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A modernidade e a emergência de um outro paradigma: reflexões

1 - A Modernidade e a Emergência de um Outro Paradigma:

Reflexões Introdutórias

1.1 - Modernidade: querendo ser o que não pode ou sendo o que consegue

“A propósito, a modernidade é um bom exemplo de uma convivência conflituosa. Para primeiro afirmar-se, para depois confrontar-se, para, por fim, reivindicar sua hegemonia, o racionalismo produz um ‘valorizador’, um ‘duplo’ obscuro – o irracionalismo – que, sob nomes diversos, obscurantismo, reação, tradição, pensamento orgânico permitirá que o primeiro apareça como sendo o discurso de referência em torno do qual vai organiza-se a vida em sociedade. Todos os grandes sistemas de pensamento, da Luzes ao funcionalismo, passando pelo marxismo, estão de fato impregnados da mesma matéria e apresentam-se, todos eles, como variações musicais de um mesmo tema.”

Maffesoli, Elogio da Razão Sensível, 1998.

O conceito de modernidade com o qual lidarei durante o desenvolvimento deste capítulo tem relação com o ideário de modernidade que foi severamente criticado por dois dos mais consistentes críticos da modernidade J. F. Lyotard (1979) e Perry Anderson (1995), ou seja, modernidade como sendo uma espécie de epistemologia totalitária e totalizante (VASCONCELOS, 2004), como sendo um modelo de vida criado para ser hegemônico, para ser superior ao modelo que lhe antecedeu (o pré-moderno).

De acordo com o sociólogo Michel Maffesoli (1998), o ideário de modernidade como sendo uma epistemologia absolutista é frágil e inconsistente, posto que além de ser fruto de uma compreensão reducionista sobre o que seja a razão e sobre como a razão humana deve compreender e explicar o real e a realidade, não contempla a modernidade no seu sentido mais amplo e mais plural, ou seja, modernidade como espécie de movimento de ruptura com os ideários defendidos pelas teorias teleológicas e teológicas do período pré-moderno.

A modernidade, no sentido de epistemologia absolutista, foi chamada pelo historiador Eric Hobsbawm (2004) e pelo crítico literário Fredric Jameson (2004) de “império do saber racionalista, de clausura da razão”, epistemologia onde a regência da verdade e de sua legalização é fruto de uma série de alteração paradigmática entre o que se pensava no Ocidente até meados do século XV e o que se passou a se pensar depois do segundo quartel do século XVI.

Conforme os professores Pourtois e Desmet (1999), a modernidade e seu caráter de descontinuidade com as teorias do período pré-moderno teriam se materializado para a sociedade ocidental a partir de dois eixos centrais: 1) a racionalização e 2) a proliferação e a fragmentação dos saberes. Ainda segundo esses autores, a racionalização seria uma espécie de oposição à subjetivação e a proliferação dos saberes seria resultado do extraordinário avanço nos estudos humanos sobre a vida e todos os seus desdobramentos.

Duas características marcaram profundamente o mundo moderno. De um lado, a racionalização e, do outro, uma produção inaudita de saberes fragmentados. Esses dois eixos constituíram aquisições extraordinárias que se deve encarar, hoje, numa perspectiva mais complexa e coerente (POURTOIS E DESMET, 1999, p.22).

Entendo que os dois eixos centrais citados acima foram muito importantes para os pressupostos e princípios das teorias modernas, visto que o objetivo maior de ambos era propor à sociedade de modo mais geral e mais especificamente ao homem, melhoria na qualidade de vida e avanço em todos os níveis da existência humana. Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos (2004), tanto a racionalização quanto a proliferação e a fragmentação dos saberes, pregados pela modernidade, embora tenham sido importantes para os avanços tecnológicos que temos hoje no mundo, não foram de tudo a melhor saída para os problemas humanos pelo menos no âmbito social e histórico.

Consoante Boaventura de Souza Santos (2004), nem a racionalização nem a proliferação dos saberes foram ações suficientes no cumprimento do ideário pretendido pela modernidade. Ou porque, a idéia de racionalização além de reducionista era inconsistente ou porque a proliferação de saberes fragmentados cedo ou tarde não conseguiria dar conta das ocorrências biológicas, psíquicas, sociais, históricas, espirituais

as quais norteiam a vida humana. De acordo com Pourtois e Desmet (1999), em função do eixo de racionalização, a modernidade difundiu um conceito de conhecimento restrito à dimensão biológica do homem e preteriu as demais dimensões, entenda-se: psíquica, social e espiritual.

