei- ras) um papel de destaque. De qualquer forma, para nossos interesses aqui, mesmo divididos em dois polos importantes de capacidade de barga- nha e poder econômico, os recursos da atividade cafeeira eram retidos -ao contrário de Minas Ge- rais, como veremos- no próprio espaço em que se definia sua economia de exportação, permitindo que os efeitos de encadeamento e os excedentes econômicos gerados pela produção de café ficas- sem retidos no próprio estado.

Delineiam-se, assim, duas economias regionais de exportação de café nitidamente di- ferenciadas não apenas quanto ao ciclo de pro- dução e posição no primado das exportações do país, já suficientemente caracterizadas pela historiografia, mas também como duas cadeias distintas de exportação desta “commodity”, bas- tando para isso que levemos em consideração não apenas suas especificidades na organização e evolução da produção, mas também suas dife- renças na articulação e estrutura de sua comer- cialização interna e canalização para exportação. A situação da Zona da Mata de Minas é, neste sentido, completamente diferente, podendo na verdade ser considerada uma terceira varian- te na constituição de uma cadeia de exportação de café historicamente estruturada no país no mesmo período. Destituída de um canal direto de comercialização externa e colocando os co- missários do Rio como principais comerciantes

do café da região, com os benefícios que dispu- nham na distribuição dos recursos no conjunto da cadeia, teria sido este estado o principal bene- ficiário da produção cafeeira da região, sobran- do muito pouco (como enfatiza a historiografia aqui em questão) para que houvesse efeitos de encadeamentos significativos na Zona da Mata. Aqui, como se pode notar, a ausência de uma es- trutura de comercialização externa e dos agentes sociais com ela identificados teria inviabilizado qualquer atuação mais “benéfica” por parte deste segmento fundamental destas economias e da di- versificação de investimentos que ele potencial- mente implicava (bancos, indústrias, ferrovias, serviços urbanos, entre tantos outros). Em outras palavras, o que significava uma mera transferên- cia de recursos inter-setorial nas economias do Rio e São Paulo, representava, para a cafeicul- tura mineira, uma transferência inter-regional destes mesmos recursos.

No entanto, existem várias qualificações que podem ser feitas a esta argumentação. Em primeiro lugar, há um nítido exagero do “predo- mínio do capital comercial” na cafeicultura tanto do Rio quanto de Minas Gerais. A situação de endividamento constante dos fazendeiros com os comissários foi confundida com uma situação de insolvência contínua por parte destes, o que, como mostram estudos mais recentes (SWEI- GART, 1980), não correspondia à realidade. Muitos eram os que pagavam, a contento, o fi- nanciamento e suas dívidas com os comissários e a presença de saldos monetários a favor dos fazendeiros eram tão comuns que talvez corres- pondam muito mais à regra do que propriamente à exceção, ao menos no que se trata do caso es- pecífico da Zona da Mata, que observamos mais de perto.

Além disto, por não levarem em conta a complexidade e dinamismo destas economias de exportação, deve ser lembrado que a crise da

cafeicultura fluminense (na verdade bem mais tardia do que supõe determinados estudos), im- plicou também numa gradual, mas irreversível decadência dos comissários do Rio de Janeiro, cujo resultado foi praticamente o seu desapareci- mento como agentes intermediários entre os fa- zendeiros e as casas exportadoras, predominando a partir daí o contato direto entre fazendeiros e as inúmeras casas filiais ou de representação que estabeleceram no interior, não apenas em Juiz de Fora, mas em outros importantes centros produ- tores da Mata (PIRES, 2009). Ao mesmo tempo, como a cafeicultura local mantinha condições bastante favoráveis para a expansão do cultivo, houve uma visível evolução do setor comercial nestes centros, particularmente Juiz de Fora (ta- bela 01 e 02).