A racionalização do conhecimento, pregado pela modernidade, terminou criando uma noção de conhecimento reduzida à dimensão biológica do homem e secundarizou, pelo menos oficialmente, outras formas de saber, tais como: artes, literaturas, teologias, culturas míticas, culturas místicas (MAFFESOLI, 2004, p. 37).

Como assinala Morin (2004), um dos principais teóricos da complexidade, para a modernidade, conhecimento era tudo aquilo que fosse quantificável, mensurável, tangível; era tudo aquilo que coubesse na geometria e aritmética da racionalidade objetiva, que passasse pelo crivo da racionalidade. Qualquer natureza de informação que não fosse capaz de ser mensurável, analisável, calculável, conjuntizável, não seria conhecimento, não era saber relevante para o desenvolvimento e para o progresso (CASTORIADIS, 1987). Isto significava dizer que só eram aceitas como conhecimento as informações advindas das ciências físico-naturais e que toda informação advinda das artes, das literaturas, das teologias, das tradições místicas e míticas, não eram conhecimento, logo não mereciam a mesma atenção e o mesmo respeito que o conjunto de informações oriundas das chamadas ciências físico-naturais.

No entanto, importa dizer que, mesmo combatidos e ignorados pelo discurso moderno, os conhecimentos advindos das artes, das literaturas, das teologias, das tradições míticas, não foram completamente alijados das sociedades. Muito pelo contrário, a modernidade foi palco de uma expressiva produção de conhecimentos nos campos das artes, das literaturas, das teologias e das tradições místicas e míticas, todavia esses conhecimentos eram vistos como menores sem grande relevância para a compreensão e a interpretação da realidade e do real.

Pourtois e Desmet (1999) explicam que a racionalização do conhecimento defendido pela modernidade, é fruto do medo que os homens dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX sentiam de verem outra vez a ordem da vida sendo regida pelo irracional e pelo excesso senso de subjetividade oriundos das explicações teleológicas e teológicas sobre a vida e

seus desdobramentos. Doll Jr. (2002), estudioso sobre currículo e pós-modernidade, corrobora com o pensamento de Pourtois e Desmet (1999) acerca do sentimento dos homens dos citados séculos e afirma que, mesmo não querendo um confronto direto com a Igreja romana, os homens modernos não desejavam que sua vida continuasse gerenciada pelo poder religioso desta Igreja.

Durand (1998), um dos principais teóricos sobre a antropologia do imaginário, assinala que é o medo do irracional que conduz o homem europeu dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX a desvalorizar o que é da ordem do subjetivo e do simbólico, o que é da ordem do imaginário e do fantástico, ou seja, o que é de sua própria ordem e natureza; e valorizar excessivamente o que é da ordem do provável, do tangível, do matematizável, do calculável, do que se convencionou chamar por científico, por saber lógico, por razão abstrata (MAFFESOLI, 1998).

O medo de voltar-se para o irracional, o religioso, o místico, o mítico, o pouco provável, o subjetivo, fez do homem moderno um homem fragilizado e, embora disposto, amparado sempre numa hipótese absurda de que a razão e a realidade eram, ao mesmo tempo, uma só coisa e possuíam uma só identidade, tomado por um senso de receio do que não lhe parecia provável (DURAND, 1998, p. 280).

Para o especialista em história da ciência Attico Chassot (2002), o medo do irracional é um sentimento que se justifica em função das práticas pouco ortodoxas que tanto a Igreja romana quanto o Estado tomavam em relação aos estudos realizados pelos pesquisadores da época, como também se justifica em função da maneira como a vida e seus desdobramentos eram compreendidos e explicados pela Igreja romana e pelo Estado. O professor Jean Luiz Lauand (2001) comenta que as teorias teleológicas e teológicas sobre a gênese do mundo e sobre a vida do homem na Terra e depois dela, não mais saciavam a sede de conhecimento do homem do período.

Russel (2000), especialista em lógica matemática e filosofia analítica, Nobel de Literatura em 1950, explica que o medo de ser governado pelo subjetivismo teológico fez com que pensadores sérios e bem intencionados, criassem uma teoria que se opusesse ao pensamento teológico de forma contundente. O filósofo Hilton Japiassú (1996) entende que o subjetivismo teológico representava para o homem moderno uma espécie de atraso

e um obstáculo para o que a modernidade intitulou como sendo progresso. De acordo com Chassot, o progresso seria resultado tanto da proliferação e fragmentação dos saberes quanto da racionalização da experiência do conhecimento.

Para o filósofo Cornelius Castoriadis (1987), esse ideário de racionalização exacerbada do saber e essa idéia de fragmentar o conhecimento em muitas partes, como também essa história de querer dizer que a realidade é simples, linear, simétrica, causal e determinada, é tudo oriundo de duas linhas de pensamento muito significativas para os quatro principais séculos do chamado paradigma moderno: a linha de pensamento cartesiana e a linha de pensamento newtoniana.

As teorias cartesianas e as teorias newtonianas juntas formam, segundo Boaventura de Souza Santos (2004), a base da modernidade, tanto para o bem quanto para o mal. O bem, comenta Morin (2002), é, sem dúvida, o avanço do conhecimento; o mal, também comenta Morin (2002), é que esse avanço nem sempre implicou de fato progresso, nem sempre implicou melhoria na qualidade de vida dos homens. Russel (2002) diz que as regras do método cartesiano e as explicações newtonianas foram, de certa forma, mal interpretadas pelos positivistas do século XIX, mais especificamente por Auguste Comte, Pierre Simon Laplace e Herbert Spencer.

De tal forma que quando indagado sobre a importância da Ciência, Herbert Spencer declara sem constrangimentos em seu livro Do progresso sua lei e sua causa (1939):

“À pergunta...Qual é o conhecimento mais valioso? – a resposta uniforme é – a Ciência. Este é o veredito em todas as avaliações. Para a autopreservação direta...a Ciência. Para ganhar a vida....a Ciência. Para as funções parentais...a Ciência. Para uma boa cidadania...a Ciência. Para a apreciação da arte....a Ciência. Para propósitos de disciplina...a Ciência. A Ciência...é a melhor preparação para todas estas ordens de atividade.” (SPENCER, 1939, p. 84/5)

Segundo essa ótica de Spencer, a “Ciência” seria a equação matemática capaz de resolver todos os problemas individuais e coletivos. E teria, como acredita Japiassú (1996), sido o maior bem cultural que a humanidade conseguiu produzir ao longo de sua história. Morin (2003) entende que no momento em que a “Ciência” passou a ser entendida pelo homem como o centro do conhecimento, a cultura ocidental foi bifurcada

em dois conjuntos de saberes: 1) o saber científico e 2) o saber humano. O saber científico, baseado nos pressupostos filosóficos de Descartes e nos pressuposto e princípios físicos de Newton, foi considerado superior ao saber humano.

Os métodos utilizados pela “Ciência” (ou pelas ciências físico-naturais) passam a ser a base da análise do que era ou do que não era conhecimento valioso para o progresso da humanidade. Nesse sentido, a legitimação das artes, das literaturas, das teologias, das teorias místicas e míticas só ocorreria, caso houvesse a anuência da lógica analítica proposta pela Ciência ou o mesmo que ciências físico-naturais. Segundo Chassot (2004), foi nesse período histórico que se começou a utilizar os métodos racionalistas como sendo “o método” da lógica científico (STENGERS, 2005).

Para Doll Jr. (2002), a lógica científica foi considerada de modo geral a mais importante e a única no Ocidente durante cerca de cinco séculos e passou a gerenciar as demais formas de lógica. Ou seja, passou a ser o que Morin (2003) chama de lógica- mestra. De tal maneira que Comte (2002) sugeriu que os métodos para análise e verificação utilizados pelas ciências físico-naturais fossem também utilizados pelas ciências sociais e humanas, caso estas almejassem o titulação de conhecimento “científico”.

Boaventura de Souza Santos (2005) acredita que os positivistas não compreenderam que as ciências físico-naturais não eram o filtro que eliminariam as impurezas das demais ciências, logo os métodos utilizados pelas ciências físico-naturais em suas análises e verificações sobre a realidade e o real talvez não fossem adequados para as demais ciências. Chassot (2004) entende que os positivistas meteram os pés pelas mãos no momento em que elegeram a Física e a Astronomia como sendo os conhecimentos essenciais para a vida dos homens e preteriram outras formas de conhecimento.