Commodity Chains e Evolução dos Padrões de Mercado: O caso da EconomiaCafeeira da Zona da Mata de Minas Gerais

Ano No de Estabelecimentos Índice

1870 153 100

1905 692 452

1925 716 467

Tabela 1 - Crescimento dos Estabelecimentos Comerciais de Juiz de Fora 1870/1925 (Perío- dos selecionados)

PIRES, 2009, tabela 26, p. 121

Municípios Número de Estabe-

lecimentos 1. Além Paraíba 207 2. Belo Horizonte 794 3. Carangola 500 4. Cataguases 330 5. Juiz de Fora 716 6. Leopoldina 231 7. Manhuassú 417 8. Mar de Espanha 146 9. Muriaé 338 10. Pomba 131 11. Ubá 305

Tabela 2 - Número de estabelecimentos co- merciais para alguns municípios da Zona da Mata eBelo Horizonte – 1925

Desde, pelo menos, o segundo quinquê- nio da década de 1880 a cidade assistiu a um grande crescimento em seu setor comercial, mas como o café ainda era predominantemente cana- lizado para o Rio através de casas exportadoras e alguns poucos comissários sobreviventes, sua es- trutura comercial é marcadamente fundamentada em função do mercado interno, e como centro comercial que era de toda a região, com o surgi- mento de grandes estabelecimentos de atacado, para além de um sem número de unidades do pe- queno comércio a varejo. Firmas atacadistas de ferragens, refinação de açúcar, maquinário e ins- trumentos diversos, moagem, tecidos e princi- palmente alimentos e outros produtos de subsis-

tência marcavam nitidamente a estrutura comer-

cial da cidade. Ao contrário dos grandes centros de produção e comercialização de café, Juiz de Fora jamais conheceu grandes firmas comissá- rias de café (exceto algumas poucas inaugura- das na década de 1890) e foi o comércio voltado

para o consumo interno o perfil predominante da estrutura comercial local, estando virtualmente

ausentes casas de exportação direta de café ori- ginadas na cidade (PIRES, 2009, Tabela 29, pp. 144-145 e Tabela 37, pp. 174-183). Mais que isto, esta forma relativamente específica de es- truturação do capital comercial tomou um papel fundamental na industrialização do município (a mais importante do estado de Minas até o final da década de 1920) surgindo daí inúmeros inves- timentos em diversos setores industriais (fossem os têxteis, alimentos industrializados como mas- sas e bebidas, e mesmo o setor de mecânica e metalurgia).

A parir deste período, ainda em torno das décadas de 1880 e 1890, houve uma gradual substituição da provisão das fazendas locais pelo próprio capital comercial da cidade, afastando as firmas presentes no Rio de Janeiro como fornece- dores predominantes, o que pode ser estendido,

inclusive, para algumas firmas de importação de

máquinas, insumos ou matérias-primas que a ci-

dade distribuía não só para a Zona da Mata como também para outras regiões do estado de Minas. De acordo com Giroletti (1980, 159)

A maior parte dos produtos importados ou exportados por Minas (Centro, Oeste, partes do Sul e da Zona da Mata) tinha que, obriga- toriamente, passar por Juiz de Fora, por uma razão muito simples: utilização de um sistema rápido e eficiente de transporte. Isto permitiu o desenvolvimento do comércio de exportação e importação, de atacado e varejo. Para o produ- tor e consumidor, tornava-se mais barato e mais cômodo vender sua produção em Juiz de Fora e ali mesmo se abastecer dos produtos de que precisassem sem necessariamente recorrer ao Rio de Janeiro.

A evolução e constituição do padrão de mercado predominante no país, ainda fundamen- talmente regionalizados em toda República Ve- lha, começa a ter, também na economia cafeeira da Zona da Mata, um importante exemplo a ser investigado, especialmente se levarmos em conta sua natureza essencialmente interiorana, distan- ciada tanto de um porto de escoamento para o mercado internacional, como das capitais que serviriam de estereótipos para o entendimento do surgimento do capitalismo no Brasil. Por outro lado, um importante canal de evasão de recursos para outros espaços econômicos foi gradualmen- te vedado, se colocando como um importante mecanismo de retenção e endogeneização do processo acumulação de capital no próprio espa- ço definido como Mata Mineira.

A Mercantilização do Capital: Gê-