Boaventura de Souza Santos (2005) diz que a racionalização dos saberes propostos pelos positivistas foi um sinal de que o discurso científico começava a perder aquilo que lhe tornara verdadeiro e legitimo para o progresso humano: a capacidade de ensinar o homem a produzir conhecimento por meio da razão e tendo a razão como sendo um maduro crivo de análise. Morin (2001) explica que o discurso científico pregado pelos positivistas não somente foi prejudicial ao progresso dos saberes humanos como foi

prejudicial ao desenvolvimento dos saberes ditos científicos, posto que as ciências entraram numa clausura egocêntrica.

Maffesoli (1998) assinala que os positivistas quiseram algo inviável: propor para as ciências humanas e sociais as mesmas regras que eram propostas para ciências físico- naturais nas suas análises e verificações. Para Maffesoli (1998), os positivistas se esqueceram de que as ciências físico-naturais não eram nem a única e nem a mais importante forma de legitimação da verdade e que as ciências humanas e sociais lidavam com um objeto de análise com características diferentes do objeto da Física e da Astronomia, logo não poderiam utilizar os mesmos métodos para as suas análises e verificações que tais ciências.

Japiassú (1996) assinala que a compreensão dos teóricos positivistas acerca da relevância das ciências físico-naturais aponta para uma falta de compreensão do que seja o uso correto da razão na construção do saber humano. Morin (2002) analisa que os positivistas não tiveram clareza das teorias cartesianas e das teorias newtonianas sobre a realidade e sobre o real, porém se embasaram nelas para elegerem o discurso científico racionalista como sendo a lógica que deveria nortear todas as demais no mundo como um todo e no Ocidente mais particularmente.

Em seu livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin (2002) assinala que, em função de ter sido eleita a “senhora do salão”, a ciência do século XIX tornou-se cega e iludida, secundarizou os saberes subjetivos, entretanto não conseguiu compreender que a sua cegueira e a sua ilusão são causa e efeito de um mesmo erro: a pretensão de ser o que não se pode: uma invenção humana sem humanidade.

Morin (2002) crítica severamente o modelo de ciência que se criou no século XIX e acredita que esse modelo foi o motivo de uma série de impropriedades que os homens fizeram em nome da busca pelo conhecimento, foi também motivo da criação de uma ciência sem consciência. Maffesoli (2004) comenta que tanto a racionalização, como a proliferação e fragmentação do conhecimento, foi produto do ideário positivista de eleger um modelo de ciência como sendo o modelo a ser seguido por todos. Para Maffesoli (2004), este foi um dos maiores erros da modernidade.

Japiassú (1996) acredita que tanto Laplace, Comte quanto Spencer, ouviram o canto das sereias e foram, meio que hipnotizados pelas explicações newtonianas sobre a realidade, para o mar. O mar, revolto e “demente” (MORIN, 2002), não perdeu tempo e nem espaço, chamou-lhes ao seu reino e lá, diante de Netuno com seu tridente implacável, os pensadores da razão exacerbada, deram-se por si e ouviram de longe, do fundo do mar, os estrondos (silenciosos ou ruidosos – Maffesoli, 2004) de suas teorias sobre a realidade e sobre a função da razão para a realidade. Isto porque, como explica Maffesoli (1998), não se pode querer colocar um círculo num quadrado e vice-versa. “O círculo tem as suas próprias leis e diâmetros. As normas do quadrado não servem para o círculo. No entanto, tanto o círculo quanto o quadrado são fundamentais para a unidade da geometria.” (Maffesoli, 2004, p. 78).

O conceito de conhecimento com o qual a modernidade, numa perspectiva positivista, tratou, excluía do rol dos saberes, o saber que não era próprio da racionalização e tal exclusão foi imperativa para a crise que se instaurou no paradigma moderno a partir da segunda década do primeiro quartel do século XX. A modernidade quis ser sozinha, num mundo onde a sua solidão implicava negação do outro (JAPIASSÚ, 1996), num mundo onde teria sido importante o uso do saber científico em parceria com outras naturezas de saber a fim de se alcançar o avanço não somente na intelectualidade, mas também nos valores e nas atitudes dos homens.

De acordo com Doll Jr. (2002), se Descartes e Newton imaginaram que as suas regras seriam eternas e imutáveis, posto que eram produtos de uma lógica absoluta, matematizável, mensurável, objetiva e correta, não viram, tempos depois, seus pressupostos e princípios serem questionados pelas teorias da filosofia fenomenológica e pelas teorias da filosofia do imaginário. Descartes, explica Michel Serres (Apud DOLL JR., 2002), quis criar a teoria do máximo e nesta teoria, como na fábula do lobo e do cordeiro, escrita por La Fontaine, ganha quem estiver na parte mais alta e detiver a certeza da força sobre o outro.

Se o cordeiro bebe água e o lobo, do alto da colina, o percebe bebendo, então o lobo ameaça o cordeiro e diz que a água lhe pertence, devorando o cordeiro ainda que o pobre animal não lhe ofereça resistência; então o lobo é o vencedor e por isso sua razão prevalece. Isto já estava previsto, posto que o lobo estava no posto mais alto. No entanto, se, por acaso, o tal cordeiro tem um dono que foi a sua procura e do alto da colina, percebeu que um lobo perigoso devorou o cordeiro que tanto amava, uma arma é empunhada e o lobo, agora na parte baixa e antes o vitorioso, passa para o lado dos perdedores. Neste caso, o homem é o vencedor. Sua razão é a mais forte. Serres diz que Descartes congelou a razão na parte mais alta da colina e colocou próximo ao rio, onde se perde sempre, a subjetividade desacreditada do homem (DOLL Jr. 2002). No entanto, há ocasiões em que as coisas se invertem e o que fica rio abaixo, usando de estratégias não previsíveis, mas possíveis, arma emboscada para quem está rio acima e o final acertado previamente não se mantém: o imprevisível acontece e transforma.

Nesse sentido, entendo que a modernidade quis o que não conseguiu ser, mas foi o que conseguiu realizar: espécie de supremacia da razão sobre a emoção, do objeto sobre o sujeito, do objetivo sobre o subjetivo, do progresso tecnológico sobre as epistemologias espirituais. Lyotard (1979) entende que a modernidade, industrial e mecânica, conseguiu opor-se de forma irrefutável, ao ideário teleológico e teológico da pré-modernidade e vincou no mundo de forma irrevogável a sua marca.

Não se pode e nem se quer negar que as ciências físico-naturais promoveram uma das mais significativas revoluções na vida das pessoas ao longo desses mais de quinhentos anos de invenção. No entanto, também não se pode negar que o conhecimento das ciências físico-naturais não são “os conhecimentos”, logo não deveria ter necessitado ser unilateral, unidimensional, unireferencial, absoluto e pedante, iludido. Isto fez da modernidade um modelo de vida ambíguo quanto aos seus propósitos: querendo ser o que não pôde, porém sendo o que conseguiu: mera invenção da cabeça humana. A partir daí, como diz a letra da música, tudo pode acontecer.

1.2 - Modernidade: nem tão sólida nem tão segura quanto se previa

“A crise do paradigma dominante é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições. Distingo entre condições sociais e condições teóricas. Darei mais atenção às condições teóricas e por elas começo. A primeira observação, que não é tão trivial quanto parece, é que a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma científico moderno é resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda. .” Boaventura de Souza Santos, Um Discurso sobre as Ciências, 2004.

A força de uma rocha não é indestrutível. Apesar de aparentar segurança inespugnável, a rocha, resultado de metamorfoses naturais ou não-naturais, quando devidamente “atacada”, vai, de muito ou aos poucos, sendo destruída. “A pedra, embora permaneça pedra, pode ser transformada em farelos”, observa a poesia de Carlos Pena Filho. A pedra é aparentemente sólida para sempre. A letra da música diz que “o sempre

sempre acaba” (Renato Russo).

A visão de Berman (1992) sobre a perenidade da modernidade nada tem a ver com a modernidade autoritária de Comte e Spencer. Em seu livro Tudo que é sólido desmancha

no ar (1992), Berman evidencia a beleza e o encanto da modernidade enquanto aventura